Análise: Não há inocentes na conversa entre Temer e o dono da JBS
Delação de empresário revela portas escancaradas para interesses promíscuos
Sergio Fadul - O Globo
A operação desencadeada a partir da delação dos executivos
da JBS reforçou a forma como as portas do poder eram escancaradas para
interesses promíscuos e mostrou que elas continuavam abertas mesmo
diante de tudo já revelado pela Lava-Jato. A gravação feita pelo
empresário Joesley Batista da conversa dele com o presidente Michel
Temer, na calada da noite, prova que o processo de saneamento precisará
de vigilância constante. As discussões em torno da integridade da
gravação podem servir no campo jurídico, mas a grande revelação não está
propriamente em um trecho ou outro da conversa e sim no seu conjunto,
tanto de circunstâncias como de conteúdo.
Pode-se buscar o álibi de que era uma "audiência" informal
entre um megaempresário e o presidente da República. Seria um encontro
autoexplicativo pela relevância dos personagens envolvidos. O problema é
que a gravação deixa claro que em nenhum momento a conversa tratou,
mesmo que perifericamente, de algum tema relacionado ao que legitimaria o
diálogo entre os dois. Não se fala de nenhum investimento, não se
discute a questão do emprego ou exportações e são ignorados temas
importantes da agenda econômica, como as reformas, que seriam relevantes
tanto para o presidente como para um megaempresário.
Joesley preparou uma armadilha e o presidente Temer caiu.
Não há inocentes nessa conversa. Ali, quem falou sabia o que estava
falando, para quem estava falando e porque estava falando. Joesley não
queria Justiça, queria arrumar um cúmplice e conseguiu. Para o
presidente, político experiente e profundo conhecedor das normas legais,
o tom de informalismo que tenta dar ao encontro não combina com a
imagem que construiu de homem público cioso dos protocolos de postura.
Ali, na conversa, ficam expostos os "usos e costumes" que comandam a
política e alguns empresários.
Toda a conversa é permeada de insinuações diretas e
indiretas de promiscuidade entre o público e o privado. São tratados
como estratégicos postos dentro da burocracia governamental tratados
como num balcão de comércio. Até mesmo no momento em que Joesley faz um
comentário aparentemente despretensioso sobre a economia, falando que os
juros precisam baixar rapidamente, existe a sentença oculta de que
estaria buscando informação privilegiada. Aliás, diante das suspeitas
cada vez mais consistentes de que o empresário usou a própria delação
para alavancar operações no mercado financeiro, o comentário sobre juros
se apresenta muito mais como uma sondagem do que como uma preocupação.
Diante da estratégia ardilosa do empresário, os termos do
acordo que firmou com o Ministério Público passam a ser altamente
questionáveis. A ideia de que pôs a vida em risco com a gravação fica
frágil. Ele fez o que fez movido pelo interesse de salvar a própria
pele. Como diz um investigador, qualquer animal quando se sente acuado,
ataca. É fato que o empresário deu uma contribuição inédita para as
investigações. O questionamento é se dar salvo conduto ao criminoso para
usufruir da imensa riqueza que obteve graças aos crimes que praticou e o
deixar liberado para operar em todas as atividades onde delinquiu não
significa que, para Joesley, o crime compensou .
O quadro que se apresenta é que o país vem sendo comandado
sucessivamente por uma parceria público/privada com um grau de
contaminação que dá a sensação de que não sobra ninguém. É incrível como
as práticas se repetem e as narrativas para tentar negar os fatos
também se mostram semelhantes.
Mais uma vez o cerco se fecha sobre um governo onde todo o
entorno presidencial vai sendo envolvido e a figura central, o
presidente, busca lavar as mãos com a alegação de que seus assessores e
assistentes agiam por conta própria e à revelia do chefe. O
ex-presidente Lula inaugurou o "eu não sabia" no Mensalão. Os dois
maiores esquemas de corrupção do país prosperaram por seus dois governos
e envolveram todo o staff do partido dele, o PT, e da equipe
presidencial. Mas, o próprio vivia alheio a tudo isso.
Na sequência, veio o governo da ex-presidente Dilma. Os
esquemas ganharam escala, personagens antigos continuaram dando as
cartas dentro do governo e novos foram incluídos abrindo mais frentes
para que o jogo da corrupção continuasse ativo. A presidente mais uma
vez não sabia de nada. Era uma ilha cercada de corruptos por todos os
lados. O mesmo discurso é apresentado agora a cada novo auxiliar do
presidente Michel Temer que cai na rede da Lava-Jato.
Tentar criar no subconsciente a ideia de que os fins
justificam os meios não funciona mais. Querer barganhar desvios com
avanços é buscar uma negociação voltada para padrões que deixaram de ser
tolerados. Os discursos de Lula, Dilma e Temer encontram pelo menos um
ponto de convergência. Os três parecem ter sido acometidos de um mal que
no meio jurídico se convencionou chamar de cegueira deliberada.
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