terça-feira, 23 de maio de 2017

Anticlímax
Grave, mesmo, na conversa é Joesley haver declarado que tinha juízes e um procurador no bolso, e o presidente ter se calado  
Carlos Andreazza - O Globo 
A última quinta, 18 de maio, já se inscreve como capítulo fundamental a quem quiser estudar a guerrilha narrativa em que se flagela o Brasil. Para início de análise, em mil dias, terá sido o primeiro em que não se falou de Lula. Implicado numa série de delações e tendo contra si um processo na reta final, o ex-presidente — soberano de um partido em cujos governos a JBS cresceu artificial e espantosamente — de súbito desapareceu de cena. Foi o grande vencedor daquela jornada.
Afinal, a quarta, que tinha começado com o BNDES petista contra a parede, sob a pesada denúncia de haver beneficiado o grupo empresarial dos Batista em bilhões, terminara com a informação de que Michel Temer estava mortalmente ferido pelo conteúdo de gravação — de ilegalidade anistiada pelo STF — feita por um deles, Joesley.
Não há registro de pedido de impeachment tão velozmente protocolado, na própria quarta, quanto o do deputado Molon, aguerrido linha auxiliar petista. Seria apenas o primeiro. Desnecessário escrever que ele e os demais o fizeram sem ter ouvido aquilo em que de fato consistia o áudio. Nem seria possível. Até o começo da noite de quinta, quando a gravação foi enfim tornada pública, só os membros do Ministério Público e o ministro Edson Fachin — de critérios mui fluidos para decidir quando consulta ou não o plenário do Supremo — poderiam ter escutado o material.
Nada disso importou, porém, para que o país — histérico — se enredasse no programa de aceleração do interesse petista. O presidente havia — era incontroverso — chancelado a compra do silêncio de Eduardo Cunha e tinha de cair. Já. Sem que se combinasse com Temer, ruminou-se um dia inteiro sobre sua sucessão, sobre de que modo se daria a eleição para seu substituto, como se incontornável fosse sua queda, ocasião em que o desejo — de que renunciasse, caminho mais célere — turvou a realidade.
E o presidente? Enquanto os delatores lucravam, e outros armavam o golpe da eleição direta, um ataque oportunista à Constituição, ele calculava. Antes de tudo, precisava ouvir o que concretamente existia contra si. Formulou, pois, a senha: nenhum passo seria responsável antes de que se pudesse escutar a gravação — entendimento que logo estendeu ao teor propriamente dito das delações dos empresários. E se apegou a esse código com método, para ganhar tempo — na esperança vital de manter ao menos o PSDB consigo. Funcionou. Com uma ou outra deserção, funcionou — pacto amarrado no pronunciamento, politicamente preciso, que fez.
Ali, falando aos seus, apostou em que, revelado, o conteúdo da gravação não o comprometeria fatalmente como alardeado, e cavou a sobrevida que lhe era possível, ainda que de apenas algumas horas. Pouco depois, Fachin levantou o sigilo sobre o áudio — um dia inteiro após o país haver sido paralisado em consequência de conversa jamais ouvida. E todos se voltaram para o que traria o “Jornal Nacional”. O estrago, claro, já estava feito, as reformas desmobilizadas, a corrosão política decorrente do vazamento seletivo era tóxica — chegava-se ao fim, e ao projetado clímax, de um dia em que o presidente da República deveria tombar por ter avalizado a compra da mudez de um preso.
Mas isso ocorreu? É possível fazer tal juízo a partir do áudio? A resposta é não; com esforço de interpretação: não obviamente. E a consequência foi o sentimento de anticlímax que se sucedeu — ao menos em quem se dedicou a esmiuçar o diálogo sem os filtros da paixão. Grave, mesmo, na conversa é Joesley haver declarado que tinha juízes e um procurador no bolso, e o presidente ter se calado. Mas até isso restaria abafado ante a expectativa frustrada de ouvi-lo subscrever a compra do silêncio de Cunha.
E então a quinta, que seria auspiciosa apenas para Lula, foi dormir com um Temer ressuscitado. Ainda, naquele momento, com maiores chances de sucumbir, mas a apostar em que, cedo ou tarde, a sociedade se perguntaria sobre quando o conjunto de crimes delatado ao Ministério Público pelos Batista dará o correto peso histórico a cada um dos que ajudaram a construir o império desses metacapitalistas ora imunes — por um acordo relâmpago e frouxo pouco esclarecido — para viver nababescamente fora do Brasil.
Ao partir para o contra-ataque, representado pelo taticamente perfeito discurso de sábado, o governo Temer saiu de desenganado e reanimado na quinta para chegar a esta semana de pé, tendo inacreditavelmente equilibrado a peleja e redistribuído a pressão. A ponto de que hoje quem precise dar explicações sejam Rodrigo Janot e Edson Fachin.
O governo Temer é inconfiável e o diálogo, indecoroso — mas algo estará errado se os que o antecederam não forem os protagonistas da colaboração premiadíssima dos campeões nacionais da JBS. Se não houver algo mais a surgir contra o presidente, e não é possível que não haja (inclusive para justificar esse escarcéu), ele não só não cairá como sairá da crise com a força que jamais teve.

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