Anticlímax
Grave, mesmo, na conversa é Joesley haver declarado que tinha juízes e um procurador no bolso, e o presidente ter se calado
Carlos Andreazza - O Globo
A última
quinta, 18 de maio, já se inscreve como capítulo fundamental a quem
quiser estudar a guerrilha narrativa em que se flagela o Brasil. Para
início de análise, em mil dias, terá sido o primeiro em que não se falou
de Lula. Implicado numa série de delações e tendo contra si um processo
na reta final, o ex-presidente — soberano de um partido em cujos
governos a JBS cresceu artificial e espantosamente — de súbito
desapareceu de cena. Foi o grande vencedor daquela jornada.
Afinal,
a quarta, que tinha começado com o BNDES petista contra a parede, sob a
pesada denúncia de haver beneficiado o grupo empresarial dos Batista em
bilhões, terminara com a informação de que Michel Temer estava
mortalmente ferido pelo conteúdo de gravação — de ilegalidade anistiada
pelo STF — feita por um deles, Joesley.
Não há registro de pedido
de impeachment tão velozmente protocolado, na própria quarta, quanto o
do deputado Molon, aguerrido linha auxiliar petista. Seria apenas o
primeiro. Desnecessário escrever que ele e os demais o fizeram sem ter
ouvido aquilo em que de fato consistia o áudio. Nem seria possível. Até o
começo da noite de quinta, quando a gravação foi enfim tornada pública,
só os membros do Ministério Público e o ministro Edson Fachin — de
critérios mui fluidos para decidir quando consulta ou não o plenário do
Supremo — poderiam ter escutado o material.
Nada disso importou,
porém, para que o país — histérico — se enredasse no programa de
aceleração do interesse petista. O presidente havia — era incontroverso —
chancelado a compra do silêncio de Eduardo Cunha e tinha de cair. Já.
Sem que se combinasse com Temer, ruminou-se um dia inteiro sobre sua
sucessão, sobre de que modo se daria a eleição para seu substituto, como
se incontornável fosse sua queda, ocasião em que o desejo — de que
renunciasse, caminho mais célere — turvou a realidade.
E o
presidente? Enquanto os delatores lucravam, e outros armavam o golpe da
eleição direta, um ataque oportunista à Constituição, ele calculava.
Antes de tudo, precisava ouvir o que concretamente existia contra si.
Formulou, pois, a senha: nenhum passo seria responsável antes de que se
pudesse escutar a gravação — entendimento que logo estendeu ao teor
propriamente dito das delações dos empresários. E se apegou a esse
código com método, para ganhar tempo — na esperança vital de manter ao
menos o PSDB consigo. Funcionou. Com uma ou outra deserção, funcionou —
pacto amarrado no pronunciamento, politicamente preciso, que fez.
Ali,
falando aos seus, apostou em que, revelado, o conteúdo da gravação não o
comprometeria fatalmente como alardeado, e cavou a sobrevida que lhe
era possível, ainda que de apenas algumas horas. Pouco depois, Fachin
levantou o sigilo sobre o áudio — um dia inteiro após o país haver sido
paralisado em consequência de conversa jamais ouvida. E todos se
voltaram para o que traria o “Jornal Nacional”. O estrago, claro, já
estava feito, as reformas desmobilizadas, a corrosão política decorrente
do vazamento seletivo era tóxica — chegava-se ao fim, e ao projetado
clímax, de um dia em que o presidente da República deveria tombar por
ter avalizado a compra da mudez de um preso.
Mas isso ocorreu? É
possível fazer tal juízo a partir do áudio? A resposta é não; com
esforço de interpretação: não obviamente. E a consequência foi o
sentimento de anticlímax que se sucedeu — ao menos em quem se dedicou a
esmiuçar o diálogo sem os filtros da paixão. Grave, mesmo, na conversa é
Joesley haver declarado que tinha juízes e um procurador no bolso, e o
presidente ter se calado. Mas até isso restaria abafado ante a
expectativa frustrada de ouvi-lo subscrever a compra do silêncio de
Cunha.
E então a quinta, que seria auspiciosa apenas para Lula,
foi dormir com um Temer ressuscitado. Ainda, naquele momento, com
maiores chances de sucumbir, mas a apostar em que, cedo ou tarde, a
sociedade se perguntaria sobre quando o conjunto de crimes delatado ao
Ministério Público pelos Batista dará o correto peso histórico a cada um
dos que ajudaram a construir o império desses metacapitalistas ora
imunes — por um acordo relâmpago e frouxo pouco esclarecido — para viver
nababescamente fora do Brasil.
Ao partir para o contra-ataque,
representado pelo taticamente perfeito discurso de sábado, o governo
Temer saiu de desenganado e reanimado na quinta para chegar a esta
semana de pé, tendo inacreditavelmente equilibrado a peleja e
redistribuído a pressão. A ponto de que hoje quem precise dar
explicações sejam Rodrigo Janot e Edson Fachin.
O governo Temer é
inconfiável e o diálogo, indecoroso — mas algo estará errado se os que o
antecederam não forem os protagonistas da colaboração premiadíssima dos
campeões nacionais da JBS. Se não houver algo mais a surgir contra o
presidente, e não é possível que não haja (inclusive para justificar
esse escarcéu), ele não só não cairá como sairá da crise com a força que
jamais teve.
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