terça-feira, 27 de junho de 2017

Qual a solução para o Brasil?
Tivessem o brasileiros carregado diariamente a sua própria responsabilidade de entender o que realmente estava acontecendo e cada um de nós compreendesse a importância nacional da ação individual, poderíamos estar em lugar menos lúgubre e confuso. 
Os grandes acontecimentos no Brasil, que têm deixado todos atordoados feito galinhas em tiroteio, tem causado um fenômeno que não se descola do imaginário brasileiro: a espera de uma solução imediata e perene, aquilo que Eric Voegelin chamava de “fé metastática”. Explicada pelo professor Olavo de Carvalho, é “a crença ou esperança numa repentina transfiguração da estrutura da realidade e na subseqüente emergência de uma ordem paradisíaca”.
Os escândalos envolvendo as alianças dos mega-capitalistas da JBS com o Governo, o áudio pérfido de Reinaldo Azevedo, os protestos violentos da esquerda em Brasília, o Distrito Federal e seus Ministérios em chamas, o depoimento de Lula ao juiz Sérgio Moro, a condenação de Paulo Maluf, as listas dos envolvidos nos esquemas de corrupção de proporções nacionais, a crise de governança do poder Executivo, o insaciável ativismo judicial do STF, a rinha entre Bolsonaro e Villa, o Aécio que ruma seu retorno ao pó, a violência impetrada contra Miriam Leitão, as feministas evangélicas clamando que São Paulo era “uma bicha louca”, o prefeito de São Paulo pregando o desarmamento, Rodrigo Janot vetando leis que proíbem a ideologia de gênero, os imigrantes que poderão ter chance de votar e se candidatar no Brasil através da PEC 25/2012, a ode à Che Guevara num livrinho infantil, o banco Itaú apoiando o aborto, as eleições correndo o risco de serem diretas e manipuladas, a não cassação da chapa Dilma-Temer e a condenação de Palocci… Não há uma constelação de eventos tão caótica desde os escândalos de não me lembro.
O brasileiro quando engolido pelos fatos aparentemente sem nexo ou, na cabeça de muitos, necessariamente causados por apenas um inimigo invisível e abstrato, “a corrupção”, tenta diariamente aplacar seu desespero interior, sem um constante e implacável esforço para compreender a unidade do conjunto dos fatos, depositando todas as suas esperanças em algum agente ou acontecimento não diretamente dependente dele que irá magicamente cumprir a tal fé metastática de que falava Voegelin. Uns apelam à intervenção militar sem avaliar cuidadosamente a factibilidade e efetividade de tal medida. Quem o faria, quais os poderes concedidos aos militares, como o fariam, por quanto tempo, quais os dispositivos  impeditivos eficazes caso queiram à revelia permanecer no poder? Teriam eles compreensão do conjunto de acontecimentos e das medidas necessárias para sanear suas causas? Não iríamos nós, por esta última via, fechar um abdome canceroso sem primeiro identificar a natureza do cancro e determinar precisamente a terapêutica? Não creio nesta medida desesperada. Não enquanto redijo este artigo.
A esperança em medidas desse tipo acaba caindo no velho trilema do bom-barato-rápido: Se é bom e barato, não dá para ser rápido. Se é rápido e bom, não haverá de sair barato. Se é rápido e barato, certamente não é bom.
Cinco minutos em qualquer rede social basta para verificar a miríade de pessoas que lançam o destino último nacional nos braços portentosos do próximo presidente: Bolsonaro ou Dória – talvez o togado Barbosa entre neste prestigiado rol de futuros heróis (queira Deus que não!). O velho Lula (talvez Ciro Gomes) não entra naquele grupo justamente porque faz parte de uma estratégia longa e bem delineada, por maiores contradições que carregue internamente. Quando participo de lives no Facebook ou Hangouts no YouTube vejo incontáveis comentários iguais: “Bolsonaro 2018”. O que isto expressa senão a fé metastática de que, caso seja eleito presidente, Bolsonaro, feito um tratoraço moral inesgotável, exterminará todas as agruras do presente devolvendo, instantaneamente, o Brasil e seus brasileiros aos braços de uma pátria paradisíaca restaurada sem os 70.000 homicídios por ano, sem o establishment no comando da esquerda, sem as maquininhas eleitorais milagreiras da Smartmatic, sem os ministros imprestáveis do TSE e STF, sem a militância organizada da esquerda, sem todos os sindicatos aparelhados, sem toda a mídia na mão dos progressistas, sem os professores e funcionários de carreira devotos da ideologia por Bolsonaro repudiada, sem os braços do Foro de São Paulo e, por fim, com expressiva maioria de congressistas no Senado e na Câmara que prontamente concederiam a ele a mais ampla e lisa governabilidade? “Bolsonaro 2018” carrega a fé metastática na transfiguração imediata até da alta cultura e da economia nacional.
Não escondo dos meus olhos o profundo impacto positivo que sua eleição poderá ter no Brasil. Não me nego a ver também o impacto que ele sozinho não poderá ter. É um jogo calculado daquilo que Ludwig von Mises chamou de “ação humana”. Entretanto, vez após vez me deparo com gente imbuída do “pensamento metonímico” do qual falou Olavo de Carvalho, o qual “concebe as propostas de ação tão somente por uma parte das suas qualidades autoproclamadas, sem sondar o sentido substantivo da ação planejada, e portanto, sem atinar com suas consequências inevitáveis”[1]. Isto resume a esperança “Bolsonaro 2018”.
No sentido mais claro que sou capaz aqui exprimir, não é através da fé metastática ou com o pensamento metonímico que “o problema” do Brasil chegará ao fim. Aposto que não chegará ao fim porque humanos são cheios de contradições e pecados; são estes mesmos humanos que compõe as famílias, que constroem os pequenos grupos locais e, então, por progressão geométrica, toda a nação. Para “resolver” o tal problema do Brasil será primeiro solucionar aquele do indivíduo, “a menor minoria na Terra”, como lembra Ayn Rand. Considerando somente a esfera individual, ou melhor, a sua própria esfera pessoal de ação humana, é possível enxergar verdadeiramente um dia sequer sem aquilo que você chama de “problemas”? Certamente que não. Oras bolas, por que então esperar que magicamente tudo se transfigurará se você mesmo não é capaz de fazê-lo?
Isso tudo, espero estar bem claro, não é uma declaração pública de um apocalipse bíblico nacional. Jamais depositaria tanta desesperança na minha nação porque eu mesmo não consigo perder as esperanças no meu próprio poder de ação. É por aí que devemos ver uma luz na janela das soluções. Não tão rápido, nem tão bom ou mesmo barato demais. Toda a ação da consciência humana individual, principalmente aquela moral, exige um esforço imenso e permanente de integração, “a busca da unidade para além e por cima do caos imediato”[2]. Desenvolver a própria consciência e, por assim dizer, melhorar-se é uma tarefa que passa pelo domínio do próprio corpo e vai até a estabilização da mais profunda e sincera experiência mística pessoal com Deus.
O problema do Brasil, diz-se, é o brasileiro. Eu, ao contrário, afirmo: se o problema do Brasil é o brasileiro, a sua solução também deve ser ele mesmo. A solução jaz na mesma fonte do problema. Lembro-me de um taxista que passou toda a viagem reclamando da corrupção no país e, ao fim da viagem, deu-me uma nota falsa. Simples assim, onde está o problema pode também nascer a solução. O caso do movimento que antecedeu o impeachment da então presidente Dilma Rousseff fixa o que aponto aqui. Em vez de o povo tomar para si, através de um líder das massas que representasse de fato os anseios do povo, a condução da nação expressando seu total repúdio e desapreço por toda classe política, não importando qual partido fosse, a responsabilidade foi delegada a desconhecidos líderes de movimentos populares que, por sua vez, cheios até a garganta de fé metastática e pensamento metonímico, devolveram à classe política uma atribuição que jamais – repito, jamais – deveria ter sido deles naquele momento. O problema nasceu na classe política e foi devolvido aos mesmos perpetradores da confusão que, a seu modo típico, deram ao problema a solução que os salvou, passando a impressão geral de haver salvado o país. Condenaram, por um demi-impeachment, apenas uma senhora. No princípio era o povo, e o povo estava com o poder; e o poder era o povo. Tivessem os brasileiros carregado diariamente a sua própria responsabilidade de entender o que realmente estava acontecendo e cada um de nós compreendesse a importância nacional da ação individual, poderíamos estar em lugar menos lúgubre e confuso.
Pequenos milagres nesse momento – atenção! – importam mais que aqueles monumentais, como a abertura do Mar Vermelho e o Milagre de Fátima. O mar foi aberto e os indivíduos cometeram idolatria na outra margem. Nossa Senhora apareceu há 100 anos aos pastorinhos em Portugal e a Rússia não foi ainda consagrada. Grandes milagres só ganham efeito substantivo quando acompanhados da livre ação humana na mesma direção, naquilo que chamo de pequenos milagres, de atitudes diárias aparentemente insignificantes que, na cadeia maior que constrói os grandes feitos, possuem uma importância sem precedentes. Caso São Bernardo não tivesse ousada e silenciosamente convocado, um a um, cada membro da sua família a entrar consigo para a Ordem de Cister, Jerusalém não teria sido salva e a Igreja teria se perdido na confusão do século XII. Se Abraão sozinho não tivesse levantado aquela machadinha contra todas as suas esperanças, o cone da cultura judaico-cristã jamais teria sido aberto. Não fosse um simples e confuso sonho de Inocêncio III, a ordem iniciada por São Francisco teria terminado na ânsia de um poeta apaixonado. Se Olavo de Carvalho, por puro capricho afetado, não tivesse aberto o livro de Ortega y Gasset ou tido sua consciência moral lanceada por aquele evento moralmente podre que o fez repensar seu comunismo, a alta cultura brasileira poderia não ter tido este incipiente renascer que vemos hoje. Tivesse Christian Küster I deixado de deitar-se aquela noite com Maria 350 anos atrás, sequer eu estaria aqui – não que me julgue grande coisa.
Não é nada mais que esse profundo senso de proporção das consequências impremeditadas da ação humana que quero imprimir em você, leitor. Não creia você que Davi, por uma intervenção divina descompassada, subitamente aprendeu a usar a funda com precisão: não fossem os anos de prática matando urso após urso e animal selvagem após animal selvagem com pedras e uma funda, o gigante não teria sido abatido. De nada adianta gritar que “o gigante acordou” se o inimigo há décadas carrega uma funda e uma pedra, sabendo ainda como e aonde atirá-la.

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