Cidade alemã elege representante de partido nazista para Conselho Municipal
Alison Smale - NYTEle é conhecido aqui como SS-Siggi, e com seu corpo grandalhão e tatuagens "Germania", certamente faz jus ao apelido.
Por 30 anos, durante os quais teve vários problemas com a lei,
Siegfried Borchardt --conhecido como SS-Siggi e ligeiramente parecido
com Hulk Hogan-- esteve envolvido com a extrema-direita dessa cidade
desolada de 600 mil habitantes, trabalhando em sua facção política. Este
mês, para o horror do establishment político e de muitos moradores, ele
assumiu seu lugar no Conselho Municipal de 94 membros.
Sua ascensão contradiz a imagem que a Alemanha faz de si mesma de um país alérgico ao nacionalismo e ao populismo que estão ganhando terreno em outras partes da Europa. Esta Alemanha --na Baviera, no sudoeste, em torno de Frankfurt-- é o motor econômico da Europa, com baixo desemprego, exportações em expansão e lojas brilhantes transbordando prosperidade.
Dortmund é outra Alemanha: um antigo centro de carvão e aço, deteriorado, no coração da região industrial de Ruhr, com a zona norte desorganizada, poucos empregos, criminalidade maior que a média em alguns bairros, um grande centro para registrar quem busca asilo e um local onde quase um em cada três habitantes tem origem estrangeira.
A eleição de Borchardt em maio tanto chocou quanto dividiu os moradores e ajudou a revelar uma série de tensões --não só entre os alemães nativos e os imigrantes mais recentes, mas também entre os muitos grupos de imigrantes da cidade-- que surgiram a partir das profundas mudanças demográficas pelas quais a cidade passou.
Quando Borchardt e cerca de duas dúzias de neonazistas tentaram entrar em uma festa pós-eleitoral em maio, causaram uma briga nas escadarias da prefeitura. "Estrangeiros, fora!", gritava um grupo; "Nazistas, fora!", berrava o outro.
Entre uma nuvem de spray de pimenta, dez pessoas ficaram feridas, inclusive Christian Gebel, 38, designer gráfico e membro do Conselho Municipal pelo Partido Pirata, que ainda tem uma cicatriz pequena sobre a sobrancelha direita, onde foi atingido por uma garrafa de cerveja arremessada.
Quando Borchardt assumiu seu lugar no Conselho Municipal na semana passada, acompanhado até a prefeitura por 15 de seus amigos, a polícia não quis arriscar. Havia "mais policiais do que políticos", concluiu o jornal local "Ruhr Nachrichten" em seu blog ao vivo enquanto Borchardt e seu grupo era recebido por 200 manifestantes anti-nazistas que se reuniram para vaiá-lo.
Desde que Borchardt participava da torcida Borussenfront, do time de futebol local Borussia Dotrmund, nos anos 80, Dortmund já tinha uma reputação de ser um centro de referência para cerca de 9.600 pessoas atualmente consideradas pela agência de inteligência doméstica da Alemanha como extremistas de direita ativos.
Um relatório anual apresentado na semana passada pelo ministro de Interior, Thomas de Maizière, alertou especialmente sobre o aumento da atividade de direita, especialmente o assédio a estrangeiros e pessoas que buscam asilo.
"Eles estão constantemente tentando envenenar a atmosfera", disse Maizière sobre os extremistas.
Alguns partidos neonazistas foram banidos na Alemanha, mas outros conseguiram sobreviver tomando cuidado para não ultrapassar as fronteiras da lei. O Partido Nacional Democrático da Alemanha, NPD, neonazista, conseguiu uma cadeira nas eleições parlamentares europeias recentes, e os neonazistas estão representados nos Parlamentos de dois dos 16 Estados da Alemanha.
Em Dortmund, a quantidade de votos para a extrema-direita não mudou este ano em relação à última eleição em 2009, cerca de 4.000. Mas ela teve mais peso porque o comparecimento geral às urnas diminuiu. O voto de extrema-direita ficou dividido entre o NPD (que também tem um integrante no Conselho Municipal) e Borchardt e seu partido, Die Rechte.
Borchardt concorreu a uma cadeira defendendo a plataforma anti-imigração de uma "Alemanha para os alemães" da extrema-direita, que tende a não fazer campanha de forma muito ativa, em parte para não ultrapassar os limites da lei e correr o risco de ser banida. Da mesma forma, os eleitores de direita tendem a guardar suas preferências para si mesmos.
Ilsegret Bonke, 82, uma viúva que viveu 52 anos de sua vida na dilapidada rua Schelswiger, no norte da cidade, é uma das poucas moradoras alemãs nativas remanescentes.
Em uma tarde recente, ela assistiu com satisfação a um policial que levou embora um adolescente cigano que, segundo ela, havia arrancado sua peruca na rua havia três dias.
"Eu o reconheci e liguei para a polícia", disse ela. Denunciar os delitos dos ciganos "me mantém jovem", acrescentou ela com um sorriso.
Cetin Satelmis, 56, passou 35 anos em Dortmund trabalhando em fábricas têxteis e outras antes de comprar uma casa de esquina na mesma rua, onde ele tem um quiosque no piso térreo. Ele se orgulha do progresso que fez desde que imigrou da região central da Anatólia, na Turquia. Hoje ele é um cidadão alemão, dono de um imóvel e dirige um Mercedes preto brilhante.
Mas ele anunciou com raiva que entregaria o imóvel para seu filho e deixaria a cidade para sempre. "Onde estou?", perguntou ele, enquanto dezenas de ciganos, crianças, adolescentes e jovens mães brincavam e gritavam a alguns metros dali. "Na Alemanha ou na terra dos ciganos?" (Vários dos ciganos haviam comprado doces ou cigarros no quiosque dele alguns minutos antes.)
Um e-mail pedindo comentários ou uma entrevista com Borchardt ou um de seus aliados para discutir suas políticas ficou sem resposta, e tentativas de contatá-lo por telefone também não tiveram sucesso.
Ele não revelou muito para os repórteres na prefeitura além de afirmar que, para ele, o pensamento nazista não é automaticamente repulsivo. Sua volubilidade com frequência varia "com a hora do dia e o nível de álcool em seu sangue", disse Alex Völkel, jornalista e blogueiro local.
Völkel e outros ativistas cívicos enfatizaram que Borchardt precisava apenas de 1% de um comparecimento fraco às urnas nas eleições locais para conseguir sua vaga, ou cerca de 2.100 votos.
As pessoas em Dortmund, insistiram eles, estão muito mais engajadas em projetos anti-nazistas; recentemente houve uma viagem de 45 adolescentes até Auschwitz com uma mulher cigana que vive em Berlim e cujo pai sobreviveu ao campo da morte. No ano que vem, a berlinense e sua irmã, uma cantora bastante conhecida, estão planejando um evento em um memorial de uma só lápide em Dortmund, que relembra a deportação de ciganos e sintis daquele local pelos nazistas em 1943.
Como muitos desses memoriais na Alemanha, a lápide oferece um conselho ao visitante. Esta, colocada em 1998 em um canto um tanto quanto abandonado do lado norte de Dortmund, diz que o destino dos deportados e assassinados deve servir como "um lembrete para intervir a tempo contra a falta de humanidade".
Tradutor: Eloise De Vylder
Sua ascensão contradiz a imagem que a Alemanha faz de si mesma de um país alérgico ao nacionalismo e ao populismo que estão ganhando terreno em outras partes da Europa. Esta Alemanha --na Baviera, no sudoeste, em torno de Frankfurt-- é o motor econômico da Europa, com baixo desemprego, exportações em expansão e lojas brilhantes transbordando prosperidade.
Dortmund é outra Alemanha: um antigo centro de carvão e aço, deteriorado, no coração da região industrial de Ruhr, com a zona norte desorganizada, poucos empregos, criminalidade maior que a média em alguns bairros, um grande centro para registrar quem busca asilo e um local onde quase um em cada três habitantes tem origem estrangeira.
A eleição de Borchardt em maio tanto chocou quanto dividiu os moradores e ajudou a revelar uma série de tensões --não só entre os alemães nativos e os imigrantes mais recentes, mas também entre os muitos grupos de imigrantes da cidade-- que surgiram a partir das profundas mudanças demográficas pelas quais a cidade passou.
Quando Borchardt e cerca de duas dúzias de neonazistas tentaram entrar em uma festa pós-eleitoral em maio, causaram uma briga nas escadarias da prefeitura. "Estrangeiros, fora!", gritava um grupo; "Nazistas, fora!", berrava o outro.
Entre uma nuvem de spray de pimenta, dez pessoas ficaram feridas, inclusive Christian Gebel, 38, designer gráfico e membro do Conselho Municipal pelo Partido Pirata, que ainda tem uma cicatriz pequena sobre a sobrancelha direita, onde foi atingido por uma garrafa de cerveja arremessada.
Quando Borchardt assumiu seu lugar no Conselho Municipal na semana passada, acompanhado até a prefeitura por 15 de seus amigos, a polícia não quis arriscar. Havia "mais policiais do que políticos", concluiu o jornal local "Ruhr Nachrichten" em seu blog ao vivo enquanto Borchardt e seu grupo era recebido por 200 manifestantes anti-nazistas que se reuniram para vaiá-lo.
Desde que Borchardt participava da torcida Borussenfront, do time de futebol local Borussia Dotrmund, nos anos 80, Dortmund já tinha uma reputação de ser um centro de referência para cerca de 9.600 pessoas atualmente consideradas pela agência de inteligência doméstica da Alemanha como extremistas de direita ativos.
Um relatório anual apresentado na semana passada pelo ministro de Interior, Thomas de Maizière, alertou especialmente sobre o aumento da atividade de direita, especialmente o assédio a estrangeiros e pessoas que buscam asilo.
"Eles estão constantemente tentando envenenar a atmosfera", disse Maizière sobre os extremistas.
Alguns partidos neonazistas foram banidos na Alemanha, mas outros conseguiram sobreviver tomando cuidado para não ultrapassar as fronteiras da lei. O Partido Nacional Democrático da Alemanha, NPD, neonazista, conseguiu uma cadeira nas eleições parlamentares europeias recentes, e os neonazistas estão representados nos Parlamentos de dois dos 16 Estados da Alemanha.
Em Dortmund, a quantidade de votos para a extrema-direita não mudou este ano em relação à última eleição em 2009, cerca de 4.000. Mas ela teve mais peso porque o comparecimento geral às urnas diminuiu. O voto de extrema-direita ficou dividido entre o NPD (que também tem um integrante no Conselho Municipal) e Borchardt e seu partido, Die Rechte.
Borchardt concorreu a uma cadeira defendendo a plataforma anti-imigração de uma "Alemanha para os alemães" da extrema-direita, que tende a não fazer campanha de forma muito ativa, em parte para não ultrapassar os limites da lei e correr o risco de ser banida. Da mesma forma, os eleitores de direita tendem a guardar suas preferências para si mesmos.
Ilsegret Bonke, 82, uma viúva que viveu 52 anos de sua vida na dilapidada rua Schelswiger, no norte da cidade, é uma das poucas moradoras alemãs nativas remanescentes.
Em uma tarde recente, ela assistiu com satisfação a um policial que levou embora um adolescente cigano que, segundo ela, havia arrancado sua peruca na rua havia três dias.
"Eu o reconheci e liguei para a polícia", disse ela. Denunciar os delitos dos ciganos "me mantém jovem", acrescentou ela com um sorriso.
Cetin Satelmis, 56, passou 35 anos em Dortmund trabalhando em fábricas têxteis e outras antes de comprar uma casa de esquina na mesma rua, onde ele tem um quiosque no piso térreo. Ele se orgulha do progresso que fez desde que imigrou da região central da Anatólia, na Turquia. Hoje ele é um cidadão alemão, dono de um imóvel e dirige um Mercedes preto brilhante.
Mas ele anunciou com raiva que entregaria o imóvel para seu filho e deixaria a cidade para sempre. "Onde estou?", perguntou ele, enquanto dezenas de ciganos, crianças, adolescentes e jovens mães brincavam e gritavam a alguns metros dali. "Na Alemanha ou na terra dos ciganos?" (Vários dos ciganos haviam comprado doces ou cigarros no quiosque dele alguns minutos antes.)
Um e-mail pedindo comentários ou uma entrevista com Borchardt ou um de seus aliados para discutir suas políticas ficou sem resposta, e tentativas de contatá-lo por telefone também não tiveram sucesso.
Ele não revelou muito para os repórteres na prefeitura além de afirmar que, para ele, o pensamento nazista não é automaticamente repulsivo. Sua volubilidade com frequência varia "com a hora do dia e o nível de álcool em seu sangue", disse Alex Völkel, jornalista e blogueiro local.
Völkel e outros ativistas cívicos enfatizaram que Borchardt precisava apenas de 1% de um comparecimento fraco às urnas nas eleições locais para conseguir sua vaga, ou cerca de 2.100 votos.
As pessoas em Dortmund, insistiram eles, estão muito mais engajadas em projetos anti-nazistas; recentemente houve uma viagem de 45 adolescentes até Auschwitz com uma mulher cigana que vive em Berlim e cujo pai sobreviveu ao campo da morte. No ano que vem, a berlinense e sua irmã, uma cantora bastante conhecida, estão planejando um evento em um memorial de uma só lápide em Dortmund, que relembra a deportação de ciganos e sintis daquele local pelos nazistas em 1943.
Como muitos desses memoriais na Alemanha, a lápide oferece um conselho ao visitante. Esta, colocada em 1998 em um canto um tanto quanto abandonado do lado norte de Dortmund, diz que o destino dos deportados e assassinados deve servir como "um lembrete para intervir a tempo contra a falta de humanidade".
Tradutor: Eloise De Vylder
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