Com discurso atraente, Renzi quer reformar a "velha tia chata"
Claudi Pérez - El País
Remo Casilli/Reuters
Primeiro-ministro da Itália declarou-se capaz não só de reformar a Itália, mas de fazer o mesmo com a Europa
Claudi Pérez - El País
Remo Casilli/Reuters
Primeiro-ministro da Itália declarou-se capaz não só de reformar a Itália, mas de fazer o mesmo com a Europa
A tarefa da política consiste em resolver, e não só em relatar; e em
todo caso em pôr a vela onde sopra o vento, e não em pretender que o
vento sopre onde se coloca a vela. A Itália e seu contínuo espetáculo
político sempre tiveram relatores notáveis: de Lampedusa e Maquiavel até
(salvando as galácticas distâncias) os líderes dos últimos anos.
Os Berlusconi, Monti e companhia chegaram ao poder com promessas
descomunais embaixo do braço, mas nunca resolveram: nada fizeram para
tirar a Itália desse triângulo vicioso do crescimento zero, níveis de
dívida insustentáveis e as desvantagens da camisa de força na qual está
se transformando uma união monetária assimétrica, com resultados
discutíveis na gestão da crise, com um "pacto de estabilidade" ao qual
sempre falhou o sobrenome "de crescimento". No máximo mostraram um
enorme talento para se colocar de perfil e jurar e perjurar que fariam
reformas - que nunca chegaram - para que a tempestade da crise do euro
caísse só sobre a Espanha, menos hábil em vender azeite, presunto ou
promessas políticas.Renzi demonstrou esta semana que pertence à estirpe dos excelentes narradores. Possui um discurso atraente, fresco, distante dos tons lúgubres do europessimismo imperante, e conseguiu encarnar as ânsias de regeneração em seu país. Imperativo, pequeno-burguês, católico e bom conhecedor do poder econômico, em Estrasburgo esteve à altura das ambições que lhe atribuem: declarou-se capaz não só de reformar a Itália, mas de fazer o mesmo com a Europa, a qual descreve com sua eficaz linguagem irreverente como "essa velha tia chata".
Não é fácil passar das musas ao teatro. Renzi chegou ao poder em fevereiro com uma facada política digna das tragédias de Shakespeare e não demorou a anunciar que faria quatro reformas, uma por mês: lei eleitoral, mercado de trabalho, burocracia e sistema fiscal. Mas passaram quatro meses e apenas estreou sua escrivaninha. Gerhard Schröder, campeão alemão das reformas antes de ir ganhar milhões na Gazprom, costumava dizer que é muito mais fácil aprovar medidas ambiciosas do que ativá-las com êxito: Renzi nem sequer deu o primeiro desses dois passos.
As reformas em casa são inadiáveis para um país bloqueado, com uma dívida que pesa como uma lápide e com dúvidas sobre sua banca, que poderia sair abalada do próximo exame do Banco Central Europeu.
Para evitá-lo, os italianos vão manobrar com a fineza que os caracteriza: afinal, têm figuras chaves nas instituições, que varrem para casa à menor ocasião ("prudência, a Rússia é o maior mercado de exportação de móveis italianos", disse o ex-comissário Antonio Tajani em plena escalada na Ucrânia). Renzi tem planos para a Europa. Sabe que suas reformas na Itália não bastam e que há um lapso de tempo entre sua aprovação e os primeiros resultados, nos quais o capital político costuma se esvair a toda velocidade.
Para evitar esse estrangulamento, precisa que a Comissão faça com a Itália o contrário do que fez no início, no momento mais duro da crise, com todos os demais: Bruxelas deve aplicar as regras fiscais com suavidade. O eleitorado deixou claro em 25 de maio que não vai tolerar uma terceira recessão; agora só falta que Renzi faça o que ninguém pôde fazer e convença disso o nome no qual desembocam todas as análises sobre a Europa: o de Merkel, dona da vela e do vento e de tudo o mais.
Renzi tem de correr com dois pesos sobre os ombros: ser a enésima grande esperança da esquerda (embora mais social-cristão que social-democrata) e usar seu talento como relações-públicas para convencer Merkel de que a Europa precisa imperiosamente de um pacote de investimento para evitar que os velhos fantasmas (os Le Pen e companhia) acabem de sair do armário. Não há crescimento sem investimento: a legislatura depende de que um florentino viciado no Twitter convença "frau Nein" de que é preciso colocar aí a vela para resolver a crise de uma vez por todas.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
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