- MSM
Enquanto
a sociedade americana fervilhava de anticomunismo, a política oficial,
de Roosevelt em diante, e com a exceção notável da gestão Ronald Reagan,
foi sistematicamente a do colaboracionismo nem sempre bem disfarçado.
Aceita
ainda no Brasil como dogma inquestionável, a visão popular da Guerra
Fria como uma luta sorrateira e implacável entre duas potências que se
odiavam pode hoje ser atirada à lata de lixo como um estereótipo
enganoso, história da carochinha inventada para dar aos cérebros
preguiçosos a ilusão de que entendiam o que se passava.
Nos últimos decênios, tantos foram os fatos trazidos à luz pela
decifração dos códigos Venona (comunicações em código entre a embaixada
da URSS em Washington e o governo de Moscou) e pela pletora de
documentos desencavados dos arquivos soviéticos, que praticamente nada
da opinião chique dominante na época permanece de pé.
Na
verdade, a ocupação principal do governo e da mídia soviéticos naquele
período foi mentir contra os EUA, enquanto seus equivalentes americanos
se dedicavam, com igual empenho, a mentir a favor da URSS. Não só
mentir: acobertar seus crimes, proteger seus agentes, favorecer seus
interesses acima dos de nações amigas e, não raro, da própria nação
americana.
Em
lugar do equilíbrio de forças que, secundado ou não por um obsceno
equivalentismo moral, ainda aparece na mídia vulgar e nas Wikipédias da
vida como retrato histórico fiel, o que se vê hoje é que o conflito
EUA-URSS foi aquilo que mais tarde se chamaria “guerra assimétrica”, em
que um lado combate o outro e o outro combate a si mesmo.
Não
que não houvesse, da parte americana, um decidido e vigoroso
anticomunismo, disposto a tudo para deter o avanço soviético na Europa,
na Ásia, na África e na América Latina. Tantas foram as personalidades
que se destacaram nesse combate – jornalistas, escritores, artistas,
políticos, militares, agentes dos serviços de inteligência --, e tão
gigantescos foram os seus esforços, que daí deriva o que possa haver de
legítimo na visão dos EUA como o inimigo por excelência do movimento
comunista. Basta citar os nomes de George S. Patton, Douglas MacArthur,
Robert Taft, Whittaker Chambers, Joseph McCarthy, Eugene Lyons, Sidney
Hook, Fulton Sheen, Edgar J. Hoover, James Jesus Angleton, Robert
Conquest, Barry Goldwater, para entender por que o anticomunismo se
projetou como uma imagem típica da América, não só no exterior como
perante os próprios americanos.
Porém,
examinado caso por caso, o que se verifica é que em cada um deles a
força inspiradora foi a iniciativa pessoal e não uma política de
governo; e que, praticamente sem exceção, todos os que se destacaram
nessa luta foram boicotados, manietados pelas autoridades de Washington
(mesmo quando eles próprios faziam parte do governo) e achincalhados
pela mídia, pelo sistema de ensino e pelo show business, em vida
ou pelo menos postumamente. Não raro, sabotados e perseguidos pelos seus
próprios pares republicanos e conservadores, temerosos de parecer mais
anticomunistas do que o anti-anticomunismo vigente no mundo chique
permitia.
Em
suma: enquanto a sociedade americana fervilhava de anticomunismo, a
política oficial, de Roosevelt em diante, e com a exceção notável da
gestão Ronald Reagan, foi sistematicamente a do colaboracionismo nem
sempre bem disfarçado.
O
que explica isso é que os agentes soviéticos infiltrados no governo e
na grande mídia não eram cinqüenta e poucos, como pensava o infeliz Joe
McCarthy, o qual pagou por esse cálculo modestíssimo o preço de
tornar-se o senador americano mais odiado de todos os tempos. Eram –
sabe-se hoje – mais de mil, muitos deles colocados em postos elevados da
hierarquia, onde às vezes fizeram muito mais do que “influenciar”:
chegaram a determinar o curso da política externa americana, sempre, é
claro, num sentido favorável à URSS. O exemplo mais clássico foi a
deterioração das relações entre EUA e Japão, que culminou no ataque a
Pearl Harbor – um plano engenhosíssimo concebido em Moscou para livrar a
URSS do perigo de uma guerra em duas frentes, jogando contra os
americanos a fúria nipônica mediante um jogo bem articulado entre a
“Orquestra Vermelha” de Richard Sorge em Tóquio e o conselheiro
presidencial Harry Hopkins em Washington.
Mas
os capítulos da saga colaboracionista se acumulam numa profusão
alucinante até a gestão Clinton, quando o estímulo governamental a
investimentos maciços na China fez de um país falido uma potência
inimiga ameaçadora.
Não
creio que essa história – talvez a mais bem documentada do séc. XX --
tenha sido jamais contada no Brasil. Mesmo nos EUA ela circula apenas
entre intelectuais e historiadores de ofício, enquanto o povão ainda
segue a lenda oficial. É uma história demasiado vasta e complexa para
que eu pretenda resumi-la aqui. O que posso fazer é sugerir alguns
livros que darão ao leitor uma visão do estado das pesquisas hoje em
dia:
Diana West, American Betrayal. The Secret Assault on Our Nation’s Character (St. Martin’s, 2013).
Herbert Rommerstein and Eric Breindel, The Venona Secrets. Exposing Soviet Espionage and America’s Traitors (Regnery, 2000).
John Earl Haynes and Harvey Klehr, Venona. Decoding Soviet Espionage in America (Yale University Press, 1999).
Allen Weinstein and Alexander Vassiliev, The Haunted Wood. Soviet Espionage in America. The Stalin Era (Random House, 1999).
Paul Kengor, Dupes. How America’s Adversaries Have Manipulated Progressives for a Century (ISI Books, 2010).
Arthur Hermann, Joseph McCarthy. Reexamining the Life and Legacy of America’s Most Hated Senator (Free Press, 2000).
M. Stanton Evans, Blacklisted by History. The Untold Story of Senator Joe McCarthy (Crown Forum, 2007).
Robert K. Willcox, Target: Patton. The Plot to Assassinate General George S. Patton (Regnery, 2008).
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