terça-feira, 29 de julho de 2014

O fiasco dos incentivos
O Estado de S.Paulo
O fracasso da política industrial foi provado e comprovado pela estagnação econômica dos últimos quatro anos, pelo péssimo desempenho da indústria e pelo déficit comercial do setor de manufaturados. Mais uma prova contundente acaba de surgir com um estudo sobre o efeito do incentivo fiscal - redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) - ao setor automobilístico. Entre 2010 e 2013, esse benefício resultou em acréscimo de apenas 0,02% ao ano ao Produto Interno Bruto (PIB) e de 0,04% ao emprego, segundo análise dos professores Alexandre Porsse e Felipe Madruga, da Universidade Federal do Paraná. Apesar disso, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, decidiu prorrogar mais uma vez o benefício. Sua extinção estava prevista para o começo de julho, mas a redução valerá até o fim do ano.
Com a decisão, o governo mais uma vez cedeu às pressões da indústria. Mas o ministro e a presidente Dilma Rousseff podem ter levado em consideração outros motivos. A economia foi muito mal no primeiro semestre e no mês passado as perspectivas continuavam ruins - um detalhe especialmente incômodo em tempo de eleições. Sem ideias melhores para impulsionar a atividade, mais uma dose da política seguida nos últimos anos poderia parecer uma saída razoável.
Nem por isso as projeções econômicas deixaram de piorar. A mediana das projeções para o crescimento do PIB chegou a 0,97% no dia 18 e a 0,9% uma semana depois, segundo a pesquisa semanal do Banco Central (BC) com instituições financeiras e consultorias. Na semana passada, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) cortou de 1,8% para 1% a estimativa de expansão do PIB.
A previsão para a indústria passou de um crescimento de 1,7%, estimado em março, para uma contração de 0,5%. Para o segmento de transformação, o encolhimento agora esperado chegou a 1%. Para a construção civil, a variação negativa deve ser de 1,7%. Para dois segmentos ainda há projeções positivas: 2% para os serviços industriais de utilidade pública e 1,5% para a indústria extrativa.
O baixo investimento continuará limitando o potencial de expansão econômica neste ano e ainda por algum tempo. O total investido em máquinas, equipamentos, construções privadas e infraestrutura caiu 4% em 2012, aumentou 5,2% em 2013 e deve cair 2% neste ano, segundo a estimativa da CNI. A projeção formulada em março indicava um aumento de 2,5%. Ainda assim, a proporção da renda aplicada em investimentos produtivos continuaria muito baixa para as necessidades brasileiras e muito inferior aos padrões internacionais.
Estímulos como a redução do IPI para automóveis e algumas outras classes de produtos favorecem principalmente o consumo e pouco afetam o investimento. Isso foi comprovado amplamente nos últimos anos. Ações desse tipo foram iniciadas como políticas anticíclicas. Podem ter contribuído, em 2009, para o Brasil sair da recessão. Mas seu alcance era previsivelmente limitado.
O governo parece ter sido incapaz de perceber essa obviedade - e até mesmo de notar a mudança de situação. Ministros e altos funcionários ainda falam de medidas anticíclicas, como se o cenário fosse o mesmo de cinco ou seis anos atrás. Parece incrível, mas a presidente e sua equipe vão completar quatro anos de governo com uma política desenhada para os problemas conjunturais de 2008-2009. Já na posse, em janeiro de 2011, o quadro global e nacional era outro, mas os formuladores da política menosprezaram esse detalhe.
O estudo sobre a redução do IPI dos automóveis comprova a ineficácia de uma política industrial voltada para uma indústria ou para alguns segmentos. Testar os efeitos dessa política - conhecida como vertical - foi um dos objetivos da análise realizada pelos dois pesquisadores. Políticas verticais, também praticadas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, tendem a ser um desperdício de recursos, podem ter efeitos concentradores e entravam a modernização, se forem acompanhadas de protecionismo. Mas o governo parece ainda longe dessa conclusão.

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