Dilma parece acreditar que vai enfrentar a tempestade com marketing. Vai se molhar
Fernando Gabeira - O Globo
Dois dias
depois do Juízo Final, fui nadar como de costume. Um grupo de torcedores
do Flamengo desceu do ônibus e bloqueou o passeio. Eram do Espírito
Santo, vieram num ônibus especial. Um deles me olhou com raiva e disse
que eu tinha cara de vascaíno. Ele vestia uma camisa vermelha e preta
com o símbolo da Alemanha. Um alemão me aporrinhando, pensei, e deixei
para cuidar disso, como faço com toda irritação matinal, depois dos 400
metros na água.
A ideia da divisão emergiu na minha
cabeça. Estamos divididos. O olhar que me lançou era um olhar de desdém
ao vascaíno. O outro dele era o vascaíno com uma série de defeitos que
se atribui a ele. Eu mesmo, ao pensar num alemão, no sentido em que se
usa nos morros do Rio, fortalecia a ideia de divisão, entre mim e o
outro, nós e eles. Passamos por uma campanha eleitoral pesada. O outro
do petista era o tucano e vice-versa. Todos falamos em superar a
divisão, depois de outubro, e achar saídas para os grandes problemas
nacionais.
Entre o lugar onde estamos agora e a ilha
onde nos reconciliaremos há um oceano de petróleo, na verdade um
petrolão, o maior escândalo de nossa História.
Dilma
afirmou na Austrália que seu governo foi o primeiro a combater a
corrupção. Jogou o Lula na fogueira, tentando, como um canguru, driblar a
tempestade que a ameaça.
Dilma não quis investigar. O que apareceu no escândalo surgiu de um trabalho autônomo da polícia e da Justiça.
Nesse
período, Dilma brincou de esconde-esconde. Orientou sua base a boicotar
a CPI. Abriu-se um inquérito na Petrobras para apurar denúncias de
suborno na compra de plataformas, e constatou-se que nada houve de
errado. Inocentes. Na Holanda, a empresa SBM confessou ao governo de seu
país que pagou US$ 139 milhões a diretores da Petrobras.
Milhões
pra cá, milhões pra lá, um diretor indicado pelo partido na cadeia, o
tesoureiro do partido denunciado na delação premiada, a cunhada do
tesoureiro levada à PF, tudo isso acontecendo, Dilma e o PT fazem cara
de paisagem, como se não fosse com eles.
Nos
depoimentos até agora, mais de R$ 200 milhões foram entregues ao homem
do PT na Petrobras. O homem é amigo do tesoureiro. Talvez Dilma acredite
que esse dinheiro todo foi doado à Africa para combater o surto do
ebola. Mas a lógica indica que tenha sido usado nas campanhas políticas.
Campanhas caras, de líderes e postes, estes mais caros ainda, porque
demandam profissionais para redesenhá-los da cabeça aos pés, passando,
naturalmente, pelo cérebro.
Estamos entrando numa
tempestade, e a única forma de atravessá-la é admitir as evidências e
aceitar que o bloco no poder assaltou a Petrobras.
Isto
vale também para as empresas. Os advogados vão orientá-las a negar,
embora já existam tantos depoimentos incisivos. No exterior, o conselho
óbvio seria admitir o erro, pagar por ele, reformular sua estratégia. A
visão macunaímica de que não importam os fatos, mas sim as versões,
certamente será superada pelo realismo.
O bloco no
poder pensou que isso poderia ser apenas do tamanho do mensalão. Ignorou
que estava assaltando uma empresa com vínculos internacionais.
Investigam na Holanda, nos Estados Unidos: o cerco está fechado. Dilma e
o PT não perceberam que estão no fim da linha. E acabaram de ganhar as
eleições. Será preciso muita humildade para sobreviver.
E
isso não é o forte de quem quer dobrar a aritmética nas contas
públicas, esconde o salto de 122% no desmatamento da Amazônia, põe para
baixo do tapete números da redução da miséria.
Tudo
por um modelo que preserva o emprego, dizia Dilma. Enquanto isso, 30.283
pessoas perderam seus postos de trabalho no mês em que ela se reelegeu.
E como não bastasse o domínio dos números, querem o domínio das mentes:
o ministro da Justiça diz à oposição como ela deve se comportar diante
do escândalo. Todo um complexo político-empresarial que atrasa o Brasil
foi por terra no dia do Juízo Final. Nem precisava de um impulso tão
grande: estava podre.
Quando Dilma se distanciou,
olimpicamente, do escândalo da Petrobras, lembrei-me do primeiro artigo
que escrevi sobre o tema: “Passa passa Pasadena, quero ver passar”. Era o
seu título. E veio o petrolão como uma onda gigantesca.
Dilma
aprovou a compra de Pasadena “sem ter os dados”. Isso cola no Brasil.
Nos Estados Unidos, onde a negociata está sendo investigada, a
responsabilidade alcança também os dirigentes. Ao se distanciar do
escândalo da Petrobras, Dilma parece acreditar que nasceu de novo nas
eleições e vai enfrentar a tempestade com guarda-chuva e galochas do
marketing.
Vai se molhar. Há uma crise econômica pela
frente. Investidores estrangeiros observam cautelosos. Precisamos
deles, inclusive no pré-sal. Não dá para enganar mais e erguer o punho
cerrado entrando na cadeia. Já era patética a performance de José Dirceu
no mensalão. No petrolão, seria um gesto, num certo sentido,
libertador: sair dali para uma clínica psiquiátrica.
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