Mestre-sala do mar
DORA KRAMER - OESP
Faz mais de 20 anos que Carlos Castello
Branco nos deixou, no dia 20 de maio de 1993. Lá se vão duas gerações
que não tiveram a chance de contar com a orientação da bússola diária
quase sempre infalível de Castelinho, o maior cronista político do
Brasil que por mais que tenha visto ao longo de cinco décadas completas -
incluídas aí duas ditaduras - nunca viu nada parecido com o atual
desconserto que assola o País.
E por que uma
afirmação assim tão definitiva? Porque assim autoriza a leitura da vida e
da obra de Castello fartamente documentadas, detalhadamente descritas e
de uma forma invejável escrita pelo jornalista Carlos Marchi no livro
Todo aquele imenso mar de liberdade, a ser lançado em março de 2015 pela
editora Record.
O livro acompanha Castelinho desde o
Piauí, onde nasceu e começou a carreira em 1939, passando por Belo
Horizonte, onde viveu o apogeu e a desistência do sonho de se tornar um
romancista, Rio de Janeiro, onde estrearia de fato no ofício de
comentarista político até a chegada em Brasília.
Na
capital, um desvio: seria secretário de imprensa de Jânio Quadros e
nessa condição acompanharia "de dentro" passo a passo os acontecimentos
que levaram à renúncia. Foi a única vez em que Castello ocupou um cargo
em governo. E não gostou do que viu. Estava certo quando relutou em
aceitar e, segundo ele mesmo, errado em ceder à imposição do então
presidente. Jânio lhe assegurou que a permanência seria curta. O que
viria, no entanto, de tão inusitado nem suas afiadas antenas foram
capazes de prever.
Em Todo aquele imenso mar... Marchi
conta os episódios da História do Brasil sob o olhar e a tradução de
Castelinho. São inúmeros. Alguns eletrizantes, para quem não viveu
aqueles dias ou não tem o hábito de cultivar intimidade com o passado.
Aos jovens que talvez nunca tenham ouvido falar nele ou não saibam
avaliar sua importância, abre as portas do acesso ao desconhecido. Aos
mais velhos, as janelas da memória. Um relato que pelo misto de
franqueza e sutileza pode provocar todo tipo de reação, menos tédio e
indiferença.
Entre outros motivos porque o autor não
esconde nada, nem mesmo passagens que possam soar constrangedoras ao
biografado. Definitivamente não se trata de obra de mera galanteria. São
437 páginas das quais não se joga fora um detalhe.
São
todos indispensáveis para a composição da personalidade, dos métodos de
trabalho, das convicções e da alma do personagem cujo talento na
captação dos fatos, no alinhavar das aparentes coincidências, na
insistência em defender a liberdade em tempos escuros e na independência
de um ser ao mesmo tempo recluso e sociável, fez dele o canal por meio
do qual iam sendo, diariamente, desvendadas as entranhas do poder no
Brasil.
Durante 30 anos nas páginas do Jornal do Brasil e
por duas vezes sob duas ditaduras: de Getúlio Vargas e dos militares.
Não por acaso, Castelinho ficou conhecido pela habilidade de falar nas
entrelinhas. O livro nos conta como fazia isso em seu ofício do dia a
dia, arrancando - e mais difícil, transmitindo ao público - informações
de um regime ao qual só interessava escondê-las. Tanto é que censurava a
imprensa.
A "Coluna do Castello", contudo, nunca foi
alterada pelos censores que sentavam praça nas redações. Ele foi preso
duas ou três vezes, a coluna chegou a ter sua publicação suspensa, mas o
texto nunca foi mexido. Tudo tão bem alinhavado, as palavras
cirurgicamente escolhidas e os detalhes cuidadosamente bordados, que não
havia espaço para a tesoura do alheio.
Não obstante o
encantamento das entrelinhas, o maior benefício do livro é que Carlos
Castello Branco por meio de Carlos Marchi fala às claras a respeito de
tudo o que viu e ouviu, a tempo de assistir a todo esse imenso mar de
liberdade tomar conta do Brasil.
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