quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Parlamentares franceses desconsideram rompimento e se reúnem com Bashar al-Assad
Yves-Michel Riols, Hélène Bekmezian e Benjamin Barthe - Le Monde
Sana/Reuters
É uma brecha na muralha erguida pelas autoridades francesas entre elas e Damasco. Na terça-feira (24), pela primeira vez desde que o regime de Assad foi decretado indesejável em 2012, uma delegação parlamentar francesa foi secretamente até a capital síria. Ali ela se encontrou com o presidente Bashar al-Assad, grande responsável pela repressão que fez dezenas de milhares de mortos desde 2011, para irritação do Ministério das Relações Exteriores, que se dissociou claramente dessa iniciativa. "Vimos Bashar al-Assad esta manhã, por mais de uma hora, foi muito direto. Vou repassar as mensagens necessárias, como se deve", afirmou o deputado Jacques Myard (UMP, Yvelines), membro da delegação, ao "Le Monde".
Segundo informações obtidas pelo "Le Monde", os quatro parlamentares franceses levados por Gérard Bapt, deputado do Partido Socialista de Haute-Garonne e presidente do grupo de amizade França-Síria na Assembleia Nacional, também conversaram com o presidente da Assembleia do Povo, Mohamed Jiham Laham, e com o mufti da República, Ahmed Badreddin Hassoun. Pouquíssimas informações vazaram de sua visita, organizada na mais alta discrição e que deve terminar na quarta-feira (25), no final do dia. Bapt não atendeu a nenhum dos repetidos telefonemas do "Le Monde".
A iniciativa dos quatro parlamentares atraiu a reprovação imediata do Ministério das Relações Exteriores, que relembrou a linha diplomática francesa, proibindo qualquer contato com o governo sírio. "Isso não envolve em nada a política externa da França", insiste com irritação um diplomata. "Eles não pediram nossa opinião e não estão indo para Damasco a pedido nosso. Nossa linha permanece intocada: não conversamos com Bashar." Essa política foi instaurada em março de 2012, enquanto o regime estava em situação desesperadora, e que foi concretizada por duas medidas bruscas: o fechamento da embaixada francesa em Damasco e a demissão, dois meses depois, da representante da Síria em Paris.

Reviravolta

Mas a partir dessa data, com a ajuda de seus aliados iranianos e russos, o presidente Assad virou a situação parcialmente a seu favor. A estagnação da insurreição, sua contaminação por grupos radicais e a ascensão do grupo Estado Islâmico (EI) têm colocado à prova a determinação francesa. Os atentados do mês de janeiro em Paris aumentaram ainda mais a pressão sobre o Ministério das Relações Exteriores e a Presidência.
Tanto no corpo diplomático como entre as agências de inteligência, há cada vez mais vozes pedindo por uma revisão da política francesa para a Síria, ressaltando que o regime de Assad poderia ajudar na caça aos jihadistas franceses que se juntaram ao EI. Dentro da União Europeia, que impôs inúmeras sanções a Damasco, vários países como Espanha, Áustria e República Tcheca também pedem pela reabertura de um canal de comunicação com o governo sírio. Além de Gérard Bapt, que viaja com frequência a Damasco, e Jacques Myard, membro da comissão de relações exteriores da Assembleia Nacional, a delegação inclui Jean-Pierre Vial, senador (UMP, Haute-Savoie) e presidente do grupo de amizade França-Síria do Senado, bem como François Zocchetto, senador (UDI, Mayenne), também membro desse grupo.

"Missão pessoal"

"É uma missão pessoal para ver o que está acontecendo, ouvir, escutar", declarou Myard à agência de notícias AFP, que afirma que a viagem foi financiada com recursos pessoais de seus participantes. "Paguei minha passagem, paguei meu hotel noite passada em Beirute". E o deputado ainda acrescenta, ao "Le Monde": "Parece que estamos sujeitos ao escárnio público. Adoro isso."
Mohamed Jiham Laham, presidente da Assembleia do Povo que se encontrou com os quatro "rebeldes", é um membro do partido Baath, situação. Ainda que a nova constituição síria, adotada em 2012, tenha rompido o monopólio do partido no cenário político e que membros de outros partidos agora estejam na Assembleia, esta continua sendo uma mera receptora das decisões do presidente, que sempre foi recebido ali com salvas de palmas reverenciosas.
O mufti Hassoun, no cargo desde 2005, também é partidário fiel de Assad. Ele sempre propagou as teorias conspiratórias do regime, fazendo da revolução uma operação pura e simples de desestabilização, conduzida por islamitas às ordens das monarquias do Golfo. "Até onde sabemos, é um programa clássico," analisa um ex-diplomata francês em Damasco, que nos anos 2000 viu passar inúmeras delegações parlamentares. "Como não existe partido de oposição, o governo promove encontros entre seus convidados e autoridades religiosas, que evidentemente contam como o regime respeita as minorias e garante a harmonia entre as comunidades. É meio como se um deputado americano em visita à França se encontrasse com o arcebispo de Paris para se inteirar da situação política. É risível."

"Mudar as coisas"

Segundo Myard, os quatro parlamentares também visitaram um hospital, "onde viram atrocidades, meninas feridas por terroristas". Questionado sobre o risco de se absolver um regime banido pela comunidade internacional por seus crimes em massa, estabelecidos por inúmeros relatórios da ONU e de organizações de direitos humanos, o parlamentar de Yvelines, uma forte liderança da Assembleia, também conhecido por suas posições pró-Kremlin na crise ucraniana, se esquivou na resposta.
"Não absolvo ninguém, mas acho que as coisas não são tão absolutas como querem que acreditemos. E acho que nossa visita mudará as coisas." Entre a direita, na Assembleia Nacional, mais de um deputado quer ver nessa viagem "uma sondagem" em Damasco, visando uma retomada progressiva das relações diplomáticas. Essa teoria é desmentida por Elisabeth Guigou, presidente da comissão das relações exteriores, que afirma não ter sido consultada.
O Palácio do Eliseu segue a mesma linha. "Se tivéssemos mensagens a passar para Damasco, não seria com Bapt que contaríamos", diz um conselheiro de François Hollande. No dia 15 de fevereiro, durante o Grande Encontro Europe 1, com o "Le Monde" e o canal i-Télé, o ministro das Relações Exteriores, Laurent Fabius, relembrou a linha defendida pela França na Síria. "Bashar al-Assad não fica devendo nada ao Daesh [acrônimo árabe para o EI] e vice-versa em termos de barbárie. [...] A ideia de que é possível encontrar a paz na Síria confiando em Bashar al-Assad e pensando que ele é o futuro de seu país é uma ideia falsa, na minha opinião".

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