Autônomos ou desunidos?
Miriam Leitão - O Globo
Foi só para não levar desaforo para casa que reagi ao banqueiro espanhol. Isso foi há muito tempo, e eu perguntava sobre as perspectivas do Brasil, na época endividado e com inflação alta. Em vez de análise objetiva, ele acusou o país de ser “primitivo” em seu nacionalismo. Respondi que primitivo era um país que não tinha consolidado o Estado nacional, como a Espanha.
A Espanha é um grande país, com sua magnífica diversidade regional, mas revisita agora, em época de crise, o fosso das suas divisões. Lembrei dessa conversa e de minha resposta atravessada vendo a Catalunha falar em separatismo.
A Catalunha é 20% do PIB espanhol e se sente injustiçada. Acredita que manda mais receitas para o governo central e recebe de volta menos do que deveria. Aqui, alguns estados também acham injusta a distribuição do bolo federativo, mas ninguém está falando em ser um novo país na América do Sul, como a Catalunha tem dito que será um novo país na Europa.
A fragmentação seria, se ocorresse, um espantoso desdobramento de uma crise que já coleciona uma sucessão de números trágicos, como a maior taxa de desemprego da zona do euro: 25,1%. Um em cada quatro espanhóis em condições de trabalhar não está em atividade. Só no segundo trimestre, o setor de serviços eliminou 500 mil vagas. Ao todo foram eliminadas 885 mil de junho a agosto.
A federação espanhola é bem diferente da nossa. Lá, os estados são chamados de “regiões autônomas”, e não por acaso. Têm mais autonomia financeira e administrativa que no Brasil, mas vivem a estranha situação de pedir socorro ao governo central e, ao mesmo tempo, falar em separação. Ontem, mais duas províncias pediram ajuda.
Os dados da agência oficial de estatística da Catalunha, o Idescat, mostram que a perda de vagas na província é mais rápida do que no resto do país. O órgão executivo catalão, Generalitat, sustenta que tem feito mais aportes ao governo central do que deveria e que isso explica o forte déficit. Por falta de dinheiro, o governo chegou a suspender repasses a escolas, hospitais e entidades de assistência social este ano.
Os quatro maiores bancos da Espanha passaram no teste de estresse, mesmo assim a avaliação mais comum é que, querendo ou não, o primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy, vai pedir socorro. O INE (Instituto Nacional de Estatística) informou que no segundo trimestre o PIB encolheu 1,3%, e os investimentos, 9,4%.
Em junho, o governo espanhol conseguiu uma linha de crédito na Europa de € 100 bilhões para socorrer o sistema financeiro. Já anunciou que gastará € 60 bilhões, mas os economistas acham que novos aportes são necessários.
— Problemas bancários são muito dinâmicos. O governo pode injetar dinheiro e sanear os bancos, mas se a inadimplência se elevar, se os saques continuarem, os buracos aparecem novamente e mais dinheiro terá que ser dado. A corrida bancária na Espanha tem sido lenta, mas contínua — disse a economista Monica de Bolle, da Galanto.
O povo catalão programa fazer um referendum sobre a independência e isso levou o rei Juan Carlos a se manifestar. Em carta, disse que o pior que os espanhóis podem fazer é “dividir forças, incentivar divisões, perseguir quimeras e avivar feridas”.
Os economistas ouvidos pelo “El País” dizem que se a Catalunha se separar ela quebra. Primeiro, porque terá que reconhecer a parte da dívida catalã que foi assumida pelo governo central e isso elevaria o endividamento a 80% do PIB. Segundo, porque ela teria dificuldade de se financiar já que sua avaliação de risco é a pior possível. Ou seja, a Espanha precisa manter unido o Estado nacional.
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