sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014
Imigrantes ilegais que cresceram nos EUA querem que Obama suspenda deportações
Julia Preston - NYT
Julia Preston - NYT
Mais de 500 líderes de uma rede nacional de jovens imigrantes,
frustrados porque os deputados republicanos disseram que não atuariam
sobre a imigração este ano, decidiram dirigir seus protestos ao
presidente Barack Obama, na tentativa de pressioná-lo a agir
unilateralmente para conter as deportações.
Depois que meses de
lobbies, comícios e manifestações pacíficas terminaram sem um movimento
na Câmara sobre um caminho para a cidadania para os imigrantes que estão
nos EUA ilegalmente, os jovens que se reuniram em Phoenix neste fim de
semana para um congresso anual da rede Unidos Sonhamos disseram que
estão decepcionados com os republicanos e os democratas. Indicando a
promessa de Obama este ano de usar seu telefone e sua caneta se o
Congresso não discutisse sua agenda, eles disseram que vão pedir que ele
tome medidas executivas para aumentar as proteções para os imigrantes
sem documentos.
"A comunidade com que trabalhamos está nos dizendo que essas deportações estão destruindo nossas famílias, e isso tem de parar", disse Cristina Jiménez, diretora da rede, a maior organização de imigrantes que cresceram nos EUA em situação ilegal, depois de chegar quando crianças, e que chamam a si mesmos de 'dreamers' (sonhadores). "E nós sabemos que o presidente tem poder para fazer isso."
As exigências dos jovens imigrantes serão desconfortáveis para Obama em um ano de eleição em meio de mandato, quando seus baixos índices de aprovação poderão permitir que os republicanos tenham ganhos importantes. As pesquisas mostram maior simpatia entre os americanos por jovens imigrantes do que por outros sem situação jurídica, e os jovens muitas vezes foram líderes em definir estratégias entre grupos de imigração.
Os jovens disseram que vão pressionar o presidente a expandir os adiamentos de deportações que ele concedeu por meio de atos executivos em 2012. Mais de 520 mil jovens receberam adiamentos, permitindo que trabalhassem legalmente e tirassem carteiras de motorista em muitos Estados. O programa, conhecido como Ação Adiada para Chegadas na Infância, foi muito popular entre eleitores latinos e imigrantes, e Obama o citou como exemplo de seu compromisso de reformular o sistema de imigração.
Com sua mudança para se concentrar em Obama, os jovens estão reduzindo suas expectativas. No ano passado, depois que uma complexa lei de imigração foi aprovada no Senado, eles esperaram que a Câmara de Deputados o seguisse e também abrisse um caminho direto para a cidadania para a maioria dos 11,7 milhões de imigrantes ilegais no país.
Este mês, líderes republicanos na Câmara apresentaram princípios sobre imigração, incluindo legalização mas não cidadania para a maioria desses imigrantes. Mas, dias depois, o presidente da Câmara, John Boehner, disse que seu grupo não estava pronto para avançar sobre a polêmica questão este ano.
Lorella Praeli, uma líder da rede jovem, disse na reunião aqui que os republicanos adotaram uma estratégia de "morte por adiamento" para a imigração. Mas os líderes da rede não pareciam desanimados. Uma organização que apenas alguns anos atrás realizava reuniões clandestinas para evitar a detecção por autoridades de imigração, a rede fez seu congresso este ano no Hotel Sheraton no centro de Phoenix, no Arizona. Eles encheram o salão de baile principal com debates sobre estratégia, entoaram protestos e deram abraços grupais. Outros hóspedes foram surpreendidos ao encontrar jovens entoando slogans a desfilar pelo saguão.
Eles escolheram Phoenix, segundo líderes, para confrontar a governadora republicana Jan Brewer, que não permitiu que jovens com o adiamento de deportação se inscrevessem para carteiras de motorista, como outros Estados permitiram. Na tarde de sábado, o grupo marchou pelo centro de Phoenix e se reuniu em um centro de detenção do Departamento de Segurança Interna. Seus slogans eram dirigidos principalmente ao presidente. "Obama, Obama, não deporte minha 'mama'", gritavam os membros da multidão.
Em Washington, surgiu uma lacuna de percepção sobre a aplicação da lei, com os deputados republicanos afirmando que Obama foi frouxo sobre a imigração ilegal e a segurança de fronteiras, por isso não podem confiar nele para aplicar novas leis. As autoridades do governo alegam que os números mostram que Obama deportou mais de 1,9 milhão de estrangeiros, um recorde entre presidentes americanos.
Os jovens aqui disseram que não têm dúvidas sobre o impacto das políticas de deportação do governo Obama, porque suas famílias sentem que estão sitiadas pelas autoridades de imigração.
"Não podemos esperar que Washington continue brincando com nossas vidas", disse Julieta Garibay, outra líder da rede. "Nossa gente vê as deportações todos os dias. Eles dizem que talvez esse seja o último dia em que poderei ver minha mãe, porque ela pode ser deportada amanhã. Estamos cansados disso."
Os jovens disseram que vão pedir que Obama corte os programas que expandiram muito o alcance local das autoridades federais de imigração e garanta o adiamento de deportação para pais sem documentos de jovens que o receberam. O presidente insistiu que não tem autoridade legal para conceder mais adiamentos. Mas recentemente ele sugeriu que poderia rever essa posição se a legislação continuar estagnada.
Apesar da inércia em Washington, os jovens, que representaram 50 organizações de 25 Estados, disseram que suas fileiras cresceram rapidamente no ano passado enquanto as medidas para expandir as oportunidades para eles avançaram em muitos Estados. Pelo menos 18 Estados hoje permitem que estudantes nascidos no exterior sem residência legal paguem taxas de inscrição em instituições de ensino.
Os jovens disseram que não estão desistindo totalmente dos esforços de legislação e planejam movimentos em vários distritos da Flórida, Nevada, Novo México e Texas para registrar-se e mobilizar eleitores latinos contra os republicanos que resistiram à legalização.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
"A comunidade com que trabalhamos está nos dizendo que essas deportações estão destruindo nossas famílias, e isso tem de parar", disse Cristina Jiménez, diretora da rede, a maior organização de imigrantes que cresceram nos EUA em situação ilegal, depois de chegar quando crianças, e que chamam a si mesmos de 'dreamers' (sonhadores). "E nós sabemos que o presidente tem poder para fazer isso."
As exigências dos jovens imigrantes serão desconfortáveis para Obama em um ano de eleição em meio de mandato, quando seus baixos índices de aprovação poderão permitir que os republicanos tenham ganhos importantes. As pesquisas mostram maior simpatia entre os americanos por jovens imigrantes do que por outros sem situação jurídica, e os jovens muitas vezes foram líderes em definir estratégias entre grupos de imigração.
Os jovens disseram que vão pressionar o presidente a expandir os adiamentos de deportações que ele concedeu por meio de atos executivos em 2012. Mais de 520 mil jovens receberam adiamentos, permitindo que trabalhassem legalmente e tirassem carteiras de motorista em muitos Estados. O programa, conhecido como Ação Adiada para Chegadas na Infância, foi muito popular entre eleitores latinos e imigrantes, e Obama o citou como exemplo de seu compromisso de reformular o sistema de imigração.
Com sua mudança para se concentrar em Obama, os jovens estão reduzindo suas expectativas. No ano passado, depois que uma complexa lei de imigração foi aprovada no Senado, eles esperaram que a Câmara de Deputados o seguisse e também abrisse um caminho direto para a cidadania para a maioria dos 11,7 milhões de imigrantes ilegais no país.
Este mês, líderes republicanos na Câmara apresentaram princípios sobre imigração, incluindo legalização mas não cidadania para a maioria desses imigrantes. Mas, dias depois, o presidente da Câmara, John Boehner, disse que seu grupo não estava pronto para avançar sobre a polêmica questão este ano.
Lorella Praeli, uma líder da rede jovem, disse na reunião aqui que os republicanos adotaram uma estratégia de "morte por adiamento" para a imigração. Mas os líderes da rede não pareciam desanimados. Uma organização que apenas alguns anos atrás realizava reuniões clandestinas para evitar a detecção por autoridades de imigração, a rede fez seu congresso este ano no Hotel Sheraton no centro de Phoenix, no Arizona. Eles encheram o salão de baile principal com debates sobre estratégia, entoaram protestos e deram abraços grupais. Outros hóspedes foram surpreendidos ao encontrar jovens entoando slogans a desfilar pelo saguão.
Eles escolheram Phoenix, segundo líderes, para confrontar a governadora republicana Jan Brewer, que não permitiu que jovens com o adiamento de deportação se inscrevessem para carteiras de motorista, como outros Estados permitiram. Na tarde de sábado, o grupo marchou pelo centro de Phoenix e se reuniu em um centro de detenção do Departamento de Segurança Interna. Seus slogans eram dirigidos principalmente ao presidente. "Obama, Obama, não deporte minha 'mama'", gritavam os membros da multidão.
Em Washington, surgiu uma lacuna de percepção sobre a aplicação da lei, com os deputados republicanos afirmando que Obama foi frouxo sobre a imigração ilegal e a segurança de fronteiras, por isso não podem confiar nele para aplicar novas leis. As autoridades do governo alegam que os números mostram que Obama deportou mais de 1,9 milhão de estrangeiros, um recorde entre presidentes americanos.
Os jovens aqui disseram que não têm dúvidas sobre o impacto das políticas de deportação do governo Obama, porque suas famílias sentem que estão sitiadas pelas autoridades de imigração.
"Não podemos esperar que Washington continue brincando com nossas vidas", disse Julieta Garibay, outra líder da rede. "Nossa gente vê as deportações todos os dias. Eles dizem que talvez esse seja o último dia em que poderei ver minha mãe, porque ela pode ser deportada amanhã. Estamos cansados disso."
Os jovens disseram que vão pedir que Obama corte os programas que expandiram muito o alcance local das autoridades federais de imigração e garanta o adiamento de deportação para pais sem documentos de jovens que o receberam. O presidente insistiu que não tem autoridade legal para conceder mais adiamentos. Mas recentemente ele sugeriu que poderia rever essa posição se a legislação continuar estagnada.
Apesar da inércia em Washington, os jovens, que representaram 50 organizações de 25 Estados, disseram que suas fileiras cresceram rapidamente no ano passado enquanto as medidas para expandir as oportunidades para eles avançaram em muitos Estados. Pelo menos 18 Estados hoje permitem que estudantes nascidos no exterior sem residência legal paguem taxas de inscrição em instituições de ensino.
Os jovens disseram que não estão desistindo totalmente dos esforços de legislação e planejam movimentos em vários distritos da Flórida, Nevada, Novo México e Texas para registrar-se e mobilizar eleitores latinos contra os republicanos que resistiram à legalização.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
Quatro
anos depois de escancarar o abismo existente entre um palanqueiro e um
estadista, Óscar Arias mostra a diferença que separa um democrata
corajoso de uma cúmplice do capataz da Venezuela
Augusto Nunes - VEJA
Em março de 2010, com poucas horas de diferença, os presidentes do Brasil e da Costa Rica se manifestaram sobre o tratamento dispensado pela ditadura cubana a presos políticos e oposicionistas em liberdade vigiada. Como atesta o post reproduzido na seção Vale Reprise, o que Lula disse durante outra visita à ilha-presídio e o que Óscar Arias escreveu num artigo publicado no jornal El País escancararam o abismo existente entre um palanqueiro sem grandeza e um genuíno estadista.
Passados quatro anos, chegou a vez de Dilma Rousseff ser exposta a uma desmoralizante comparação com Óscar Arias, desta vez provocada por opiniões antagônicas sobre a reação brutal do presidente Nicolás Maduro às manifestações de protesto promovidas pela oposição venezuelana. Um comunicado oficial endossado pelo governo brasileiro formalizou o apoio incondicional dos países do Mercosul ao companheiro ameaçado por “atos de violência”, “tentativas de desestabilizar a ordem democrática” e “ações criminosas de grupos violentos que querem disseminar a intolerância e o ódio na República Bolivariana da Venezuela, como instrumento de luta política”.
Nesta sexta-feira, de novo com um texto publicado no jornal El País sob o título Venezuela: inferno de perseguição, o costarriquenho premiado em 1987 com o Nobel da Paz implodiu mais um monumento ao cinismo erguido pelo clube dos farsantes. Confira:
Quero juntar minha voz ao coro de preocupação que se ouve em grande parte da nossa América.
Multidões de estudantes e cidadãos que se opõem ao governo do presidente venezuelano Nicolás Maduro foram brutalmente atacados com armas de fogo pelas forças de segurança.
Em nenhum país verdadeiramente democrático alguém é preso ou assassinado por discordar das políticas do governo ou por manifestar em público seu descontentamento. A Venezuela de Maduro pode fazer todos os esforços de oratória para vender a ideia de que é efetivamente uma democracia. Cada violação dos direitos humanos que comete nega na prática tal afirmação, porque sufoca a crítica e a dissidência.
Todo governo que respeite os direitos humanos deve respeitar o direito de seu povo de manifestar-se pacificamente. O uso da violência é inaceitável. Recordemos a advertência de Gandhi: “Olho por olho e o mundo inteiro se tornará cego”.
Sempre lutei pela democracia. Estou convencido de que, se não existe oposição numa democracia, devemos criá-la, não reprimi-la e condená-la ao inferno da perseguição, como parece fazer o presidente Maduro.
O governo da Venezuela deve respeitar os direitos humanos, sobretudo os dos opositores. Não há nenhum mérito em respeitar apenas os direitos de seus partidários.
Martin Luther King Jr. disse que “os lugares mais quentes do inferno estão reservados àqueles que num período de crise moral se mantiveram neutros. Num determinado momento, o silêncio se converte em traição”.
Estou consciente de que estas afirmações me deixarão exposto a todo tipo de crítica por parte do governo venezuelano. Serei acusado de imiscuir-me em assuntos internos, de desrespeitar a soberania nacional e, quase com certeza, de ser um lacaio do império.
Sou, sem dúvida, um lacaio do império: do império da razão, da tolerância, da compaixão e da liberdade. Sempre que os direitos humanos forem violentados, não vou calar-me. Não posso calar-me se a mera existência de um governo como o da Venezuela, uma afronta à democracia. Não vou calar-me quando estiver em perigo a vida de seres humanos que apenas defendem seus direitos de cidadão.
Vivi o suficiente para saber que não há nada pior do que ter medo de dizer a verdade.
A resposta de Dilma ao jornalista que quis saber em Roma se tinha algo a dizer sobre a crise venezuelana reiterou que, como o padrinho, a afilhada não tem compromisso com a verdade. “Não quero de problemas internos de outro país”, mentiu a avalista do infame documento do Mercosul. O post de 2010 registrou que Arias é um democrata exemplar, um devoto do Estado Democrático de Direito que tenta moldar um mundo mais justo e generoso. Dilma só pensa na reeleição. O ex-presidente da Costa Rica se guia por princípios éticos e valores morais. Dilma não sabe o que é isso.
Augusto Nunes - VEJA
Em março de 2010, com poucas horas de diferença, os presidentes do Brasil e da Costa Rica se manifestaram sobre o tratamento dispensado pela ditadura cubana a presos políticos e oposicionistas em liberdade vigiada. Como atesta o post reproduzido na seção Vale Reprise, o que Lula disse durante outra visita à ilha-presídio e o que Óscar Arias escreveu num artigo publicado no jornal El País escancararam o abismo existente entre um palanqueiro sem grandeza e um genuíno estadista.
Passados quatro anos, chegou a vez de Dilma Rousseff ser exposta a uma desmoralizante comparação com Óscar Arias, desta vez provocada por opiniões antagônicas sobre a reação brutal do presidente Nicolás Maduro às manifestações de protesto promovidas pela oposição venezuelana. Um comunicado oficial endossado pelo governo brasileiro formalizou o apoio incondicional dos países do Mercosul ao companheiro ameaçado por “atos de violência”, “tentativas de desestabilizar a ordem democrática” e “ações criminosas de grupos violentos que querem disseminar a intolerância e o ódio na República Bolivariana da Venezuela, como instrumento de luta política”.
Nesta sexta-feira, de novo com um texto publicado no jornal El País sob o título Venezuela: inferno de perseguição, o costarriquenho premiado em 1987 com o Nobel da Paz implodiu mais um monumento ao cinismo erguido pelo clube dos farsantes. Confira:
Quero juntar minha voz ao coro de preocupação que se ouve em grande parte da nossa América.
Multidões de estudantes e cidadãos que se opõem ao governo do presidente venezuelano Nicolás Maduro foram brutalmente atacados com armas de fogo pelas forças de segurança.
Em nenhum país verdadeiramente democrático alguém é preso ou assassinado por discordar das políticas do governo ou por manifestar em público seu descontentamento. A Venezuela de Maduro pode fazer todos os esforços de oratória para vender a ideia de que é efetivamente uma democracia. Cada violação dos direitos humanos que comete nega na prática tal afirmação, porque sufoca a crítica e a dissidência.
Todo governo que respeite os direitos humanos deve respeitar o direito de seu povo de manifestar-se pacificamente. O uso da violência é inaceitável. Recordemos a advertência de Gandhi: “Olho por olho e o mundo inteiro se tornará cego”.
Sempre lutei pela democracia. Estou convencido de que, se não existe oposição numa democracia, devemos criá-la, não reprimi-la e condená-la ao inferno da perseguição, como parece fazer o presidente Maduro.
O governo da Venezuela deve respeitar os direitos humanos, sobretudo os dos opositores. Não há nenhum mérito em respeitar apenas os direitos de seus partidários.
Martin Luther King Jr. disse que “os lugares mais quentes do inferno estão reservados àqueles que num período de crise moral se mantiveram neutros. Num determinado momento, o silêncio se converte em traição”.
Estou consciente de que estas afirmações me deixarão exposto a todo tipo de crítica por parte do governo venezuelano. Serei acusado de imiscuir-me em assuntos internos, de desrespeitar a soberania nacional e, quase com certeza, de ser um lacaio do império.
Sou, sem dúvida, um lacaio do império: do império da razão, da tolerância, da compaixão e da liberdade. Sempre que os direitos humanos forem violentados, não vou calar-me. Não posso calar-me se a mera existência de um governo como o da Venezuela, uma afronta à democracia. Não vou calar-me quando estiver em perigo a vida de seres humanos que apenas defendem seus direitos de cidadão.
Vivi o suficiente para saber que não há nada pior do que ter medo de dizer a verdade.
A resposta de Dilma ao jornalista que quis saber em Roma se tinha algo a dizer sobre a crise venezuelana reiterou que, como o padrinho, a afilhada não tem compromisso com a verdade. “Não quero de problemas internos de outro país”, mentiu a avalista do infame documento do Mercosul. O post de 2010 registrou que Arias é um democrata exemplar, um devoto do Estado Democrático de Direito que tenta moldar um mundo mais justo e generoso. Dilma só pensa na reeleição. O ex-presidente da Costa Rica se guia por princípios éticos e valores morais. Dilma não sabe o que é isso.
????
"Os homens não são virtuosos, ou seja, nós não podemos exigir da
humanidade a virtude, porque ela não é virtuosa, mas alguns homens e
mulheres são, e por isso é que as instituições têm que ser virtuosas."
Dilma Rousseff
Dilma Rousseff
Marco positivo
Merval Pereira - O Globo
Então fica combinado assim. José Dirceu não é o chefe da quadrilha do
mensalão. É simplesmente o mais graduado dos co-autores de crimes como
corrupção ativa, corrupção passiva, peculato, lavagem de dinheiro (por
enquanto), evasão de divisas.
Os petistas estão eufóricos com a
decisão do novo plenário do Supremo Tribunal Federal de absolver os
condenados por formação de quadrilha, que sem dúvida tinha um valor
simbólico no caso do mensalão. E é o fim desse simbolismo que fez com
que os petistas vibrassem tanto, juntamente com a possibilidade de
reduzir o tempo de reclusão, em alguns casos saindo da cadeia até mesmo
este ano.A prisão semi-aberta, sabe-se agora, é uma punição bastante rigorosa quando os controladores do sistema prisional não são subordinados a governos petistas. O mais grave dessa decisão é se ela corresponder a uma tentativa de transformar o Supremo em um órgão “bolivariano”, como acusou o ministro Gilmar Mendes.
Tanto ele quanto Joaquim Barbosa advertiram que haverá outras tentativas de reverter o resultado do julgamento à medida que ministros forem sendo substituídos, até a revisão criminal.
É verdade que desde o início do julgamento houve claras manobras, em plenário e por parte dos advogados, para retardá-lo como maneira de fazer com que os ministros Ayres Britto e Cezar Peluso se aposentassem antes do seu final, o que realmente aconteceu.
Peluso, por exemplo, não nem chegou a votar em formação de quadrilha nem em lavagem de dinheiro. A saída dos dois deu margem a que, com os novos ministros, a minoria se transformasse em maioria. Nem ele nem Britto participaram da votação sobre a existência dos embargos infringentes, o que abriu condições de rever o julgamento nos quesitos formação de quadrilha e lavagem de dinheiro.
A revisão criminal, no entanto, é bastante difícil de conseguir, e depende de se provar que a condenação foi feita com base em documentos ou depoimentos falsos, ou de aparecer novas provas de inocência.
Mas se este for mesmo “apenas o primeiro passo”, como alertou o ministro Joaquim Barbosa, pode acontecer que se forme no plenário do STF ao longo dos próximos dois anos (prazo máximo para pedir a revisão) outra "maioria de circunstância” para reformar as sentenças já formuladas. Nesse prazo devem sair do Supremo por aposentadoria os ministros Celso de Mello e Marco Aurélio Mello, e o ministro Joaquim Barbosa.
Espera-se que as piores previsões não se confirmem e que os próximos presidentes continuem enviando ao STF juízes capazes de serem independentes em seus votos. A simples desconfiança de que o plenário seja manipulável, atendendo aos interesses do governo da ocasião, coloca em risco a democracia brasileira, que tem no julgamento do mensalão, apesar de tudo, um marco positivo.
@@@@@@@
Não há dúvidas de que quando um crime prescreve o acusado não vai nem a julgamento, como é o caso do ex-ministro de Lula Walfrido Mares Guia que, por ter feito 70 anos, teve reduzido pela metade o tempo de prescrição do crime de que era acusado no mensalão mineiro.
Mas, no caso do mensalão do PT, se tratava de um julgamento já realizado, e, portanto, a prescrição só poderia acontecer se os réus fossem condenados a menos de 2 anos de prisão. Raciocinar, como fizeram os ministros Luis Roberto Barroso e Teori Zavascki, como se as penas não tivessem sido dadas não tem sentido técnico, na opinião de muitos juristas.
Apenas sentido político, isto é, denunciar que as penas foram agravadas com o objetivo de colocar o condenados em regime fechado.
@@@@@@
A coluna volta a ser publicada no próximo dia 5 de março. Bom Carnaval a todos.
DÓRICAS
Direito autoral
Dora Kramer - O Estado de S.Paulo
O contingente não é desprezível: 45% dos quase 140 milhões de eleitores brasileiros têm entre 16 e 35 anos de idade e não fazem ideia de como era viver no Brasil da instabilidade, do descrédito internacional, da moeda que não valia uma cibalena vencida.
Por isso mesmo não dão a devida atenção quando os mais velhos detectam os sinais de "desmonte" dos fundamentos que construíram a estabilização econômica e temem que o Brasil entre numa trajetória que o leve ao rumo do antigo desarranjo.
Os especialistas no tema têm falado nisso, mas para um público restrito. O governador de Pernambuco, Eduardo Campos, nesta semana tocou nesse ponto: acusou sem meias palavras a presidente Dilma Rousseff de adotar práticas de governo da era pré-Plano Real.
Disse isso a um grupo de empresários que sabe perfeitamente do que ele está falando e mede os riscos que podem não ser enormes hoje, mas os fatos mostram que já foram menores.
Em tom de slogan de campanha, ao pregar um choque de "esperança e confiança" foi o que disse de maneira arrevesada o candidato ao PSDB à Presidência, senador Aécio Neves, na comemoração dos 20 anos do Plano Real.
Presentes à cerimônia, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, executor do Plano como ministro da Fazenda à época e dois dos formuladores, Gustavo Franco e Edmar Bacha.
Além da festividade, habitualmente realizada no mês de junho e desta vez antecipada para criar espaço à oposição na imprensa, a ideia era tentar reaver o direito autoral sobre um legado que o próprio PSDB renegou na campanha presidencial de 2002 e nunca mais recuperou.
O PT apropriou-se da obra e o fez com tanta competência (e desfaçatez, é verdade) que no dia da solenidade dos 20 anos parlamentares petistas, em reação, invocaram para si a tarefa de terem "salvado" o Plano Real quando assumiram o poder.
Para aquele contingente de jovens do qual falamos no início, possivelmente tal narrativa soe mesmo verossímil. E continuará soando assim se os autores da obra não souberem recuperar as rédeas da história.
Não para ficar revisando para mero deleite eleitoral imagens de um passado longínquo de um Brasil que não tem nada a ver com o País de 20 anos atrás. Muito menos remoendo rancores ou incutindo temores artificiais.
A tarefa da oposição responsável, nos parece, seria relatar os fatos com linguagem inteligível, sem alarmismos, mas com realismo, didatismo e, sobretudo, muita honestidade, a respeito do que foi o Brasil durante a era da irresponsabilidade governamental, quais os riscos que corremos de voltar a situação semelhante, o que fazer para evitar o retrocesso.
Sobre isso Mário Covas tinha uma frase precisa: "Quanto mais informações tiver, melhor o eleitor saberá decidir".
Dito e feito. Falta de aviso não foi. Não é de hoje que a insatisfação com a presidente Dilma cresce no Congresso, contamina a base que já não pode mais ser chamada de governista e alcança a bancada do PT.
O líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha, cuja eleição em si é fruto dessa insatisfação, quando foi escolhido anunciou que se o Planalto continuasse querendo lidar com a situação na base da queda de braço iria enfrentar "uma crise por dia".
Congresso não vota só projetos de leis e medidas provisórias. Vota convocação de ministros, aprova comissões de inquéritos, derruba vetos presidenciais, e quando quer tem uma capacidade infinita de atrapalhar.
Adianta a presidente esticar a corda e depois ceder ao ponto de mandar uma "força-tarefa" de 12 ministros ao Congresso alegadamente para atender às demandas dos parlamentares?
Nessa altura ninguém mais confia em ninguém, ninguém está mais à vontade com ninguém. É provável que Dilma consiga dos partidos o que quer: o tempo de televisão.
Mas, é cada vez mais improvável que obtenha deles o empenho nos palanques pela reeleição.
Dora Kramer - O Estado de S.Paulo
O contingente não é desprezível: 45% dos quase 140 milhões de eleitores brasileiros têm entre 16 e 35 anos de idade e não fazem ideia de como era viver no Brasil da instabilidade, do descrédito internacional, da moeda que não valia uma cibalena vencida.
Por isso mesmo não dão a devida atenção quando os mais velhos detectam os sinais de "desmonte" dos fundamentos que construíram a estabilização econômica e temem que o Brasil entre numa trajetória que o leve ao rumo do antigo desarranjo.
Os especialistas no tema têm falado nisso, mas para um público restrito. O governador de Pernambuco, Eduardo Campos, nesta semana tocou nesse ponto: acusou sem meias palavras a presidente Dilma Rousseff de adotar práticas de governo da era pré-Plano Real.
Disse isso a um grupo de empresários que sabe perfeitamente do que ele está falando e mede os riscos que podem não ser enormes hoje, mas os fatos mostram que já foram menores.
Em tom de slogan de campanha, ao pregar um choque de "esperança e confiança" foi o que disse de maneira arrevesada o candidato ao PSDB à Presidência, senador Aécio Neves, na comemoração dos 20 anos do Plano Real.
Presentes à cerimônia, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, executor do Plano como ministro da Fazenda à época e dois dos formuladores, Gustavo Franco e Edmar Bacha.
Além da festividade, habitualmente realizada no mês de junho e desta vez antecipada para criar espaço à oposição na imprensa, a ideia era tentar reaver o direito autoral sobre um legado que o próprio PSDB renegou na campanha presidencial de 2002 e nunca mais recuperou.
O PT apropriou-se da obra e o fez com tanta competência (e desfaçatez, é verdade) que no dia da solenidade dos 20 anos parlamentares petistas, em reação, invocaram para si a tarefa de terem "salvado" o Plano Real quando assumiram o poder.
Para aquele contingente de jovens do qual falamos no início, possivelmente tal narrativa soe mesmo verossímil. E continuará soando assim se os autores da obra não souberem recuperar as rédeas da história.
Não para ficar revisando para mero deleite eleitoral imagens de um passado longínquo de um Brasil que não tem nada a ver com o País de 20 anos atrás. Muito menos remoendo rancores ou incutindo temores artificiais.
A tarefa da oposição responsável, nos parece, seria relatar os fatos com linguagem inteligível, sem alarmismos, mas com realismo, didatismo e, sobretudo, muita honestidade, a respeito do que foi o Brasil durante a era da irresponsabilidade governamental, quais os riscos que corremos de voltar a situação semelhante, o que fazer para evitar o retrocesso.
Sobre isso Mário Covas tinha uma frase precisa: "Quanto mais informações tiver, melhor o eleitor saberá decidir".
Dito e feito. Falta de aviso não foi. Não é de hoje que a insatisfação com a presidente Dilma cresce no Congresso, contamina a base que já não pode mais ser chamada de governista e alcança a bancada do PT.
O líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha, cuja eleição em si é fruto dessa insatisfação, quando foi escolhido anunciou que se o Planalto continuasse querendo lidar com a situação na base da queda de braço iria enfrentar "uma crise por dia".
Congresso não vota só projetos de leis e medidas provisórias. Vota convocação de ministros, aprova comissões de inquéritos, derruba vetos presidenciais, e quando quer tem uma capacidade infinita de atrapalhar.
Adianta a presidente esticar a corda e depois ceder ao ponto de mandar uma "força-tarefa" de 12 ministros ao Congresso alegadamente para atender às demandas dos parlamentares?
Nessa altura ninguém mais confia em ninguém, ninguém está mais à vontade com ninguém. É provável que Dilma consiga dos partidos o que quer: o tempo de televisão.
Mas, é cada vez mais improvável que obtenha deles o empenho nos palanques pela reeleição.
Cenas de política explícita
Merval Pereira - O Globo
O ministro Luis Roberto Barroso foi colocado no Supremo Tribunal
Federal para livrar os mensaleiros do regime fechado, como insinuou o
ministro Joaquim Barbosa, ou o plenário anterior do STF exacerbou
seletivamente as penas no caso de formação de quadrilha para deixar os
condenados mais tempo em regime fechado, especialmente José Dirceu, como
insinuou o ministro Luis Roberto Barroso em seu voto?
Centro dos
debates políticos nos últimos meses, desde agosto de 2008 quando
começou, o julgamento do mensalão viu ontem chegar ao plenário do
Supremo Tribunal Federal a explicitação de acusações políticas que
estiveram implícitas em todo o seu desenrolar, especialmente nos embates
entre o relator Joaquim Barbosa e o revisor Ricardo Lewandowski.Ao afirmar que houve uma “exacerbação seletiva das penas” no caso do crime de formação de quadrilha para evitar a sua prescrição, o ministro Luiz Roberto Barroso não estava apenas chamando a atenção para o fato de que, em sua opinião e na do ministro Teori Zavascki a dosimetria nesse caso foi definida “em patamar discrepante da jurisprudência do Tribunal e dos parâmetros utilizados para outros delitos no mesmo processo”.
Estava, na verdade, dizendo que o plenário anterior à sua chegada havia decidido punir os réus por mais esse crime apenas para deixá-los mais tempo na cadeia em regime fechado e, sobretudo, para confirmar o enredo em que se baseara o Procurador-Geral da República para montar a acusação do mensalão.
O presidente do Supremo, ministro Joaquim Barbosa, rebelou-se contra essa acusação, dizendo que Barroso fazia um discurso meramente político sob uma capa de tecnicalidade. Aproveitando que Barroso, ao explicar sua expressão “ponto fora da curva”, disse que ela significava também – além da exacerbação das penas - “o rompimento com uma tradição de leniência e impunidade em relação a certo tipo de criminalidade política e financeira”, Joaquim Barbosa aparteou-o dizendo que na prática, defendendo a prescrição do crime de quadrilha, Barroso estava sendo leniente com os crimes que parecia condenar em seu discurso político.
"O discurso foi puramente político para infirmar a decisão tomada por um colegiado e confirmada após os embargos de declaração. Isso me parece inapropriado”. Barroso, sabendo que seu voto seria criticado, quis enfatizar que embora compreendesse a indignação contra a histórica impunidade das classes dirigentes no Brasil, considera que “o discurso jurídico não se confunde com o discurso político. E o dia em que o fizer, perderá sua autonomia e autoridade. O STF é um espaço da razão pública, e não das paixões inflamadas. Antes de ser exemplar e simbólica, a Justiça precisa ser justa, sob pena de não poder ser nem um bom exemplo nem um bom símbolo”.
Esse trecho de seu voto pode também ser entendido como uma crítica à atuação do presidente Joaquim Barbosa, apontado por muitos como candidato a entrar na política partidária aproveitando a popularidade que o julgamento lhe trouxe. Barroso também foi contundente na reprovação política aos mensaleiros: “A condenação maior que recairá sobre alguns dos réus não é prevista no Código Penal: a de não haverem sequer tentado mudar o modo como se faz política no Brasil. Por não terem procurado viver o que pregavam. Por haverem se transformado nas pessoas contra quem nos advertiam”.
A criticar no voto de Barroso a tentativa de levar a decisão para a prescrição da pena, sem que o mérito fosse julgado. Ele só admitiu assumir como preliminar a absolvição de todos os condenados no caso de quadrilha quando a ministra Carmem Lucia chamou a atenção para a incongruência da sua proposta.
Embora tivesse afirmado no final de seu voto que se o mérito chegasse a ser discutido votaria pela absolvição, pois considerava inexistentes as características da formação de quadrilha no caso, Barroso deu a sensação de que gostaria de resolver a questão com a prescrição, sem precisar entrar no mérito.
O problema de Barroso, e também do ministro Teori Zavascki que votará hoje pela manha tudo indica que no mesmo sentido do companheiro, é que ao substituírem os ministros que faziam parte do plenário durante a primeira parte do julgamento e mudarem a tendência majoritária do Supremo em meio a ele, dão ares de verdade à teoria da conspiração de que foram colocados lá justamente para ajudar os mensaleiros, especialmente os petistas.
Como insinuou ontem o presidente do STF e relator da primeira parte do julgamento do mensalão, o ministro Joaquim Barbosa: “O senhor já veio com o voto pronto? Parece que sim”.
Fora do armário
Como numa peça de Gil Vicente, o ministro Barroso acusou Todo Mundo para não punir Ninguém
Reinaldo Azevedo - FSP
Como num conto de Machado de Assis, "O Cônego ou Metafísica do Estilo"
(leiam), substantivo e adjetivo --que Machado batiza de "Sílvio" e
"Sílvia"-- já haviam se enlaçado na minha cachola e deveriam estar agora
na tela e no papel. Classificavam Gilberto Carvalho de agente sabotador
do governo Dilma a serviço de Lula. Sílvio e Sílvia sabem que a
presidente detesta Carvalho, no que é correspondida. Terão de esperar.
Algo mais urgente se alevantou: Luís Roberto Barroso, a esfinge sem
segredos do STF.
Reinaldo Azevedo - FSP
Não me lembro de nada tão grotesco no tribunal. O ministro decidiu ser o Catão da política, exacerbando a retórica moralista para cobrar uma reforma que barateie as campanhas eleitorais, lamentar a inércia dos políticos, afirmar que o idealismo se converteu em argentarismo, fustigar o "abominável espetáculo de hipocrisia" em que "todos apontam o dedo contra todos, mas mantêm "seus cadáveres no armário"... Pego carona na metáfora. Barroso saiu do armário e disse o que pensa sobre o mensalão: apenas "recursos não contabilizados" de campanha, como disse Delúbio Soares. Apesar do complexo de Schopenhauer, ele é só um Delúbio com toga, glacê e fricotes retóricos.
A fala ignora a essência golpista do mensalão. O que o foragido Henrique Pizzolato, por exemplo, tem a ver com custo de campanha? Parte do dinheiro que comprava partidos e políticos era público. Como numa peça de Gil Vicente, o ministro acusou Todo Mundo para não punir Ninguém. Nome do espetáculo: "A Farsa de Barroso". E a peroração assombrosa foi condizente com a sordidez do prólogo.
Um das coisas exóticas que já fiz na vida foi ter lido o livro "O Novo Direito Constitucional Brasileiro", de Barroso. Ele nos conta, entre ligeirezas, que era tal a sua ignorância da ritualística do processo penal que teve de indagar a um repórter desta Folha o que deveria fazer com o alvará de soltura do terrorista Cesare Battisti. Eu teria respondido.
Apelando a um procedimento descabido no julgamento de embargos infringentes --a Preliminar de Mérito--, o ministro resolveu pegar carona numa conta extravagante de Teori Zavascki --fruto de uma disciplina em voga chamada "direito criativo"--, e refazer a dosimetria, o que lhe era vedado nesta fase do processo, para declarar a prescrição da pena por quadrilha. A escolha era tão esdrúxula que, para que triunfasse, os ministros que antes absolveram teriam de condenar, mas com mansidão, para que, então, se declarasse a prescrição. Impossível, como sabe qualquer estudante no nível "massinha 1" de direito.
Com qual propósito? Barroso queria livrar a cara da turma, mas sem ficar com a pecha de salva-mensaleiro. Deve ter sido uma das maiores batatadas da história da corte. Flagrado, teve de refazer o seu voto e admitir, desenxabido, que estava inocentando todo mundo do crime de quadrilha.
Ainda que a ignorância fosse culposa, a argumentação foi tecnicamente dolosa. Segundo disse, na primeira votação, seus pares usaram a dosimetria para evitar a prescrição e agravar o regime inicial de cumprimento das penas. Essa é a posição oficial do PT, expressa em vários documentos. Joaquim Barbosa indagou se seu voto já estava pronto antes de se tornar ministro. Barroso havia ofendido o tribunal primeiro. Nota: Natan Donadon foi condenado por crime de quadrilha no desvio de R$ 8,4 milhões da Assembleia de Rondônia. Um bando que atua em escala nacional e que desviou R$ 73,8 milhões só do Fundo Visanet foi absolvido. Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli condenaram Donadon, mas absolveram os mensaleiros. Padre Vieira escreveu que o roubar pouco faz os piratas; o roubar muito, os Alexandres Magnos.
Ao ler o livro de Barroso, a gente entende que, para ele, a pressão de minorias organizadas, desde que "progressistas" --isto é, de esquerda--, tem mais valor do que a letra da lei. Os nossos bolivarianos estão saindo do armário.
Ficam para outra coluna os apelos de Sílvia e Sílvio.
O socialismo é um “truque” de gente mau-caráter
Rodrigo Constantino - VEJA
Rodrigo Constantino - VEJA
Em sua coluna
de hoje na Folha, Luiz Felipe Pondé parte para um ataque sem dó nem
piedade aos socialistas. A esquerda radical viveu por longos anos,
especialmente no Brasil, em uma hegemonia cultural completa. Não está
mais acostumada a ser confrontada no campo das ideias, por gente que não
a teme, que conhece sua história, que tem bagagem cultural e leu os
mesmos livros – ou muito mais.
Pondé argumenta, com razão, que o debate
político no país está muito atrasado, ainda na pré-história. Por aqui,
muitos ainda acham que socialismo e liberdade podem ser usados na mesma
frase, como se não fossem antagônicos, como toda experiência prova.
“Parece papo das assembleias da PUC do passado, manipuladoras e
autoritárias, como sempre”.
A esquerda mente. Tenta enganar os
incautos, os leigos. Finge ser uma “nova” esquerda, mas é a mesma velha
de sempre, defensora de um modelo autoritário que sufoca o progresso e a
liberdade individual. Basta ver sua reação quando se depara com gente
que está disposta a enfrentá-la nos debates. Pessoas inteligentes sem
medo da esquerda: eis o pavor dos esquerdistas.
Por isso a esquerda precisa apelar para o
monopólio da virtude. Como diz o filósofo: “Ela, a esquerda, constrói
para si a imagem de ‘humanista’, de superioridade moral, e de que quem
discorda dela o faz porque é mau”. Está em pânico porque, agora, há quem
a desafie e exponha tais métodos sem medo.
Professores esquerdistas perseguem e
intimidam alunos de direita, e o mercado de trabalho acadêmico muitas
vezes fica fechado para eles. A esquerda dissemina o ressentimento,
ilusões, “ama a preguiça, a inveja e a censura”. Deseja criar pessoas
dependentes dela e do estado, em vez de cidadãos livres e responsáveis
por suas próprias vidas.
Pondé recomenda O livro politicamente
incorreto da esquerda e do socialismo, do professor Kevin D. Williamson,
cujo prefácio da edição brasileira foi escrito por Guilherme Fiuza e divulguei aqui.
O autor derruba vários mitos de esquerda, mostra como ela sempre foi
militarista, degradou o meio-ambiente e não deu certo nem na Suécia.
“O socialismo é tão pré-histórico quanto a
escravatura”, diz Pondé. Até agora, conseguiu manter suas aparências de
vanguardista, progressista, moderna. Mas a esquerda “não detém mais o
monopólio do pensamento público no Brasil”. “Não temos mais medo dela”.
Esse é o primeiro passo de sua derrocada. Quando as pessoas inteligentes
não a temem mais, é questão de tempo até suas mentiras serem
desmascaradas. Por isso o pânico de muitos esquerdistas. A hegemonia
acabou.
Líderes latino-americanos respondem de modo contido aos distúrbios na Venezuela
Quando o presidente
da Venezuela, Nicolás Maduro, chegou a Havana para uma reunião regional
no mês passado, a solidariedade latino-americana e caribenha parecia
triunfante. Os Estados Unidos não foram convidados, e em um discurso
após o outro, os líderes da região expressaram confiança em um futuro
unido e compartilhado.
Maduro em particular, frequentemente sorrindo ao lado do presidente de Cuba, Raúl Castro, enfatizou que a América Latina continuaria em seu próprio caminho de paz, separado dos "interesses imperiais" dos Estados Unidos.
"Com sua visão de dinossauro, eles não entendem o que está acontecendo e
o que acontecerá em nossa vida econômica, social e política nos
próximos anos", ele disse.
Mas agora, enquanto a Venezuela cambaleia com os maiores protestos de rua desde a morte do ex-presidente Hugo Chávez, é a região que parece incerta e dividida sobre como responder.
A maioria das declarações vindas dos governos latino-americanos e entidades regionais lamenta as mortes de pelo menos quatro pessoas nas recentes manifestações e pede pelo diálogo. Mas críticas fortes a qualquer lado, culpa, ameaças e exigências –antes reações comuns em crises anteriores, como ao governo de mão pesada de Alberto Fujimori no Peru, nos anos 90, argumentam o analistas– são raras.
"Agora é: 'Nós estamos concentrados na democracia em nosso próprio país, mas se algo acontece em um vizinho, nós não diremos nada'", disse Michael Shifter, presidente da Diálogo Interamericano, um fórum de políticas. "Isso é uma mudança."
Muitos especialistas argumentam que a resposta contida reflete grandes
mudanças no poder e nos governos. As políticas latino-americanas
costumavam ser mais polarizadas e voláteis. Ao longo de grande parte do
século 20, guerras civis e governos repressivos lançaram longas sombras
na região. Os Estados Unidos também exerciam um papel autoritário,
escolhendo líderes e apoiando golpes, geralmente por temor do comunismo.
Havia divisões ideológicas mais profundas e, em grande parte, dois tipos de governos latino-americanos: liderados pelos militares ou democraticamente eleitos. A meta para a região, como foi articulado na Carta Interamericana de 2001 da Organização dos Estados Americanos, parecia ser uma jornada do primeiro para o segundo, uma transformação que a região realizou em um grau notável.
Agora, os desafios em muitos países frequentemente envolvem menos chegar à democracia e mais atender as expectativas criadas pela democracia.
Os Estados Unidos ainda são um objeto comum de desprezo e culpa: Maduro expulsou três diplomatas americanos da Venezuela nesta semana, os acusando de recrutar estudantes para as manifestações violentas; e na sexta-feira, ele revogou as credenciais de imprensa dos jornalistas da "CNN". Mas a dinâmica regional e interna cada vez mais se distancia de Washington.
Os americanos podem financiar grupos da sociedade civil na região, mas seria um exagero atribuir os imensos protestos de rua do ano passado no Brasil, os protestos indígenas na Bolívia ou o levante da polícia no Equador nos últimos anos aos "interesses imperiais" dos Estados Unidos.
A Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos, ou CELAC, e outras entidades regionais representam uma tentativa de solidariedade, separada dos Estados Unidos, e os países latino-americanos às vezes se unem a respeito da intervenção em algumas disputas domésticas, particularmente quando presidentes são removidos sumariamente. Em 2009, o hemisfério, incluindo os Estados Unidos, se uniu para condenar a derrubada do presidente de Honduras, Manuel Zelaya. Mais recentemente, os países sul-americanos puniram o Paraguai pela remoção do presidente Fernando Lugo, em 2012.
Mas fora a remoção de um presidente –como as restrições à imprensa no Equador, os muitos abusos de direitos humanos pelos militares no México ou, nesta semana, a prisão de um líder da oposição na Venezuela– os países na região frequentemente parecem hesitantes em interferir nos assuntos dos vizinhos.
"O verdadeiro desafio na região agora é como lidar uns com os outros nessas coisas", disse Joy Olson, diretor executivo do Escritório de Washington para a América Latina, um grupo de defesa. "Quando há governos eleitos democraticamente que acabam minando direitos democráticos e liberdades civis –e é possível colocar muitos países nesse pote, incluindo os Estados Unidos– como se deve lidar com isso? É isso tudo que está sendo renegociado."
A maior integração econômica parece exercer um papel importante. A presidente do Brasil, Dilma Rousseff, não comentou sobre a crise na Venezuela, e com as empresas brasileiras colhendo frutos de seu ingresso na Venezuela, o governo dela tem apoiado tacitamente Maduro nas declarações das principais organizações regionais da América do Sul, a Unasul e o Mercosul, este uma organização comercial na qual o Brasil exerce um papel proeminente. As críticas das declarações não foram direcionadas para Maduro, mas sim às "tentativas de desestabilizar a ordem democrática".
O ministro das Relações Exteriores do Brasil, Luiz Alberto Figueiredo, também contornou qualquer crítica a Maduro.
Outros países que se beneficiaram com a "petropolítica" da Venezuela –com acordos favoráveis de energia distribuídos por toda a América Central e Caribe– se mantiveram em silêncio ou apoiaram Maduro. O presidente da Bolívia, Evo Morales, um aliado que compra petróleo venezuelano em termos favoráveis, falou várias vezes publicamente em apoio a Maduro e acusando os Estados Unidos de tentarem desestabilizar a Venezuela.
De fato, a política tradicional da região não foi exatamente exorcizada. Os presidentes que chegaram mais perto de criticar Maduro são Ricardo Martinelli, do Panamá, Juan Manuel Santos, da Colômbia, e Sebastián Piñera, do Chile, líderes de países que abraçaram políticas mais voltadas ao mercado do que os outros na região.
Os Estados Unidos também aumentaram suas críticas. Na quarta-feira, o presidente Barack Obama pediu à Venezuela que solte os manifestantes presos e rejeitou as acusações de interferência americana. "Em vez de tentar distrair de seus próprios fracassos, inventando acusações falsas contra diplomatas dos Estados Unidos, o governo deveria se concentrar em tratar das queixas legítimas do povo venezuelano", ele disse.
Mesmo assim, os analistas notam que tem havido menos disputas do que nos anos anteriores, mas também não muita diplomacia. Ver líderes de 33 países latino-americanos e caribenhos se reunindo em Cuba para a reunião da CELAC, sem que os Estados Unidos e o Canadá fossem convidados, mostra o declínio da influência da diplomacia americana na região. Esse declínio contribui para o que Shifter descreveu como uma postura americana de "Tudo bem, vamos ver como eles se saem sem nós".
Pairando por trás de tudo isso, ele acrescentou, está Cuba.
"Sejam quais forem as críticas que alguém possa ter em relação à Venezuela", disse Shifter, "ela continua sendo a principal benfeitora de Cuba e, como testemunhamos na reunião da CELAC, se há uma questão em que todos os países latino-americanos e caribenhos concordam é na solidariedade com Cuba diante do embargo americano. Se os governos latino-americanos se erguessem contra Maduro e dissessem: 'Você precisa parar com a repressão', eles seriam vistos como enfraquecendo um governo que fornece para Cuba e sustenta o país. A política envolvida nisso é muito, muito complicada".
Tradutor: George El Khouri Andolfato
Damien Cave - NYT
Luis Robayo/AFP Carros
pegam fogo no Cotattur, órgão de turismo de Tachira, durante protesto
contra o governo de Nicolás Maduro, em San Cristobal, capital do Estado
de Tachira, na VenezuelaMaduro em particular, frequentemente sorrindo ao lado do presidente de Cuba, Raúl Castro, enfatizou que a América Latina continuaria em seu próprio caminho de paz, separado dos "interesses imperiais" dos Estados Unidos.
Mas agora, enquanto a Venezuela cambaleia com os maiores protestos de rua desde a morte do ex-presidente Hugo Chávez, é a região que parece incerta e dividida sobre como responder.
A maioria das declarações vindas dos governos latino-americanos e entidades regionais lamenta as mortes de pelo menos quatro pessoas nas recentes manifestações e pede pelo diálogo. Mas críticas fortes a qualquer lado, culpa, ameaças e exigências –antes reações comuns em crises anteriores, como ao governo de mão pesada de Alberto Fujimori no Peru, nos anos 90, argumentam o analistas– são raras.
"Agora é: 'Nós estamos concentrados na democracia em nosso próprio país, mas se algo acontece em um vizinho, nós não diremos nada'", disse Michael Shifter, presidente da Diálogo Interamericano, um fórum de políticas. "Isso é uma mudança."
Havia divisões ideológicas mais profundas e, em grande parte, dois tipos de governos latino-americanos: liderados pelos militares ou democraticamente eleitos. A meta para a região, como foi articulado na Carta Interamericana de 2001 da Organização dos Estados Americanos, parecia ser uma jornada do primeiro para o segundo, uma transformação que a região realizou em um grau notável.
Agora, os desafios em muitos países frequentemente envolvem menos chegar à democracia e mais atender as expectativas criadas pela democracia.
Os Estados Unidos ainda são um objeto comum de desprezo e culpa: Maduro expulsou três diplomatas americanos da Venezuela nesta semana, os acusando de recrutar estudantes para as manifestações violentas; e na sexta-feira, ele revogou as credenciais de imprensa dos jornalistas da "CNN". Mas a dinâmica regional e interna cada vez mais se distancia de Washington.
Os americanos podem financiar grupos da sociedade civil na região, mas seria um exagero atribuir os imensos protestos de rua do ano passado no Brasil, os protestos indígenas na Bolívia ou o levante da polícia no Equador nos últimos anos aos "interesses imperiais" dos Estados Unidos.
A Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos, ou CELAC, e outras entidades regionais representam uma tentativa de solidariedade, separada dos Estados Unidos, e os países latino-americanos às vezes se unem a respeito da intervenção em algumas disputas domésticas, particularmente quando presidentes são removidos sumariamente. Em 2009, o hemisfério, incluindo os Estados Unidos, se uniu para condenar a derrubada do presidente de Honduras, Manuel Zelaya. Mais recentemente, os países sul-americanos puniram o Paraguai pela remoção do presidente Fernando Lugo, em 2012.
Mas fora a remoção de um presidente –como as restrições à imprensa no Equador, os muitos abusos de direitos humanos pelos militares no México ou, nesta semana, a prisão de um líder da oposição na Venezuela– os países na região frequentemente parecem hesitantes em interferir nos assuntos dos vizinhos.
"O verdadeiro desafio na região agora é como lidar uns com os outros nessas coisas", disse Joy Olson, diretor executivo do Escritório de Washington para a América Latina, um grupo de defesa. "Quando há governos eleitos democraticamente que acabam minando direitos democráticos e liberdades civis –e é possível colocar muitos países nesse pote, incluindo os Estados Unidos– como se deve lidar com isso? É isso tudo que está sendo renegociado."
A maior integração econômica parece exercer um papel importante. A presidente do Brasil, Dilma Rousseff, não comentou sobre a crise na Venezuela, e com as empresas brasileiras colhendo frutos de seu ingresso na Venezuela, o governo dela tem apoiado tacitamente Maduro nas declarações das principais organizações regionais da América do Sul, a Unasul e o Mercosul, este uma organização comercial na qual o Brasil exerce um papel proeminente. As críticas das declarações não foram direcionadas para Maduro, mas sim às "tentativas de desestabilizar a ordem democrática".
O ministro das Relações Exteriores do Brasil, Luiz Alberto Figueiredo, também contornou qualquer crítica a Maduro.
Outros países que se beneficiaram com a "petropolítica" da Venezuela –com acordos favoráveis de energia distribuídos por toda a América Central e Caribe– se mantiveram em silêncio ou apoiaram Maduro. O presidente da Bolívia, Evo Morales, um aliado que compra petróleo venezuelano em termos favoráveis, falou várias vezes publicamente em apoio a Maduro e acusando os Estados Unidos de tentarem desestabilizar a Venezuela.
De fato, a política tradicional da região não foi exatamente exorcizada. Os presidentes que chegaram mais perto de criticar Maduro são Ricardo Martinelli, do Panamá, Juan Manuel Santos, da Colômbia, e Sebastián Piñera, do Chile, líderes de países que abraçaram políticas mais voltadas ao mercado do que os outros na região.
Os Estados Unidos também aumentaram suas críticas. Na quarta-feira, o presidente Barack Obama pediu à Venezuela que solte os manifestantes presos e rejeitou as acusações de interferência americana. "Em vez de tentar distrair de seus próprios fracassos, inventando acusações falsas contra diplomatas dos Estados Unidos, o governo deveria se concentrar em tratar das queixas legítimas do povo venezuelano", ele disse.
Mesmo assim, os analistas notam que tem havido menos disputas do que nos anos anteriores, mas também não muita diplomacia. Ver líderes de 33 países latino-americanos e caribenhos se reunindo em Cuba para a reunião da CELAC, sem que os Estados Unidos e o Canadá fossem convidados, mostra o declínio da influência da diplomacia americana na região. Esse declínio contribui para o que Shifter descreveu como uma postura americana de "Tudo bem, vamos ver como eles se saem sem nós".
Pairando por trás de tudo isso, ele acrescentou, está Cuba.
"Sejam quais forem as críticas que alguém possa ter em relação à Venezuela", disse Shifter, "ela continua sendo a principal benfeitora de Cuba e, como testemunhamos na reunião da CELAC, se há uma questão em que todos os países latino-americanos e caribenhos concordam é na solidariedade com Cuba diante do embargo americano. Se os governos latino-americanos se erguessem contra Maduro e dissessem: 'Você precisa parar com a repressão', eles seriam vistos como enfraquecendo um governo que fornece para Cuba e sustenta o país. A política envolvida nisso é muito, muito complicada".
Tradutor: George El Khouri Andolfato
Eclipse global do Brasil
Marcos Troyjo - FSP
O imenso potencial do país é conhecido; a ideia de eclipse sugere ocultação só temporária dos astros
Países, assim como estilos, entram e saem de moda.
Marcos Troyjo - FSP
O imenso potencial do país é conhecido; a ideia de eclipse sugere ocultação só temporária dos astros
No início dos anos 90, México e Tailândia estavam com tudo. A "crise tequila" de 94 e "maquiladoras" ofuscadas pela hipercompetitividade chinesa minaram o entusiasmo pelo primeiro. Em 97, o derretimento do baht tailandês precipitou o colapso financeiro do Sudeste Asiático e aparou garras do promissor "tigre".
Muito do balde de água fria que a conjuntura joga neste ou naquele país deve-se à formação de expectativas do mercado financeiro, por vezes superficial e imediatista. Será então que o atual desalento com que o Brasil é visto no mundo deve-se a seu desempenho como destino de investimentos de portfólio?
Sobram motivos para entender que a perda de brilho extrapola apostas financeiras. O "eclipse" envolve percalços abrangentes nos três campos das relações internacionais: o econômico-comercial, o político-militar e o dos "valores".
Durante a cúpula do G20 há cinco anos, Obama chamava Lula de "o cara". O Brasil era "o país". Parecia em rota para ultrapassar a França como quinta maior economia em 2015. Hoje, após três anos de crescimento medíocre, estamos às portas da recessão técnica. Taxas de poupança e investimento inferiores a 20% do PIB, ocaso do Mercosul e inexistência de acordos comerciais com polos mais dinâmicos projetam baixa expansão.
Também nosso "soft power" irradia-se com menos força. Programas como o Bolsa Família, cuja aplicabilidade se cogitou na África e noutras regiões em desenvolvimento, têm viabilidade questionada na ausência de crescimento vigoroso.
Na política externa, mesmo que a reforma do Conselho de Segurança da ONU andasse, qual a contribuição efetiva do Brasil à segurança internacional se, no próprio território, 50 mil homicídios/ano superam a destruição de vida nos conflitos de Afeganistão, Iraque e Sudão?
Na América Latina, a liderança brasileira fragmentou-se com inconsistência moral. Empregamos "padrões duplos" --marca do cinismo de potências que sempre criticamos-- nas crises presidenciais de Honduras e Paraguai. Nossa tradição de equilíbrio parece incongruente com endosso automático aos regimes de Cuba e Venezuela.
Grande capital diplomático foi despendido para elegermos dirigentes de instituições como OMC e FAO, cujas funções são arbitrais e de coordenação, não a alavancagem direta dos interesses brasileiros.
Acrescente-se o atabalhoamento de Dilma na diplomacia presidencial --a que, quando chamada, vexa compatriotas-- e se completa o quadro de retração brasileira em diversas frentes globais.
Esse eclipse não resulta tão somente de ceticismo macroeconômico ou inépcia internacional da presidente. Reformas estruturantes, essenciais ao bom lugar do Brasil no mundo, terão de incluir também a política externa.
O imenso potencial brasileiro é conhecido e admirado --e a ideia de eclipse sugere ocultação só temporária dos astros. Trabalhemos para que isso, e não um obscurecimento mais profundo, seja o que aguarda o Brasil no concerto internacional.
O desfecho do mensalão
O Estado de S.Paulo
Seria apenas irônico, se o episódio não pudesse tisnar a imagem da nova composição do Supremo Tribunal Federal (STF): parece ter sido finalmente provada a tese do PT de que o julgamento da Ação Penal 470 tem um componente predominantemente político. Uma "maioria de circunstância, formada sob medida", como afirmou em seu voto um inconformado ministro Joaquim Barbosa - mas, de qualquer modo, um colegiado diferente daquele que julgou o mensalão em 2012 -, reverteu a decisão original da Corte e absolveu José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoino e mais cinco do crime de formação de quadrilha, livrando os dois primeiros do cumprimento da pena em regime fechado.
Essa nova decisão não livra da cadeia os ex-dirigentes petistas condenados agora a penas inferiores a 8 anos, mas oferece ao partido no poder o argumento, extremamente útil num ano eleitoral, de que seus ex-dirigentes não formaram uma quadrilha para comprar apoio parlamentar.
Agiram então, segundo o STF, por iniciativa individual, como criminosos avulsos. O que não impede de estarem inapelavelmente encarcerados.
A acusação de atuar politicamente, ou de armar "uma farsa", que a companheirada lançou contra a Suprema Corte quando percebeu que seus líderes seriam inevitavelmente condenados, foi uma tentativa, muito bem-sucedida pelo menos no que diz respeito à militância petista, de transformar em mártires criminosos como José Dirceu, Delúbio Soares e José Genoino e preservar a imagem de um partido que alardeia ser monopolista da virtude.
Essa estratégia se tornou evidente durante a sustentação oral dos advogados de defesa dos petistas, na abertura do julgamento dos embargos infringentes. Numa ação obviamente articulada, relegaram a segundo plano as razões e os argumentos jurídicos para promover um ato de desagravo político aos seus clientes.
Todos os ex-dirigentes petistas que a Justiça colocou atrás das grades depois de um longo e meticuloso julgamento pela Suprema Corte transformaram-se, na retórica de seus causídicos, em heróis com admirável folha de serviços prestados ao País e injustamente condenados por um tribunal que se comportou como se fosse de exceção.
Ninguém mencionou, é claro, o fato de que 8 dos 11 ministros que então compunham o STF foram nomeados pelos governos petistas. Mas o defensor de Genoino foi mais longe: garantiu que o fato de o PT estar no poder há quase 12 anos é indesmentível "sinal de que o povo concorda com as práticas que vêm sendo adotadas". O que não é verdade.
O desfecho do julgamento do mensalão merece uma reflexão que, acima das paixões ideológicas e partidárias, contribua para o aperfeiçoamento institucional do Brasil. É impossível, por exemplo, haver estabilidade, precondição para o desenvolvimento, numa sociedade que não respeita suas instituições fundamentais. E o Judiciário é uma delas.
Pode-se discordar de suas decisões que, afinal, são tomadas por falíveis seres humanos. E, para garantir a incolumidade dos direitos individuais diante de eventuais erros da magistratura, existe uma ampla legislação processual. Mas questionar a legitimidade do Poder Judiciário e de seus agentes é conspirar contra a estabilidade institucional. Numa sociedade democrática a ninguém é dado esse direito.
Assim, é lamentável a necessidade de registrar e reprovar a insistência com que o presidente do STF e relator do mensalão, ministro Joaquim Barbosa, tem atropelado o decoro de um colégio de altos magistrados para se comportar com acintosa agressividade e intolerância sempre que seus pares divergem de seus votos. A recente elevação do tom desses rompantes pode sugerir que não se trata mais, apenas, de uma questão de temperamento irascível, mas de cálculo político.
Ainda falta o exame de embargos menos relevantes, mas é chegada a hora de o triste episódio do mensalão sair de cena - sem prejuízo de ações correlatas, como o chamado mensalão mineiro, ou tucano - para que a Justiça produza seus efeitos e continue a cumprir seu curso.
O Estado de S.Paulo
Seria apenas irônico, se o episódio não pudesse tisnar a imagem da nova composição do Supremo Tribunal Federal (STF): parece ter sido finalmente provada a tese do PT de que o julgamento da Ação Penal 470 tem um componente predominantemente político. Uma "maioria de circunstância, formada sob medida", como afirmou em seu voto um inconformado ministro Joaquim Barbosa - mas, de qualquer modo, um colegiado diferente daquele que julgou o mensalão em 2012 -, reverteu a decisão original da Corte e absolveu José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoino e mais cinco do crime de formação de quadrilha, livrando os dois primeiros do cumprimento da pena em regime fechado.
Essa nova decisão não livra da cadeia os ex-dirigentes petistas condenados agora a penas inferiores a 8 anos, mas oferece ao partido no poder o argumento, extremamente útil num ano eleitoral, de que seus ex-dirigentes não formaram uma quadrilha para comprar apoio parlamentar.
Agiram então, segundo o STF, por iniciativa individual, como criminosos avulsos. O que não impede de estarem inapelavelmente encarcerados.
A acusação de atuar politicamente, ou de armar "uma farsa", que a companheirada lançou contra a Suprema Corte quando percebeu que seus líderes seriam inevitavelmente condenados, foi uma tentativa, muito bem-sucedida pelo menos no que diz respeito à militância petista, de transformar em mártires criminosos como José Dirceu, Delúbio Soares e José Genoino e preservar a imagem de um partido que alardeia ser monopolista da virtude.
Essa estratégia se tornou evidente durante a sustentação oral dos advogados de defesa dos petistas, na abertura do julgamento dos embargos infringentes. Numa ação obviamente articulada, relegaram a segundo plano as razões e os argumentos jurídicos para promover um ato de desagravo político aos seus clientes.
Todos os ex-dirigentes petistas que a Justiça colocou atrás das grades depois de um longo e meticuloso julgamento pela Suprema Corte transformaram-se, na retórica de seus causídicos, em heróis com admirável folha de serviços prestados ao País e injustamente condenados por um tribunal que se comportou como se fosse de exceção.
Ninguém mencionou, é claro, o fato de que 8 dos 11 ministros que então compunham o STF foram nomeados pelos governos petistas. Mas o defensor de Genoino foi mais longe: garantiu que o fato de o PT estar no poder há quase 12 anos é indesmentível "sinal de que o povo concorda com as práticas que vêm sendo adotadas". O que não é verdade.
O desfecho do julgamento do mensalão merece uma reflexão que, acima das paixões ideológicas e partidárias, contribua para o aperfeiçoamento institucional do Brasil. É impossível, por exemplo, haver estabilidade, precondição para o desenvolvimento, numa sociedade que não respeita suas instituições fundamentais. E o Judiciário é uma delas.
Pode-se discordar de suas decisões que, afinal, são tomadas por falíveis seres humanos. E, para garantir a incolumidade dos direitos individuais diante de eventuais erros da magistratura, existe uma ampla legislação processual. Mas questionar a legitimidade do Poder Judiciário e de seus agentes é conspirar contra a estabilidade institucional. Numa sociedade democrática a ninguém é dado esse direito.
Assim, é lamentável a necessidade de registrar e reprovar a insistência com que o presidente do STF e relator do mensalão, ministro Joaquim Barbosa, tem atropelado o decoro de um colégio de altos magistrados para se comportar com acintosa agressividade e intolerância sempre que seus pares divergem de seus votos. A recente elevação do tom desses rompantes pode sugerir que não se trata mais, apenas, de uma questão de temperamento irascível, mas de cálculo político.
Ainda falta o exame de embargos menos relevantes, mas é chegada a hora de o triste episódio do mensalão sair de cena - sem prejuízo de ações correlatas, como o chamado mensalão mineiro, ou tucano - para que a Justiça produza seus efeitos e continue a cumprir seu curso.
Num ato de jequice calculada, governo do Brasil responde a uma crítica do “Financial Times”
Reinaldo Azevedo - VEJA
Que preguiça!
Reinaldo Azevedo - VEJA
Que preguiça!
Desde
quando, mundo afora, um chefe de governo bate boca com um órgão de
comunicação porque este emitiu uma opinião desfavorável? Aconteceu mais
uma vez com Dilma. O jornal “Financial Times” publicou nesta quarta um
editorial em que afirmou que Guido Mantega deveria ser substituído por
um ministro da Fazenda pró-mercado. Segundo o texto, diante do Brasil,
os investidores antes diziam: “Vamos lá”. Agora, “deixem pra lá”. Pois
é… Imaginem o presidente Obama mobilizando seus assessores para
responder a editoriais críticos aos EUA…
Dilma
subiu nas tamancas mais uma vez. Thomas Traumann, secretário de
Comunicação, enviou uma resposta ao jornal cheia de ironia, um atributo
das almas superiores. “Talvez [o critério utilizado seja] um crescimento
econômico de 2,3% em 2013, ou uma taxa de desemprego de 5,4% no ano
passado, ou talvez reservas internacionais de US$ 376 bilhões e taxas de
inflação abaixo de 6%”. Com isso, convidava os britânicos a comparar a
sua própria taxa de crescimento (1,8%) e de desemprego (7,1%) com as do
Brasil. Com a devida vênia, é pra enganar trouxa. Se for para falar a
sério, então é preciso começar a comparação pelo PIB per capita. Mais:
um empregado considerado “classe média” no Brasil certamente preferiria
ser um desempregado na Grã-Bretanha…
Mas a
questão relevante é outra. Não foi o governo britânico que se referiu ao
Brasil, mas um jornal. Será que a Casa Branca enviará uma carta à VEJA
ou à Folha ironizando o Brasil se esses dois veículos criticarem em
editorial decisões daquele governo? Trata-se de uma jequice calculada.
Esse tipo de coisa açula um certo nacionalismo bocó.
Não é a
primeira vez que o Planalto faz isso. Em dezembro de 2012, a revista The
Economist, também britânica, alertava que o Brasil estava se tornando
menos atraente e que Mantega já não era mais capaz de enfrentar os
desafios da economia. Criticou ainda o excesso de ingerência do estado:
“Um bom exemplo é o aparente desejo de Dilma de reduzir o retorno sobre o
investimento na ‘base do porrete’, não só para bancos, mas também para
as empresas de energia elétrica e fornecedores de infraestrutura”,
escreveu a Economist, numa referência à insistência do Palácio do
Planalto em querer convencer empresários a investir ao mesmo tempo em
que lhes negava um retorno adequado para participar dos investimentos.
Bem, tanto
a revista estava certa que o governo mudou as regras das concessões —
embora tarde. Dilma ficou brava e chegou até a evocar a soberania
nacional. Não é a primeira vez, diga-se, que o Financial Times aponta o
acabrunhamento do Brasil. Em fevereiro do ano passado, diante do baixo
crescimento de 2012, o jornal já chama o ministro da Fazenda de “Guido
Vidente”.
DÓRICAS
Nada é para já
Dora Kramer - O Estado de S.Paulo
A mesma voz do bom senso que aconselharia o ministro Joaquim Barbosa a ficar longe da política eleitoral ao menos até esfriarem os ânimos do mensalão diria ao ex-presidente Luiz Inácio da Silva que disputar a Presidência da República de novo não seria um bom negócio.
Em 2014, em 2018 nem nunca mais. O mesmo se aplica ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, guardadas algumas proporções. FH ganhou duas no primeiro turno, saiu na segunda gestão mais para lá do que para cá em termos de popularidade e vive uma ótima vida de homenagens sem deixar de fazer política. Para que concorrer a uma eleição e ainda se arriscar a perder?
Lula saiu consagrado da Presidência. Com popularidade altíssima depois de dois mandatos, capital político mais que robusto, o comandante incontestável de seu partido em plena posse de suas atividades. Em português claro: manda e desmanda, com mandato ou sem.
Porém, governou com céu de brigadeiro e a situação mudou. Por que arriscar esse patrimônio concorrendo a uma eleição se a vida está ótima assim? Para quem saiu com mais de 80% de aprovação, qualquer 75% é perda. Ademais, o horizonte não se desenha risonho e franco para o próximo período.
Ocorre, contudo, que o PT precisa manter o poder. Não tem outro nome além de Lula e se aflige com a possibilidade de não conseguir com Dilma Rousseff. Daí o que o secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho, chama de "fofocas" sobre a possibilidade de o ex-presidente vir a se candidatar agora no lugar da sucessora.
Há apostas do lado do "sim" e do lado do "não". Hoje a balança pesa mais para a primeira hipótese. Mas, seja qual for a decisão, não seria tomada agora. O ex-presidente tem tempo e razões de sobra para postergar.
Vamos à lista dos motivos: 1.Dilma está na frente nas pesquisas; 2. A oposição ainda não se configura uma ameaça que justifique movimentos radicais; 3. Seria uma precipitação, pois as candidaturas só precisam ser oficialmente definidas em junho; 4. Assumir a candidatura agora equivaleria a dizer que Lula considera Dilma incapaz de ganhar e que, portanto, o governo dela é um fracasso; 5. Fracasso dele, o fiador de gestora tão competente como nunca antes aparecera neste País.
O essencial. Com todos os senões que se possam enxergar no fato de uma decisão do Supremo Tribunal Federal ser reformulada pelos votos de dois ministros que não participaram do julgamento, contrariando a maioria que acompanhou passo a passo o processo, um dado é fundamental.
O projeto do partido no poder de que os réus, ou pelo menos aqueles do chamado núcleo político, fossem absolvidos de maneira a prevalecer a tese de que o mensalão foi uma farsa, não teve êxito.
A ideia de que uma Corte majoritariamente nomeada por governos do PT poderia se submeter aos interesses do partido não vingou. Do ponto de vista institucional na comparação com outros países em que o Poder Executivo eleito de forma democrática, mas exercido de forma autoritária, o Brasil saiu-se muito bem.
Nessa perspectiva tanto faz se altos dirigentes partidários tenham formado uma quadrilha ou um "concurso de agentes" para o cometimento de crimes.
O importante é o reconhecimento de que os cometeram e que, mesmo poderosos e providos de costas quentes, estão pagando por isso. Não foram declarados inocentes nem se podem dizer vítimas de injustiças. Tiveram todas as chances.
Inclusive a oportunidade de um novo julgamento em instância superior, em tese única. Se o enredo não saiu como previam, deve-se à solidez dos homens e mulheres que não deixaram o Supremo Tribunal Federal se curvar às conveniências do Planalto.
Breve pausa. A política se recolhe durante o carnaval, voltando a abrir alas e a pedir passagem na próxima sexta-feira, dia 7.
Dora Kramer - O Estado de S.Paulo
A mesma voz do bom senso que aconselharia o ministro Joaquim Barbosa a ficar longe da política eleitoral ao menos até esfriarem os ânimos do mensalão diria ao ex-presidente Luiz Inácio da Silva que disputar a Presidência da República de novo não seria um bom negócio.
Em 2014, em 2018 nem nunca mais. O mesmo se aplica ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, guardadas algumas proporções. FH ganhou duas no primeiro turno, saiu na segunda gestão mais para lá do que para cá em termos de popularidade e vive uma ótima vida de homenagens sem deixar de fazer política. Para que concorrer a uma eleição e ainda se arriscar a perder?
Lula saiu consagrado da Presidência. Com popularidade altíssima depois de dois mandatos, capital político mais que robusto, o comandante incontestável de seu partido em plena posse de suas atividades. Em português claro: manda e desmanda, com mandato ou sem.
Porém, governou com céu de brigadeiro e a situação mudou. Por que arriscar esse patrimônio concorrendo a uma eleição se a vida está ótima assim? Para quem saiu com mais de 80% de aprovação, qualquer 75% é perda. Ademais, o horizonte não se desenha risonho e franco para o próximo período.
Ocorre, contudo, que o PT precisa manter o poder. Não tem outro nome além de Lula e se aflige com a possibilidade de não conseguir com Dilma Rousseff. Daí o que o secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho, chama de "fofocas" sobre a possibilidade de o ex-presidente vir a se candidatar agora no lugar da sucessora.
Há apostas do lado do "sim" e do lado do "não". Hoje a balança pesa mais para a primeira hipótese. Mas, seja qual for a decisão, não seria tomada agora. O ex-presidente tem tempo e razões de sobra para postergar.
Vamos à lista dos motivos: 1.Dilma está na frente nas pesquisas; 2. A oposição ainda não se configura uma ameaça que justifique movimentos radicais; 3. Seria uma precipitação, pois as candidaturas só precisam ser oficialmente definidas em junho; 4. Assumir a candidatura agora equivaleria a dizer que Lula considera Dilma incapaz de ganhar e que, portanto, o governo dela é um fracasso; 5. Fracasso dele, o fiador de gestora tão competente como nunca antes aparecera neste País.
O essencial. Com todos os senões que se possam enxergar no fato de uma decisão do Supremo Tribunal Federal ser reformulada pelos votos de dois ministros que não participaram do julgamento, contrariando a maioria que acompanhou passo a passo o processo, um dado é fundamental.
O projeto do partido no poder de que os réus, ou pelo menos aqueles do chamado núcleo político, fossem absolvidos de maneira a prevalecer a tese de que o mensalão foi uma farsa, não teve êxito.
A ideia de que uma Corte majoritariamente nomeada por governos do PT poderia se submeter aos interesses do partido não vingou. Do ponto de vista institucional na comparação com outros países em que o Poder Executivo eleito de forma democrática, mas exercido de forma autoritária, o Brasil saiu-se muito bem.
Nessa perspectiva tanto faz se altos dirigentes partidários tenham formado uma quadrilha ou um "concurso de agentes" para o cometimento de crimes.
O importante é o reconhecimento de que os cometeram e que, mesmo poderosos e providos de costas quentes, estão pagando por isso. Não foram declarados inocentes nem se podem dizer vítimas de injustiças. Tiveram todas as chances.
Inclusive a oportunidade de um novo julgamento em instância superior, em tese única. Se o enredo não saiu como previam, deve-se à solidez dos homens e mulheres que não deixaram o Supremo Tribunal Federal se curvar às conveniências do Planalto.
Breve pausa. A política se recolhe durante o carnaval, voltando a abrir alas e a pedir passagem na próxima sexta-feira, dia 7.
O BC parece contar com a desaceleração da economia
O Estado de S.Paulo
A decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) de elevar a taxa básica de juro em 0,25 ponto porcentual, de 10,5% ao ano para 10,75% ao ano, era esperada pelos agentes econômicos, o que facilitou a adoção dessa taxa. Mas há uma interpretação corrente no mercado de que a elevação da Selic ficou apenas na metade da adotada nas últimas reuniões (0,5 ponto porcentual) porque o Banco Central (BC) parece acreditar que o desaquecimento da economia completará o trabalho de controlar a inflação, evitando assim a necessidade de maiores aumentos do juro básico.
O comunicado do Copom distribuído após a reunião de terça e quarta-feira não fechou as portas para novas altas da taxa básica. O texto repete que a decisão dá "prosseguimento ao processo de ajuste da taxa básica de juros, iniciado na reunião de abril de 2013". O Banco Central foi prudente. A questão é saber se teria sido melhor, para a sua credibilidade, elevar mais um vez o juro em 0,5 ponto porcentual.
Nos últimos dez meses, o juro básico subiu 3,5 pontos porcentuais - abrindo espaço para a alta dos juros nas operações livres, ajudando a reduzir o ritmo da oferta de crédito.
Mas a inflação caiu relativamente pouco no período. O IPCA acumulado em 12 meses passou de 6,49% ao ano, em abril, para 5,59% ao ano, em janeiro - ou seja, cedeu 0,9 ponto porcentual, menos do que a alta da Selic. A inflação projetada para 2014 e 2015 continua acima das metas - 6% e 5,7%, respectivamente, segundo a pesquisa Focus.
Houve poucas críticas à deliberação do Copom, mas o ex-presidente do BC Gustavo Loyola notou que o maior risco para a inflação vem do câmbio, que o governo não controla. Já a economista Monica de Bolle, da Casa das Garças, acredita que o crescimento do PIB, neste ano, poderá ser semelhante ao de 2013 - acima, portanto, da média das projeções, de 1,67%, neste ano. Para o PIB crescer 2,3% ou mais, a demanda também terá de crescer, com o risco de mais inflação e, assim, estimulando novas elevações do juro.
Não há, por ora, a possibilidade de prever, com boa margem de segurança, se o juro básico voltará a subir na próxima reunião do Copom ou se será mantido nos 10,75% ao ano válidos desde ontem. Isso dependerá da inflação. Que terá como pressão adicional, em relação a 2013, um reajuste maior dos preços administrados. Com alta de 0,5 ponto, o BC teria mostrado vontade mais firme de usar a única arma de que o governo dispõe.
O Estado de S.Paulo
A decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) de elevar a taxa básica de juro em 0,25 ponto porcentual, de 10,5% ao ano para 10,75% ao ano, era esperada pelos agentes econômicos, o que facilitou a adoção dessa taxa. Mas há uma interpretação corrente no mercado de que a elevação da Selic ficou apenas na metade da adotada nas últimas reuniões (0,5 ponto porcentual) porque o Banco Central (BC) parece acreditar que o desaquecimento da economia completará o trabalho de controlar a inflação, evitando assim a necessidade de maiores aumentos do juro básico.
O comunicado do Copom distribuído após a reunião de terça e quarta-feira não fechou as portas para novas altas da taxa básica. O texto repete que a decisão dá "prosseguimento ao processo de ajuste da taxa básica de juros, iniciado na reunião de abril de 2013". O Banco Central foi prudente. A questão é saber se teria sido melhor, para a sua credibilidade, elevar mais um vez o juro em 0,5 ponto porcentual.
Nos últimos dez meses, o juro básico subiu 3,5 pontos porcentuais - abrindo espaço para a alta dos juros nas operações livres, ajudando a reduzir o ritmo da oferta de crédito.
Mas a inflação caiu relativamente pouco no período. O IPCA acumulado em 12 meses passou de 6,49% ao ano, em abril, para 5,59% ao ano, em janeiro - ou seja, cedeu 0,9 ponto porcentual, menos do que a alta da Selic. A inflação projetada para 2014 e 2015 continua acima das metas - 6% e 5,7%, respectivamente, segundo a pesquisa Focus.
Houve poucas críticas à deliberação do Copom, mas o ex-presidente do BC Gustavo Loyola notou que o maior risco para a inflação vem do câmbio, que o governo não controla. Já a economista Monica de Bolle, da Casa das Garças, acredita que o crescimento do PIB, neste ano, poderá ser semelhante ao de 2013 - acima, portanto, da média das projeções, de 1,67%, neste ano. Para o PIB crescer 2,3% ou mais, a demanda também terá de crescer, com o risco de mais inflação e, assim, estimulando novas elevações do juro.
Não há, por ora, a possibilidade de prever, com boa margem de segurança, se o juro básico voltará a subir na próxima reunião do Copom ou se será mantido nos 10,75% ao ano válidos desde ontem. Isso dependerá da inflação. Que terá como pressão adicional, em relação a 2013, um reajuste maior dos preços administrados. Com alta de 0,5 ponto, o BC teria mostrado vontade mais firme de usar a única arma de que o governo dispõe.
A crise da Crimeia
O Estado de S.Paulo
Nikita Sergueievich Kruchev deve estar se revolvendo no túmulo do cemitério Novodevichy, em Moscou, onde jaz desde 1971. Em 1954, o ditador resolveu dar à então República Socialista Soviética da Ucrânia um presentaço pelo 300.º aniversário da unificação do país com a Rússia: entregou-lhe a Península da Crimeia, no Mar Negro, outrora a joia da coroa da Rússia imperial e resort privilegiado das cortes czaristas - como viria a ser, depois da Revolução, da elite comunista, a nomenklatura do regime.
Kruchev mencionou de passagem a decisão a alguns camaradas a caminho de um almoço. Naturalmente, todos assentiram. Em seguida, numa sessão de apenas 15 minutos, o órgão máximo do Estado, o Presidium do Conselho Supremo da URSS, chancelou a aparente generosidade. Aparente porque, na realidade, se tratava de uma reparação. No final dos anos 1930, sob as ordens de Stalin, Kruchev comandou em território ucraniano o expurgo dos "inimigos do povo" que abateu milhares de pessoas.
De mais a mais, como lembra a sua bisneta, Nina Krucheva, professora de relações internacionais em Nova York, em 1954 pouco importava se a Crimeia fizesse parte da Rússia ou da Ucrânia. Era tudo uma coisa só - para a eternidade. Mas, em 1992, passado um ano do desmoronamento da União Soviética, quando o Conselho Supremo, agora da Rússia, considerou ilegal o ato de Kruchev, o máximo que Moscou conseguiu da Ucrânia foi a denominação da Crimeia como república autônoma.
O problema - que acaba de irromper a plena força com a queda do presidente ucraniano pró-russo Viktor Yanukovich, derrubado por uma insurreição popular - é a composição étnica da Crimeia. São de origem russa, falam russo, têm estreitos laços econômicos com a Rússia e se sentem parte da Mãe-Pátria, como dizem, cerca de 60% dos 2 milhões de habitantes da região. Foi para a Crimeia, por sinal, que Yanukovich fugiu.
A destituição do que era, afinal, um presidente legítimo - e que assim continua a se considerar - pôs em pé de guerra, de um lado, a maioria russa da península e, de outro, as minorias ucraniana e tártara. Esta última, muçulmana, representando uns 15% da população, odeia a Rússia por dois motivos. Um, a deportação de 190 mil dos seus para a Ásia Central, em 1944, acusados por Stalin de colaborar com os nazistas. (Só puderam voltar em 1991.) Outro, a aversão do presidente Vladimir Putin aos islâmicos em geral, na Rússia vítima de atentados terroristas.
Nos últimos dias, membros das três etnias se engalfinharam em Simferopol, a capital da região. Ontem, nacionalistas russos, com máscaras e armas, ocuparam o Parlamento e edifícios públicos, neles hasteando a bandeira da Federação Russa. Diante da sede do Legislativo, o líder de um grupo que se intitula Movimento Russo para a Crimeia leu uma nota de Yanukovich, já albergado na Rússia, reiterando ser o presidente de direito da Ucrânia e pedindo a Moscou que garanta a sua segurança pessoal ameaçada pelos "extremistas".
Em Kiev, o governo interino considerou irrelevantes as palavras do líder deposto. Mas as novas autoridades levam apropriadamente a sério a possibilidade de erupção de um movimento separatista na Crimeia, com o apoio de Moscou. O temor - compartilhado pelo Ocidente - se agravou com a primeira resposta de Putin à sua maior derrota desde que chegou ao Kremlin, como premiê, em 1999. Na quarta-feira, três dias depois do abalo, colocou em alerta as tropas no oeste russo e ordenou manobras de vulto na soleira da Ucrânia.
Pode ser apenas o que os argentinos chamam saludo a la bandera - uma homenagem ritualística ao poderio nacional, para avisar aos novos governantes ucranianos e seus aliados ocidentais que não podem ignorar a realidade geopolítica da região. Putin decerto está pronto para advertir que ela inclui o bem-estar dos russos da Crimeia. Ali está fundeada a frota do país no Mar Negro. O chanceler Sergei Lavrov já está dizendo que a Rússia "não transigirá" na defesa dos seus compatriotas na Ucrânia.
O Estado de S.Paulo
Nikita Sergueievich Kruchev deve estar se revolvendo no túmulo do cemitério Novodevichy, em Moscou, onde jaz desde 1971. Em 1954, o ditador resolveu dar à então República Socialista Soviética da Ucrânia um presentaço pelo 300.º aniversário da unificação do país com a Rússia: entregou-lhe a Península da Crimeia, no Mar Negro, outrora a joia da coroa da Rússia imperial e resort privilegiado das cortes czaristas - como viria a ser, depois da Revolução, da elite comunista, a nomenklatura do regime.
Kruchev mencionou de passagem a decisão a alguns camaradas a caminho de um almoço. Naturalmente, todos assentiram. Em seguida, numa sessão de apenas 15 minutos, o órgão máximo do Estado, o Presidium do Conselho Supremo da URSS, chancelou a aparente generosidade. Aparente porque, na realidade, se tratava de uma reparação. No final dos anos 1930, sob as ordens de Stalin, Kruchev comandou em território ucraniano o expurgo dos "inimigos do povo" que abateu milhares de pessoas.
De mais a mais, como lembra a sua bisneta, Nina Krucheva, professora de relações internacionais em Nova York, em 1954 pouco importava se a Crimeia fizesse parte da Rússia ou da Ucrânia. Era tudo uma coisa só - para a eternidade. Mas, em 1992, passado um ano do desmoronamento da União Soviética, quando o Conselho Supremo, agora da Rússia, considerou ilegal o ato de Kruchev, o máximo que Moscou conseguiu da Ucrânia foi a denominação da Crimeia como república autônoma.
O problema - que acaba de irromper a plena força com a queda do presidente ucraniano pró-russo Viktor Yanukovich, derrubado por uma insurreição popular - é a composição étnica da Crimeia. São de origem russa, falam russo, têm estreitos laços econômicos com a Rússia e se sentem parte da Mãe-Pátria, como dizem, cerca de 60% dos 2 milhões de habitantes da região. Foi para a Crimeia, por sinal, que Yanukovich fugiu.
A destituição do que era, afinal, um presidente legítimo - e que assim continua a se considerar - pôs em pé de guerra, de um lado, a maioria russa da península e, de outro, as minorias ucraniana e tártara. Esta última, muçulmana, representando uns 15% da população, odeia a Rússia por dois motivos. Um, a deportação de 190 mil dos seus para a Ásia Central, em 1944, acusados por Stalin de colaborar com os nazistas. (Só puderam voltar em 1991.) Outro, a aversão do presidente Vladimir Putin aos islâmicos em geral, na Rússia vítima de atentados terroristas.
Nos últimos dias, membros das três etnias se engalfinharam em Simferopol, a capital da região. Ontem, nacionalistas russos, com máscaras e armas, ocuparam o Parlamento e edifícios públicos, neles hasteando a bandeira da Federação Russa. Diante da sede do Legislativo, o líder de um grupo que se intitula Movimento Russo para a Crimeia leu uma nota de Yanukovich, já albergado na Rússia, reiterando ser o presidente de direito da Ucrânia e pedindo a Moscou que garanta a sua segurança pessoal ameaçada pelos "extremistas".
Em Kiev, o governo interino considerou irrelevantes as palavras do líder deposto. Mas as novas autoridades levam apropriadamente a sério a possibilidade de erupção de um movimento separatista na Crimeia, com o apoio de Moscou. O temor - compartilhado pelo Ocidente - se agravou com a primeira resposta de Putin à sua maior derrota desde que chegou ao Kremlin, como premiê, em 1999. Na quarta-feira, três dias depois do abalo, colocou em alerta as tropas no oeste russo e ordenou manobras de vulto na soleira da Ucrânia.
Pode ser apenas o que os argentinos chamam saludo a la bandera - uma homenagem ritualística ao poderio nacional, para avisar aos novos governantes ucranianos e seus aliados ocidentais que não podem ignorar a realidade geopolítica da região. Putin decerto está pronto para advertir que ela inclui o bem-estar dos russos da Crimeia. Ali está fundeada a frota do país no Mar Negro. O chanceler Sergei Lavrov já está dizendo que a Rússia "não transigirá" na defesa dos seus compatriotas na Ucrânia.
Venezuela mergulha em uma ditadura
Enrique Krauze - NYTMuitos dos jovens estudantes que protestam nas ruas da Venezuela não têm memória de nenhum governo fora o do presidente Hugo Chávez. Mas agora que faz quase um ano de sua morte, eles sabem que não querem envelhecer sob o mesmo tipo de regime.
Em 2007, estudantes
marcharam nas ruas depois que o governo Chávez fechou a "RCTV", a
emissora independente de televisão mais antiga da Venezuela. Perto do
fim daquele mesmo ano, eles foram a principal força por trás da
posterior rejeição do plano de Chávez de formar uma federação entre a
Venezuela e Cuba.
Agora, um grande número dos irmãos e irmãs mais jovens deles voltaram às ruas para protestar contra o governo do presidente Nicolás Maduro. Eles não estão pedindo para que o governo deixe de ajudar os pobres; eles estão protestando contra a incompetência econômica do governo e contra os limites cada vez mais rígidos à liberdade de expressão na mídia nacional.
Estudantes politicamente ativos chegam a dezenas de milhares na Venezuela. A vasta maioria deles simpatiza com a oposição ao chavismo, o movimento social populista inspirado por Chávez, e eles acusam acertadamente o governo Maduro de ser altamente corrupto.
Os estudantes estão cientes de como Chávez assumiu o controle dos processos legislativo, fiscal, judicial e eleitoral do país. Durante seus mais de 14 anos no poder, sob a fachada da retórica ornamentada, Chávez fez uso desregulado e perdulário dos dezenas de bilhões de dólares ganhos anualmente pela empresa estatal de petróleo PDVSA.
Eles também sabem que a inflação na Venezuela é a mais alta na América Latina e que a dívida pública se tornou inadministrável. Há uma escassez de alimentos básicos, eletricidade, cimento e medicamentos --em grande parte devido à má gestão do governo, expropriações de empresas privadas e a falta de investimento privado. E eles sabem que o país deles tem a pior taxa de criminalidade na América Latina.
Os manifestantes de hoje se ressentem especialmente da supressão quase total de informação sobre a verdadeira condição do país. Enquanto Chávez trombeteava suas realizações (algumas reais, a maioria imaginária) por horas em programas de televisão e rádio, Maduro optou por reprimir as vozes dissidentes, deixando apenas a versão oficial da verdade. Para consolidar seu controle da mídia, o governo tomou a "Globovisión", a última emissora independente de televisão do país. Igualmente, o rádio independente também está quase morto, e o governo restringiu a venda de papel de jornal, a ponto da liberdade de imprensa poder em breve estar condenada.
Claramente, a Venezuela está mergulhando na ditadura. A repressão aos dissidentes está se espalhando pelo país. Mais de uma dúzia de pessoas já morreu nos protestos, muitas delas estudantes, enquanto o governo emprega a polícia e o exército na repressão; muitas outras pessoas foram feridas ou presas nesses confrontos brutais.
Os estudantes contam com o apoio de muitos de seus pais e professores, e pela menos de metade da população que votou contra Maduro na eleição de 2013. Mas vários meios de comunicação em outras partes da América Latina se voltaram contra eles, com vários jornais, assim como um número surpreendente de jovens usuários do Twitter, expressando apoio à repressão pelo governo Maduro e condenando os estudantes como "reacionários" e "fascistas".
Às imagens no YouTube de estudantes sendo espancados e mortos nas ruas, Maduro respondeu com alegações de que seu país está no meio de uma "guerra cibernética". (Muitas pessoas concordam com ele.)
E quando o presidente decidiu que a cobertura das manifestações por alguns repórteres da "CNN" era favorável demais aos manifestantes, ele ameaçou suspender suas transmissões e expulsar o principal âncora da rede.
Na Venezuela, o poder da ideologia é facilmente compreendido: o vasto encanto lançado por Chávez persiste e milhões de pessoas permanecem convencidas de que o chavismo de fato fez coisas boas. Também há um lado prático nessa lealdade, já que muitas pessoas dependem diretamente de ajuda financeira e material do governo, enquanto o empreendimento privado e o investimento continuam definhando.
Fora da Venezuela, o apoio latino-americano ao chavismo vem de duas fontes: o prestígio duradouro da Revolução Cubana e os cálculos econômicos frios de vários países, que estão se posicionando cuidadosamente para os futuros anos pós-Castro.
O atraso político na América Latina é explicado principalmente pela lealdade ao que é, em grande parte, um mito: o de que a revolução social, e não a democracia, é a rota preferida. Nossos ídolos políticos não foram democratas, mas sim redentores, como Fidel Castro. De fato, Cuba continua a ser o centro nervoso da ideologia na América Latina. Como testamento de seu peso, quase todos os presidentes latino-americanos estiveram presentes na cúpula da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos, realizada no final do mês passado em Havana, na qual Fidel Castro foi saudado como "guia político e moral".
Mas os interesses materiais dos irmãos latino-americanos da Venezuela também são importantes. O Brasil, por exemplo, vê a abertura de oportunidades econômicas em Cuba depois que os irmãos Castro saírem de cena e não quer que nada fique no caminho. Daí o apoio do Brasil à estabilidade em Cuba, assim como aos laços de salvaguarda entre Havana e Caracas (a Venezuela fornece petróleo para Cuba). Assim temos a situação estranha da presidente do Brasil, Dilma Rousseff, que foi torturada quando era estudante pelos militares brasileiros, defendendo, ou pelo menos tolerando, a repressão armada aos estudantes na Venezuela.
Mas os jovens que colocam em risco suas vidas protestando contra o governo não estão interessados em geopolítica. O que eles sabem é que o progresso democrático precisa de mais do que apenas eleições para avançar; ele exige plena liberdade de expressão na mídia. Não se sabe por quanto tempo essa disputa em particular durará entre o poder bruto do governo e aqueles que defendem a democracia. De qualquer forma, ela ocorrerá nas ruas da Venezuela.
(Enrique Krauze é um historiador, editor da revista literária "Letras Libres" e autor de "Os Redentores: Ideia e Poder na América Latina".)
Tradutor: George El Khouri Andolfato
Agora, um grande número dos irmãos e irmãs mais jovens deles voltaram às ruas para protestar contra o governo do presidente Nicolás Maduro. Eles não estão pedindo para que o governo deixe de ajudar os pobres; eles estão protestando contra a incompetência econômica do governo e contra os limites cada vez mais rígidos à liberdade de expressão na mídia nacional.
Estudantes politicamente ativos chegam a dezenas de milhares na Venezuela. A vasta maioria deles simpatiza com a oposição ao chavismo, o movimento social populista inspirado por Chávez, e eles acusam acertadamente o governo Maduro de ser altamente corrupto.
Os estudantes estão cientes de como Chávez assumiu o controle dos processos legislativo, fiscal, judicial e eleitoral do país. Durante seus mais de 14 anos no poder, sob a fachada da retórica ornamentada, Chávez fez uso desregulado e perdulário dos dezenas de bilhões de dólares ganhos anualmente pela empresa estatal de petróleo PDVSA.
Eles também sabem que a inflação na Venezuela é a mais alta na América Latina e que a dívida pública se tornou inadministrável. Há uma escassez de alimentos básicos, eletricidade, cimento e medicamentos --em grande parte devido à má gestão do governo, expropriações de empresas privadas e a falta de investimento privado. E eles sabem que o país deles tem a pior taxa de criminalidade na América Latina.
Os manifestantes de hoje se ressentem especialmente da supressão quase total de informação sobre a verdadeira condição do país. Enquanto Chávez trombeteava suas realizações (algumas reais, a maioria imaginária) por horas em programas de televisão e rádio, Maduro optou por reprimir as vozes dissidentes, deixando apenas a versão oficial da verdade. Para consolidar seu controle da mídia, o governo tomou a "Globovisión", a última emissora independente de televisão do país. Igualmente, o rádio independente também está quase morto, e o governo restringiu a venda de papel de jornal, a ponto da liberdade de imprensa poder em breve estar condenada.
Claramente, a Venezuela está mergulhando na ditadura. A repressão aos dissidentes está se espalhando pelo país. Mais de uma dúzia de pessoas já morreu nos protestos, muitas delas estudantes, enquanto o governo emprega a polícia e o exército na repressão; muitas outras pessoas foram feridas ou presas nesses confrontos brutais.
Os estudantes contam com o apoio de muitos de seus pais e professores, e pela menos de metade da população que votou contra Maduro na eleição de 2013. Mas vários meios de comunicação em outras partes da América Latina se voltaram contra eles, com vários jornais, assim como um número surpreendente de jovens usuários do Twitter, expressando apoio à repressão pelo governo Maduro e condenando os estudantes como "reacionários" e "fascistas".
Às imagens no YouTube de estudantes sendo espancados e mortos nas ruas, Maduro respondeu com alegações de que seu país está no meio de uma "guerra cibernética". (Muitas pessoas concordam com ele.)
E quando o presidente decidiu que a cobertura das manifestações por alguns repórteres da "CNN" era favorável demais aos manifestantes, ele ameaçou suspender suas transmissões e expulsar o principal âncora da rede.
Na Venezuela, o poder da ideologia é facilmente compreendido: o vasto encanto lançado por Chávez persiste e milhões de pessoas permanecem convencidas de que o chavismo de fato fez coisas boas. Também há um lado prático nessa lealdade, já que muitas pessoas dependem diretamente de ajuda financeira e material do governo, enquanto o empreendimento privado e o investimento continuam definhando.
Fora da Venezuela, o apoio latino-americano ao chavismo vem de duas fontes: o prestígio duradouro da Revolução Cubana e os cálculos econômicos frios de vários países, que estão se posicionando cuidadosamente para os futuros anos pós-Castro.
O atraso político na América Latina é explicado principalmente pela lealdade ao que é, em grande parte, um mito: o de que a revolução social, e não a democracia, é a rota preferida. Nossos ídolos políticos não foram democratas, mas sim redentores, como Fidel Castro. De fato, Cuba continua a ser o centro nervoso da ideologia na América Latina. Como testamento de seu peso, quase todos os presidentes latino-americanos estiveram presentes na cúpula da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos, realizada no final do mês passado em Havana, na qual Fidel Castro foi saudado como "guia político e moral".
Mas os interesses materiais dos irmãos latino-americanos da Venezuela também são importantes. O Brasil, por exemplo, vê a abertura de oportunidades econômicas em Cuba depois que os irmãos Castro saírem de cena e não quer que nada fique no caminho. Daí o apoio do Brasil à estabilidade em Cuba, assim como aos laços de salvaguarda entre Havana e Caracas (a Venezuela fornece petróleo para Cuba). Assim temos a situação estranha da presidente do Brasil, Dilma Rousseff, que foi torturada quando era estudante pelos militares brasileiros, defendendo, ou pelo menos tolerando, a repressão armada aos estudantes na Venezuela.
Mas os jovens que colocam em risco suas vidas protestando contra o governo não estão interessados em geopolítica. O que eles sabem é que o progresso democrático precisa de mais do que apenas eleições para avançar; ele exige plena liberdade de expressão na mídia. Não se sabe por quanto tempo essa disputa em particular durará entre o poder bruto do governo e aqueles que defendem a democracia. De qualquer forma, ela ocorrerá nas ruas da Venezuela.
(Enrique Krauze é um historiador, editor da revista literária "Letras Libres" e autor de "Os Redentores: Ideia e Poder na América Latina".)
Tradutor: George El Khouri Andolfato
Sem o humor e a postura de Chávez, Maduro fracassa como presidente da Venezuela
Jens Glüsing - Der Spiegel
Jens Glüsing - Der Spiegel
O cheiro de fumaça invade Caracas. Um grupo de moças construiu uma
barricada de estrados de madeira e sacos de lixo e fez uma fogueira na
rua principal que corta Bello Monte, um bairro de classe média na
capital venezuelana.
A pequena estudante universitária Elizabeth
Camacho brinca com uma lata de gás e segura um pau cheio de pregos. Ela
usa uma camiseta branca e um boné de beisebol com as cores nacionais da
Venezuela, uma espécie de uniforme vestido por muitos manifestantes.
Parece descontraída e ignora os xingamentos que vêm dos motoristas que
se esforçam para manobrar seus carros e dar meia volta. "Nós exigimos
segurança", diz ela. "O governo precisa finalmente conter a violência."
Os estudantes que se manifestam em Caracas há vários dias construíram barricadas nas ruas e ocuparam praças. O movimento começou há duas semanas em San Cristóbal, no estado de Táchira, perto da fronteira com a Colômbia. Em poucos dias se espalhou por todo o país.
Os estudantes protestam contra a inflação, o desabastecimento e a corrupção. Principalmente, porém, eles vão às ruas contra a violência das tropas de choque paramilitares do país. "Vamos protestar até que o governo desarme os coletivos", diz Camacho.
"Coletivos" é o nome dado às milícias brutais que até o falecido presidente Hugo Chávez apoiava. Hoje o governo de seu sucessor, Nicolás Maduro, está enviando os homens armados atrás dos ativistas de oposição, com mascarados em motocicletas percorrendo as ruas e disparando contra manifestantes, às vezes seguindo os estudantes até as universidades. Pelo menos 13 pessoas morreram nos tumultos e cerca de 150 ficaram feridas.
Na última terça-feira (25), esses milicianos aterrorizaram o bairro de Altamira, um reduto da oposição em Caracas. Durante horas, cerca de 150 motos passaram em velocidade pela praça central e armas foram disparadas para o ar. Um punhado de passantes tiveram ferimentos de balas.
De fato, Maduro se comporta muito como um Chávez de bigode, mas falta-lhe seu humor precursor e especialmente sua postura. Muitas vezes ele parece tenso, ajeita a camisa e tropeça nas palavras.
Chávez morreu há menos de um ano, mas começou a preparar Maduro como seu príncipe herdeiro alguns meses antes, principalmente devido à obediência do ex-motorista de ônibus que virou ministro. Ninguém era tão obediente quanto Maduro. Foi uma decisão terrível para o país: o que Maduro não tem em carisma compensa com radicalismo. Ele arruinou a economia do país e muitas vezes recorreu a Cuba, seu mais próximo aliado, para orientação. E tentou silenciar a oposição com uma campanha de puro terror. Recentemente, porém, começou a parecer que terá dificuldade para recuperar o controle dos protestos.
Quando começou o mandato de Maduro, havia grande esperança de que ele pudesse reconciliar o país dividido. Ele tentou o contato com os EUA e deu a impressão de que estava disposto a abrir um diálogo com políticos de oposição. Mas na semana passada expulsou três diplomatas americanos, afirmando que eles apoiavam "os fascistas da oposição".
Recentemente, ele transgrediu a liberdade de expressão em um grau maior do que o próprio Chávez. Ele arranjou a compra da última estação de televisão crítica da Venezuela e incitou seus apoiadores contra a "emissora fascista" "CNN" e outros jornalistas estrangeiros. Um "vice-ministro para redes sociais" foi encarregado de monitorar o que os venezuelanos publicam no Twitter e em outros lugares, enquanto os dois maiores jornais críticos ao governo têm dificuldades para publicar devido à falta de papel.
O presidente é um ideólogo teimoso escondido atrás de uma fachada jovial. Ele lançou uma nova onda de desapropriações e aumentou o controle do governo nas favelas, com organizações de moradores monitorando os residentes no modelo dos "comitês para defesa da revolução" de Cuba.
A deputada Mariá Corina Machado recebe visitantes no escritório de sua organização, La Salida (a saída). Machado é a aliada mais próxima do político de oposição Leopoldo López, 42. Ela mantém as coisas em movimento enquanto López aguarda em uma prisão militar que o regime Maduro o leve a julgamento.
Formado em Harvard e ex-prefeito do próspero município de Chacao, López é a voz da oposição. Ele é educado, carismático e impaciente. Apenas a contragosto aceitou que Enrique Capriles, o governador moderado de Miranda, fosse o candidato de oposição na eleição presidencial em abril passado. Ele queria disputar.
Maduro ganhou por uma maioria mínima e López nunca aceitou o resultado da eleição. Ele rompeu com Capriles e deu seu apoio ao movimento de protesto estudantil. Depois que três manifestantes foram mortos durante choques violentos em Caracas em 12 de fevereiro, López foi responsabilizado, com a promotoria acusando-o de incitamento ao homicídio. Com o processo já iniciado, o judiciário reduziu as acusações para destruição de propriedade pública.
López escondeu-se durante cinco dias mas se entregou em uma manobra digna de Hollywood: acenando uma bandeira venezuelana durante uma manifestação em massa, ele subiu em um veículo militar e foi dirigido em comboio até cadeia, escoltado por seus seguidores. Tornou-se um mártir da noite para o dia e hoje é a figura mais conhecida da oposição no país.
Os riscos que López está assumindo são significativos. Ele está polarizando o país e desafia abertamente o regime. "Não queremos esperar seis anos até a próxima eleição. Então o país estará em ruínas", disse sua aliada, Corina Machado. "Maduro deve renunciar assim que possível."
Isso não pode ser dito de Maduro, porém. Sua vitória na eleição do ano passado foi tudo menos uma avalanche, e mesmo nas favelas - que já foram a fonte de poder de Chávez - suas políticas econômicas não são bem recebidas. Para combater a inflação maciça do país, de mais de 50%, Maduro adotou o controle de preços. As lojas que pedem preços que ele considera altos demais simplesmente são ocupadas. "Vamos garantir que todos tenham uma televisão a plasma", disse o presidente e obrigou as lojas a vendê-las barato.
"Isso é saque sob a égide do Estado", diz Diego Arria, ex-embaixador da Venezuela na ONU. "Maduro está destruindo o setor privado."
A produção de petróleo é responsável por aproximadamente um terço do PIB do país e mais de 70% dos produtos de consumo são importados. Mas o rendimento dos poços de petróleo da Venezuela vem caindo há anos e a gasolina e os alimentos são fortemente subsidiados. Hoje o governo está ficando sem caixa. A taxa de câmbio oficial é de cerca de 6,3 bolívares por dólar, mas no mercado negro pode chegar a 84 bolívares por dólar.
Muitas lojas estão vazias, e até farinha de milho, e papel higiênico estão sujeitos a escassez. Filas como as vistas em Cuba tornaram-se comuns e as pessoas tentam desesperadamente conseguir dólares. "Uma tempestade perfeita está se formando na Venezuela", diz Arria.
O governo tem dificuldade até para fornecer o básico às favelas de Caracas. No vasto bairro de 23 de Enero, as pessoas fazem longas filas na frente do supermercado estatal; senhas são feitas em tiras de papelão. Chavistas controlam a entrada da loja e glorificam Maduro e a revolução para os compradores. A maioria dos que esperam permanecem em silêncio. A cada três dias, eles murmuram silenciosamente quando os guardas não estão prestando atenção, seus cupons alimentares vão lhes conseguir frango do Brasil, dois quilos de farinha e nada mais.
Mas mesmo entre os militares a insatisfação está se espalhando. "Os soldados só não tiveram coragem de abrir a boca ainda", diz um funcionário administrativo que trabalha em Fuerte Tiuna, uma base militar nos arredores de Caracas.
Até Chávez tinha começado a perceber que o inimigo estava do lado de dentro. Ele mandou prender oficiais e um ex-ministro da Defesa que o criticaram, sob a acusação de corrupção. Alguns deles permanecem trancados na prisão militar de Ramo Verde, próxima a Caracas --a apenas algumas celas de distância de Leopoldo López.
Na frente da prisão, um grupo de mulheres se reúne - as mães de dezenas de estudantes universitários que foram detidos durante os protestos. Alguns prisioneiros são menores, outros estão feridos. "Eles bateram na cabeça do meu filho", diz Beatriz Munga, uma mãe desesperadamente preocupada. "Só quero saber como ele está."
Ela tira seu celular e mostra um vídeo feito pelos companheiros de protesto de seu filho. Podem-se ouvir tiros e golpes, motores de motocicleta e alguns gritos. E então a tela fica preta.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
Os estudantes que se manifestam em Caracas há vários dias construíram barricadas nas ruas e ocuparam praças. O movimento começou há duas semanas em San Cristóbal, no estado de Táchira, perto da fronteira com a Colômbia. Em poucos dias se espalhou por todo o país.
Os estudantes protestam contra a inflação, o desabastecimento e a corrupção. Principalmente, porém, eles vão às ruas contra a violência das tropas de choque paramilitares do país. "Vamos protestar até que o governo desarme os coletivos", diz Camacho.
"Coletivos" é o nome dado às milícias brutais que até o falecido presidente Hugo Chávez apoiava. Hoje o governo de seu sucessor, Nicolás Maduro, está enviando os homens armados atrás dos ativistas de oposição, com mascarados em motocicletas percorrendo as ruas e disparando contra manifestantes, às vezes seguindo os estudantes até as universidades. Pelo menos 13 pessoas morreram nos tumultos e cerca de 150 ficaram feridas.
Na última terça-feira (25), esses milicianos aterrorizaram o bairro de Altamira, um reduto da oposição em Caracas. Durante horas, cerca de 150 motos passaram em velocidade pela praça central e armas foram disparadas para o ar. Um punhado de passantes tiveram ferimentos de balas.
Um Chávez de bigode
Um dia depois, Maduro ocupou os canais de televisão do país para ridicularizar em público seus adversários. Usando camisa vermelha, ele foi o anfitrião de um programa ao vivo como um MC, com um desempenho que lembrava seu antecessor. Chávez costumava chamar os defensores da oposição de "magricelas". Maduro prefere chamá-los de "fascistas".De fato, Maduro se comporta muito como um Chávez de bigode, mas falta-lhe seu humor precursor e especialmente sua postura. Muitas vezes ele parece tenso, ajeita a camisa e tropeça nas palavras.
Chávez morreu há menos de um ano, mas começou a preparar Maduro como seu príncipe herdeiro alguns meses antes, principalmente devido à obediência do ex-motorista de ônibus que virou ministro. Ninguém era tão obediente quanto Maduro. Foi uma decisão terrível para o país: o que Maduro não tem em carisma compensa com radicalismo. Ele arruinou a economia do país e muitas vezes recorreu a Cuba, seu mais próximo aliado, para orientação. E tentou silenciar a oposição com uma campanha de puro terror. Recentemente, porém, começou a parecer que terá dificuldade para recuperar o controle dos protestos.
Quando começou o mandato de Maduro, havia grande esperança de que ele pudesse reconciliar o país dividido. Ele tentou o contato com os EUA e deu a impressão de que estava disposto a abrir um diálogo com políticos de oposição. Mas na semana passada expulsou três diplomatas americanos, afirmando que eles apoiavam "os fascistas da oposição".
Recentemente, ele transgrediu a liberdade de expressão em um grau maior do que o próprio Chávez. Ele arranjou a compra da última estação de televisão crítica da Venezuela e incitou seus apoiadores contra a "emissora fascista" "CNN" e outros jornalistas estrangeiros. Um "vice-ministro para redes sociais" foi encarregado de monitorar o que os venezuelanos publicam no Twitter e em outros lugares, enquanto os dois maiores jornais críticos ao governo têm dificuldades para publicar devido à falta de papel.
O presidente é um ideólogo teimoso escondido atrás de uma fachada jovial. Ele lançou uma nova onda de desapropriações e aumentou o controle do governo nas favelas, com organizações de moradores monitorando os residentes no modelo dos "comitês para defesa da revolução" de Cuba.
A voz da oposição
Maduro viaja frequentemente a Havana para consultar-se com os irmãos Castro; ele também foi sua preferência para suceder a Chávez. Os cubanos também monitoram o aparelho de segurança da Venezuela, a ponto de que chegam a emitir carteiras de identidade. Mas nas últimas semanas surgiu um adversário potencialmente perigoso para Maduro.A deputada Mariá Corina Machado recebe visitantes no escritório de sua organização, La Salida (a saída). Machado é a aliada mais próxima do político de oposição Leopoldo López, 42. Ela mantém as coisas em movimento enquanto López aguarda em uma prisão militar que o regime Maduro o leve a julgamento.
Formado em Harvard e ex-prefeito do próspero município de Chacao, López é a voz da oposição. Ele é educado, carismático e impaciente. Apenas a contragosto aceitou que Enrique Capriles, o governador moderado de Miranda, fosse o candidato de oposição na eleição presidencial em abril passado. Ele queria disputar.
Maduro ganhou por uma maioria mínima e López nunca aceitou o resultado da eleição. Ele rompeu com Capriles e deu seu apoio ao movimento de protesto estudantil. Depois que três manifestantes foram mortos durante choques violentos em Caracas em 12 de fevereiro, López foi responsabilizado, com a promotoria acusando-o de incitamento ao homicídio. Com o processo já iniciado, o judiciário reduziu as acusações para destruição de propriedade pública.
López escondeu-se durante cinco dias mas se entregou em uma manobra digna de Hollywood: acenando uma bandeira venezuelana durante uma manifestação em massa, ele subiu em um veículo militar e foi dirigido em comboio até cadeia, escoltado por seus seguidores. Tornou-se um mártir da noite para o dia e hoje é a figura mais conhecida da oposição no país.
Os riscos que López está assumindo são significativos. Ele está polarizando o país e desafia abertamente o regime. "Não queremos esperar seis anos até a próxima eleição. Então o país estará em ruínas", disse sua aliada, Corina Machado. "Maduro deve renunciar assim que possível."
"Destruindo o setor privado"
Mas os atos de López são calculados? Ou são fruto do desespero? Durante 12 anos a oposição vem fazendo de tudo para derrubar o governo. Ativistas encenaram uma tentativa de golpe, organizaram referendos e apresentaram candidatos nas eleições, mas Chávez sempre ganhou. O "caudilho" era considerado invencível.Isso não pode ser dito de Maduro, porém. Sua vitória na eleição do ano passado foi tudo menos uma avalanche, e mesmo nas favelas - que já foram a fonte de poder de Chávez - suas políticas econômicas não são bem recebidas. Para combater a inflação maciça do país, de mais de 50%, Maduro adotou o controle de preços. As lojas que pedem preços que ele considera altos demais simplesmente são ocupadas. "Vamos garantir que todos tenham uma televisão a plasma", disse o presidente e obrigou as lojas a vendê-las barato.
"Isso é saque sob a égide do Estado", diz Diego Arria, ex-embaixador da Venezuela na ONU. "Maduro está destruindo o setor privado."
A produção de petróleo é responsável por aproximadamente um terço do PIB do país e mais de 70% dos produtos de consumo são importados. Mas o rendimento dos poços de petróleo da Venezuela vem caindo há anos e a gasolina e os alimentos são fortemente subsidiados. Hoje o governo está ficando sem caixa. A taxa de câmbio oficial é de cerca de 6,3 bolívares por dólar, mas no mercado negro pode chegar a 84 bolívares por dólar.
Muitas lojas estão vazias, e até farinha de milho, e papel higiênico estão sujeitos a escassez. Filas como as vistas em Cuba tornaram-se comuns e as pessoas tentam desesperadamente conseguir dólares. "Uma tempestade perfeita está se formando na Venezuela", diz Arria.
O governo tem dificuldade até para fornecer o básico às favelas de Caracas. No vasto bairro de 23 de Enero, as pessoas fazem longas filas na frente do supermercado estatal; senhas são feitas em tiras de papelão. Chavistas controlam a entrada da loja e glorificam Maduro e a revolução para os compradores. A maioria dos que esperam permanecem em silêncio. A cada três dias, eles murmuram silenciosamente quando os guardas não estão prestando atenção, seus cupons alimentares vão lhes conseguir frango do Brasil, dois quilos de farinha e nada mais.
Tela preta
Os militares da Venezuela têm mais poder sobre Maduro, um civil, do que com o ex-oficial Chávez. Maduro distribuiu cargos importantes para cerca de 2.000 soldados e os militares hoje ocupam posições chaves nas empresas, controlam companhias inteiras. No fim da semana passada Maduro enviou um batalhão de paraquedistas a Táchira para conter os protestos.Mas mesmo entre os militares a insatisfação está se espalhando. "Os soldados só não tiveram coragem de abrir a boca ainda", diz um funcionário administrativo que trabalha em Fuerte Tiuna, uma base militar nos arredores de Caracas.
Até Chávez tinha começado a perceber que o inimigo estava do lado de dentro. Ele mandou prender oficiais e um ex-ministro da Defesa que o criticaram, sob a acusação de corrupção. Alguns deles permanecem trancados na prisão militar de Ramo Verde, próxima a Caracas --a apenas algumas celas de distância de Leopoldo López.
Na frente da prisão, um grupo de mulheres se reúne - as mães de dezenas de estudantes universitários que foram detidos durante os protestos. Alguns prisioneiros são menores, outros estão feridos. "Eles bateram na cabeça do meu filho", diz Beatriz Munga, uma mãe desesperadamente preocupada. "Só quero saber como ele está."
Ela tira seu celular e mostra um vídeo feito pelos companheiros de protesto de seu filho. Podem-se ouvir tiros e golpes, motores de motocicleta e alguns gritos. E então a tela fica preta.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
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