terça-feira, 29 de abril de 2014

Ajuste fiscal a canetadas
O Estado de S.Paulo
A área técnica do Ministério da Previdência Social e o próprio ministro Garibaldi Alves Filho tiveram de engolir a improvável projeção do déficit do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) em 2014 feita sob medida pelo Ministério da Fazenda para justificar a promessa do governo de que, neste ano, o superávit primário do setor público ficará em 1,9% do PIB. Nos anexos que embasam as projeções utilizadas na elaboração do projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2015, o déficit do RGPS, regime de responsabilidade do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), foi estimado em R$ 40,1 bilhões - valor muito próximo ao utilizado pelo governo ao anunciar a meta do superávit primário, mas que, há um mês, o ministro Garibaldi Alves considerara "completamente irreal", pois a área técnica de seu ministério previa um rombo de cerca de R$ 50 bilhões, semelhante ao déficit de 2013.
Para tentar conter a rápida corrosão da credibilidade da política fiscal, marcada nos últimos anos por manobras e artifícios contábeis, o governo Dilma considerou necessário assumir, logo no início de 2014, o compromisso de, pelo menos, repetir o resultado fiscal de 2013. Mas, para chegar à meta do superávit primário de 1,9% do PIB - que deveria ser alcançada com o corte real e expressivo de despesas correntes, como exige o atual quadro econômico, mas não recomendam as necessidades político-eleitorais da presidente Dilma Rousseff -, o governo simplesmente ajustou alguns números, entre os quais os do RGPS.
Para ter uma ideia do absurdo do déficit previdenciário anunciado pelo governo - e confirmado pelos documentos anexados ao projeto de LDO para o próximo ano -, basta examinar alguns dados recentes do INSS. O déficit previsto para 2014 corresponde à redução de praticamente 20% em relação ao déficit registrado no ano passado. O déficit de 2013 corresponde a 1,04% do PIB; o previsto para 2014, a 0,76%.
É um corte substancial, tanto em valor nominal como em porcentagem do PIB, sem que tenha havido nenhuma grande mudança nas regras de concessão dos benefícios, nem na dinâmica populacional, nem no mercado de trabalho que o justifique, o que mostra seu caráter fictício. Ciente de que a projeção não correspondia ao que apontam os dados recentes, o ministro da Previdência disse que números como esses "acabam depondo contra a gente".
Forçado pela presidente a se retratar, Garibaldi admitiu que as projeções do Ministério da Fazenda poderiam se confirmar neste ano. Os dados anexados ao projeto da LDO mostram que o ministro, afinal, se rendeu às manobras aritméticas do governo para justificar suas promessas na área fiscal. Continua firme no cargo.
Quem por convicção técnica e por senso de responsabilidade no exercício de função pública não concordou em participar dessas manobras pagou com o cargo. O secretário de Políticas de Previdência Social responsável pelas projeções que o ministro anunciou em março, Leonardo Rolim Guimarães, pediu demissão no início deste mês. Muito provavelmente, se não o fizesse, teria sido demitido - pois a política fiscal, vê-se agora, também se faz a canetadas. Sua exoneração não foi assinada pelo ministro da Previdência Social, seu superior imediato, mas pelo ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante.
A rendição da equipe técnica da Previdência aos padrões da política fiscal dilmista parece ter sido quase completa. Nas projeções financeiras e atuariais para o RGPS anexadas ao projeto de LDO, eles afirmam que os dados sobre receitas se basearam nos cenários estabelecidos pela Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda para estabelecer os novos parâmetros da política fiscal. O principal desses parâmetros é justamente a meta de superávit primário para 2014.
Não parece ser mera coincidência o fato de, depois de 2016, quando não há mais parâmetros do Ministério da Fazenda para o crescimento do PIB, o déficit previdenciário como porcentagem do PIB - praticamente estável até 2017 - passar a crescer na velocidade em que crescia até 2013.

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