terça-feira, 29 de abril de 2014

Especial Veja: Carlos Heitor Cony, o cronista na trincheira
Blog do Augusto Nunes - VEJA
CARLOS-HEITOR-CONY-1964
Um pouco a contragosto, a caminho de casa, o homem mais forte se apoia no braço do mais fraco, que segura um enorme guarda-chuva aberto sobre a cabeça de ambos. Estão sem palavras, embora fossem homens de palavras: Carlos Heitor Cony (o mais forte, fragilizado por uma operação de apendicite) e Carlos Drummond de Andrade (o mais fraco, porém generoso com o convalescente). Chovia em Copacabana naquele 1º de abril de 1964 e eles haviam acabado de ver uma cena quase surreal. No meio da rua, um oficial empilhava dois paralelepípedos — dois míseros paralelepípedos — com o objetivo de “deter os tanques do I Exército”, caso houvesse resistência ao golpe. Na verdade, o comandante do I Exército, general Armando de Moraes Ancora, leal ao governo, já havia desistido, com palavras que ficaram conhecidas. “Já decidi que não vou abrir fogo contra os cadetes, porque será um peso que não tirarei mais de cima de meus ombros — matar a mocidade militar da minha terra”, disse quando soube que alunos da Academia Militar das Agulhas Negras marchavam com os rebelados.
Cony só pensava na risível trincheira, que acabou na sua crônica publicada no dia seguinte no jornal Correio da Manhã: “O I Exército, em sabendo que havia tão sólida resistência, desistiu do vexame: aderiu aos que se chamavam rebeldes. (…) Recolho-me ao meu sossego e sinto na boca um gosto azedo de covardia”. Política, “um assunto que eu desprezava”, não aparecia até então em suas crônicas, embora tivesse dado palpites, por telefone, ao editorial publicado em 1º de abril, sob o título “Fora!”: “A Nação não mais suporta a permanência do senhor João Goulart à frente do governo. (…) Jogou os civis contra os militares, os militares contra os próprios militares. É o maior responsável pela guerra fratricida que se esboça no território nacional”. Ninguém esperaria, portanto, que, no dia 2, Cony assinasse uma crônica como aquela, ironicamente intitulada Da Salvação da Pátria.
Era só o começo. Da sua trincheira de palavras, passaram a ser lançados paralelepípedos fulminantes contra o novo regime, chamado de Revolução dos Caranguejos. “Qualquer violência que praticarem contra mim terá um responsável certo: o general Costa e Silva”, disparou ele em 5 de maio. Cony chegou a ceder seu espaço no Correio — que logo romperia com o regime — para que outros protestassem. Em colaboração com o escritor e, à época, militante comunista Ferreira Gullar, cutucou: “Os intelectuais brasileiros precisam, urgente e inadiavelmente, mostrar um pouco mais de coragem e de vergonha”. Servindo de exemplo ao próprio apelo, Cony foi preso pela primeira vez no ano seguinte, no famoso ato de protesto de um pequeno grupo de intelectuais na entrada do Hotel Glória, quando olhou bem para o presidente Castello Branco e disparou um palavrão que pode ser resumido em três inconfundíveis letras: “fdp”.
Colaboradores: André Petry, Augusto Nunes, Carlos Graieb, Diogo Schelp, Duda Teixeira, Eurípedes Alcântara, Fábio Altman, Giuliano Guandalini, Jerônimo Teixeira, Juliana Linhares, Leslie Lestão, Otávio Cabral, Pedro Dias, Rinaldo Gama, Thaís Oyama e Vilma Gryzinski.

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