quarta-feira, 30 de abril de 2014

No caso de Pasadena, faltou ensaiar os detalhes
Josias de Souza - UOL
Noutros tempos, as crises eram provocadas por opositores. Hoje, Dilma Rousseff é quem faz a crise que mata sua fama de boa gerente. Há um quê de burlesco no enredo da refinaria de Pasadena. Nele, a presidente da República faz o papel de suicida didática. Sem traquejo nas artes do ocultamento, Dilma ensaiou mal os detalhes. Ao improvisar, o elenco de apoio foge do script, desnudando a versão oficial a cada reencenação.
De volta à Câmara, Graça Foster manteve praticamente inalterado o miolo da peça. Disse que o negócio era promissor em 2006. Mas a crise de 2008 fez desandar a receita do pudim. Afirmou que, desde 1999, a Petrobras voltara os olhos para o estrangeiro. Mas a descoberta do pré-sal reativou os investimentos domésticos. Declarou que ilma tem motivos para chiar. O relatório do ex-diretor Nestor Cerveró realmente omitia um par de cláusulas. Blá, blá, blá…
É nítido o esforço da presidente da Petrobras para dar lógica à versão de Dilma. Mas as pistas são tão primárias que é impossível percorrer o labirinto de erros sem tropeções. Por exemplo: em 2008, quando o diretor Internacional Nestor virou um Cerveró qualquer, decidiu-se que ele deveria ser transferido para a diretoria Financeira da subsidiária BR Distribuidora. Por que tanta complacência?, perguntaram alguns deputados. Por que só agora, depois de seis anos, Cerveró foi mandado ao olho da rua?, indagaram outros.
“Eu não era do Conselho de Administração, não posso responder”, tentou esquivar-se Graça Foster. Lero vai, lero vem, a questão ressurge: E o Cerveró? A depoente permitiu-se soar um pouco mais específica: “Quem demite e quem aprova diretores da Petrobras e da BR Distribuidora é o Conselho de Administração. Tem o presidente do Conselho. Cabe a esse presidente do conselho justificar a aprovação ou não desse diretor.” Bingo! Quem presidia o conselho? Dilma Rousseff.
Hoje, Dilma diz ter ficado uma arara ao descobrir, naqueles idos de 2008, que o relatório de Cerveró, documento “técnica e juridicamente falho”, a induzira a referendar um mau negócio. O líder do PSDB, Antonio Imbassahy, sacudiu diante das câmeras da TV Câmara o “relatório executivo” de Cerveró. Duas míseras folhas. Que levaram a estatal a enterrar no Texas, por ora, US$ 1,9 bilhão. É assim que trabalha o Conselho da Petrobras?, bicou o deputado tucano.
Vice-líder do DEM, o deputado Rodrigo Maia leu em voz alta a ata da reunião em que, sob a presidência de Dilma, o Conselho Administrativo da Petrobras transferiu Cerveró de uma poltrona para outra. O texto anota os agradecimentos do colegiado “pelos relevantes serviços prestados à companhia”. Registra a “competência e o alto grau de profissionalismo” do personagem que Dilma agora desqualifica. Graça silenciou. Natural. Ainda não se descobriu uma maneira de desfritar um ovo.
Ficou boiando na atmosfera uma frase do antecessor de Graça Foster, o petista José Sérgio Gabrielli, outro coadjuvante mal ensaiado. “Não posso fugir da minha responsabilidade, do mesmo jeito que a presidente Dilma não pode fugir da responsabilidade dela, que era presidente do conselho. Nós somos responsáveis pelas nossas decisões”. Faz todo o sentido.
Foi em 2008, ainda sob o comando de Gabrielli, que a Petrobras teve de comprar os 50% de Pasadena que ainda estavam nas mãos da belga Astra Oil. Coisa prevista na agora célebre cláusula put option, uma das que Cerveró omitira em seu relatório. Ainda presidido por Dilma, o Conselho de Administração da estatal recusou-se a referendar a transação, comprando uma briga judicial que serviria apenas para encarecer o mico.
Nessa época, Graça Foster já integrava o conselho. Como votou?, indagou Rodrigo Maia. “Votei a favor da aprovação dos outros 50%, porque isso era um fato consumado…” Quer dizer: a doutora Graça, servidora exemplar, guindada por Dilma à presidência da estatal graças à sua competência técnica, foi voto vencido em 2008. Se tivesse prevalecido sobre Dilma, a estatal não teria salgado o prejuízo numa refrega judicial inócua.
De resto, ao dizer que Pasadena era um bom negócio em 2006, dona Graça deixa madame Dilma sem chão. A Petrobras começou a virar uma crise política porque a presidente da República informou, em nota oficial, que jamais aprovaria a compra da refinaria se Cerveró tivesse esmiuçado todas as cláusulas para os membros do conselho administrativo. A pantomima não fecha: ou a refinaria era um mico desde 2006 ou Graça Foster faz de Dilma uma gestora dissimulada, incapaz de assumir as responsabilidades que Gabrielli pede que ela assuma.
Há uma beleza revolucionária no papel que Dilma escolheu desempenhar no enredo de Pasadena. Meticulosa, a presidente demarca com tanto cuidado seus erros qie acaba permitindo que sejam descobertos por qualquer imbecil.
Antes de redigir a nota que arrastou Pasadena para dentro do Planalto, Dilma pedira subsídios à Petrobrtas. A estatal lhe enviou uma sugestão de nota. É verdade que a presidente rasgou o documento?, perguntou o tucano Imbassahy. E Graça: “Nós passamos diversas notas para muita gente. Nosso dever é colaborar. O destino dessas notas, o usuário é que sabe.”
Ficou subentendido que Dilma fez picadinho da sugestão de nota da Petrobras. Tamanho era o desejo da presidente de ser flagrada, que ela deixou as mais espantosas pistas. É como se Dilma a estivesse decidida a desvendar todos os erros, cometendo-os.

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