sexta-feira, 31 de julho de 2015

Imprensa britânica culpa França por chegada numerosa de imigrantes
Le Monde
Phillipe Huguen/AFP
29.jul.2015 - Policiais franceses tentar impedir imigrantes de entrarem no Eurotúnel29.jul.2015 - Policiais franceses tentar impedir imigrantes de entrarem no Eurotúnel
A tragédia humana que tem acontecido todos os dias em Calais, com suas ondas de imigrantes que tentam chegar a qualquer custo – inclusive o de suas próprias vidas – até o Reino Unido, tem despertado reações exaltadas entre os britânicos.
Em pleno debate sobre a saída ou não do Reino Unido da União Europeia, que será decidida após um referendo que poderá ocorrer em menos de um ano, a questão provocou acusações severas por parte da imprensa britânica.
O "Daily Mail", tabloide conservador e segundo jornal mais lido do país, descreve cenas aterrorizantes de turistas britânicos e caminhoneiros em Calais, todos sentados "petrificados" em seus veículos fechados, de vidros levantados, nos quais os imigrantes estariam tentando entrar "descaradamente". Em Kent, do outro lado do Canal da Mancha, o tabloide, adepto de expressões exageradas, descreve habitantes presos dentro de suas próprias casas, por não conseguirem nem mesmo fazer trajetos curtos por estradas lotadas de caminhões que não conseguiram pegar o túnel sob a Mancha, que estaria "sitiado".

Apelos ao exército britânico

Além disso, segundo o "Daily Mail", seria ainda pior: as férias pelo continente europeu, "planejadas há muito tempo, para as quais as famílias economizaram", haviam sido "arruinadas". Os culpados por esse desastre seriam ao mesmo tempo a Itália, "que zombou da UE ao ignorar as regras segundo as quais os imigrantes devem pedir asilo no primeiro país por onde entram", a Comissão Europeia, "que foi particularmente lamentável na aplicação de suas leis e protocolos", e também – e sobretudo – a França, "que desavergonhadamente envia imigrantes para o Reino Unido, sem coletar suas impressões digitais, e que depois de alguns minutos libera os clandestinos" que ela detém.
As autoridades britânicas, "que se recusam a criticar a França", tampouco são poupadas. O tabloide chega a arriscar, no título de um artigo de opinião publicado em suas páginas e em seu site, a seguinte pergunta: "Nós impedimos Hitler de entrar. Por que nossos pífios governantes não são capazes de conter alguns milhares de imigrantes exaustos?"
"Basta!", esbraveja o "Daily Mail", ordenando que as autoridades "parem de enrolar" e considerem a ideia de enviar o Exército britânico para reforçar a segurança em torno das fronteiras.
O tema também foi tratado pelo tabloide "The Sun", o jornal mais lido do Reino Unido, que elogia a sugestão de um delegado de polícia de Surrey, um condado que faz fronteira com Kent, de enviar soldados que possam "assegurar que nossa fronteira não seja violada". Um outro tabloide, o eurófobo "Daily Express", resume em um título: é preciso "enviar o Exército para conter a invasão dos imigrantes."

Paris "está fugindo de suas responsabilidades"

O diário conservador "Daily Telegraph" se mostra (um pouco) mais moderado e reconhece que o afluxo de imigrantes, que fugiram "de nações arrasadas, como a Síria", são "problemas internacionais" e que "todos os países afetados têm um papel a exercer". Mas "alguns países são mais responsáveis por esses problemas do que outros" e "a maior parte dos erros cabem à França."
O jornal observa, por exemplo, que enviar reforços policiais a Calais, como anunciou na quarta-feira o ministro do Interior Bernard Cazeneuve, é uma resposta tardia. "De forma igualmente extraordinária", diz o "Daily Telegraph", Cazeneuve "escreveu para o Eurotunnel, uma empresa privada, aparentemente culpando a firma de não fazer o suficiente para proteger a entrada do túnel sob o Canal da Mancha." Só que "realizar a segurança das fronteiras franceses é trabalho do Estado francês", afirma o jornal, que acusa Paris de "fugir de suas responsabilidades" e de "transferir seus problemas para o Reino Unido". "Tal egoísmo nacional diante de uma crise de natureza internacional é simplesmente inaceitável", conclui o jornal.

"Um problema coletivo que deve ser resolvido em conjunto"

O "Guardian", jornal de centro-esquerda, relativiza em grande parte todos esses pontos de vista e encara o tema como o resultado de uma crise mundial, e não a culpa de um país ou da União Europeia: "O problema dos imigrantes (...) provavelmente teria se tornado crítico independentemente de o Reino Unido estar na UE ou não, e de o túnel sob o Canal da Mancha existir ou não. As pressões migratórias que vêm da Síria ou da África subsaariana são uma realidade humana, elas não surgiram por causa de tratados europeus."
O "Guardian" elogia o "pragmatismo" dos dois ministros do Interior, o francês Bernard Cazeneuve e a britânica Theresa May, que se encontraram na quarta-feira para falar sobre o assunto. "Não é um problema puramente britânico, assim como não é um problema puramente francês. É um problema coletivo, que deve ser resolvido de forma conjunta, com humanidade e firmeza", comenta o jornal, que conclui: "Nós precisamos de mais parcerias com a Europa e menos gesticulações."

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