quinta-feira, 30 de julho de 2015

Para o Oriente Médio, ainda é 1979
Thomas L. Friedman - NYT
Hani Mohammed/AP
Rebeldes houthis protestam ataques aéreos da coalizão saudita no IêmenRebeldes houthis protestam ataques aéreos da coalizão saudita no Iêmen
Comecei minha carreira como correspondente estrangeiro em Beirute em 1979. Eu não sabia na época, mas 1979 veio a ser um dos melhores anos para as notícias do exterior - especialmente do Oriente Médio. Ele acionou a mais importante dinâmica que ainda hoje molda a região. Na verdade, faz 36 anos que é 1979. E a grande pergunta sobre o acordo nuclear iraniano fechado este mês é: será ele afinal uma ruptura com a história desencadeada em 1979, colocando a região em um novo caminho, ou irá turbinar 1979 de maneiras que poderão abalar o mundo todo?
O que aconteceu em 1979? Para começar, houve a tomada da Grande Mesquita em Meca por extremistas islâmicos que contestavam as credenciais religiosas da família reinante saudita, acusando-a de pecaminosa. Os al-Saud responderam forjando um novo acordo com seus conservadores religiosos: deixem-nos ficar no poder e lhes daremos mais liberdade para definir as normas sociais, as relações entre os sexos e educação religiosa na Arábia Saudita - e vastos recursos para disseminar o fundamentalismo sunita wahabita puritano, antimulheres, antixiita e antipluralista pelas mesquitas e escolas do mundo todo.
Esse salto retrógrado saudita coincidiu com a Revolução Islâmica no Irã em 1979, que colocou no poder o aiatolá Khomeini. Essa revolução armou uma competição global entre o Irã xiita e a Arábia Saudita sunita pela liderança do mundo muçulmano, e também levou a um grande aumento nos preços do petróleo, que deu aos dois regimes mais dinheiro que nunca para exportar o fundamentalismo xiita e sunita. É por isso que o estudioso egípcio Mamoun Fandy gostava de dizer: "O islã perdeu os freios em 1979".
Essa competição foi reforçada pela invasão soviética do Afeganistão em 1979 - que deu origem ao movimento jihadista sunita e eventualmente à Al Qaeda - e pelo acidente nuclear de Three Mile Island, também em 1979, que basicamente pôs fim à construção de usinas nucleares nos EUA, tornando o país mais dependente dos combustíveis fósseis. É claro, a Revolução Islâmica no Irã também levou a uma ruptura nas relações com os EUA - e transformou o Irã de um aliado tácito de Israel em um país que deseja "morte a Israel".
Por isso o acordo nuclear Irã-EUA marca uma grande mudança - mas, como levará ao fim das sanções econômicas contra o Irã, poderá turbinar 1979 ou encerrá-lo com a mesma facilidade. Isso depende de muitos fatores: o acordo nuclear dará poder à maioria mais moderada/pragmática no Irã, em vez da Guarda Revolucionária linha-dura? O motivo de preocupação é que os moderados não controlam o programa nuclear do Irã ou seu complexo militar e de inteligência; a minoria linha-dura sim. O motivo para se ter esperança é que a aspiração da maioria a se reintegrar ao mundo forçou a linha-dura a aceitar resmungando esse acordo.
Muito também dependerá de a Arábia Saudita moderar a tendência antimodernista que ela impôs ao islamismo sunita. Na terça-feira, o Instituto de Pesquisas de Mídia do Oriente Médio divulgou a tradução de uma entrevista na TV do escritor saudita Turki al-Hamad sobre o discurso extremista que prevalece na Arábia Saudita. "Quem serve de combustível para o Estado Islâmico?", perguntou ele. "Nossa própria juventude. O que leva nossa juventude a aderir ao EI? A cultura predominante, a cultura que é plantada na mente das pessoas. É nossa juventude que pratica os atentados. Você pode ver [nos vídeos do EI] os voluntários na Síria rasgando seus passaportes sauditas."
É por isso que outro fator que determina se 2015 é uma ruptura com 1979 ou um multiplicador dele será a revolução energética nos EUA - eficiência, renováveis e fraturamento - e se ela continuará pressionando para baixo os preços do petróleo. Dê-me cinco anos de petróleo a US$ 25 o barril e você verá reformistas reforçados no Irã e na Arábia Saudita; ambos terão de recorrer a suas populações em vez do petróleo.
Mas, embora essa queda do preço do petróleo seja necessária, não é suficiente. Ambos os regimes também têm de parar de procurar dignidade e legitimidade no combate ao outro - e a Israel - e encontrá-los, em vez disso, em elevar seus próprios povos. A tentativa da Arábia Saudita de bombardear a influência iraniana para fora do Iêmen é pura loucura; os sauditas estão bombardeando entulho. O Irã desejará usar o efeito positivo do acordo nuclear tentando dominar o mundo árabe? Talvez. Mas Iraque, Síria, Líbia e Iêmen hoje são como um lugar de limpeza tóxica gigante. O Irã quer possuir isso? Irá gastar mais sua força do que reforçá-lo. Nós sabemos.
Em 9 de julho, a Agência France Presse relatou que o Fundo Monetário Internacional estimou que a Arábia Saudita, cuja população triplicou desde 1975, teria um déficit orçamentário este ano superior a "US$ 130 bilhões, o maior na história do reino", e "para financiar os gastos Riad já tirou US$ 52,3 bilhões de suas reservas fiscais nos primeiros cinco meses deste ano". A população do Irã dobrou desde 1979; 60% de seus residentes têm menos de 30 anos e o país tem 20% de desemprego. Em abril passado, Issa Kalantari, um ex-ministro da Agricultura iraniano, advertiu que por causa da redução dos recursos hídricos e da superexploração, se o Irã não modificar radicalmente seu uso da água "50 milhões de pessoas - 70% dos iranianos - não terão opção além de deixar o país", relatou a Al-Monitor.
A energia nuclear não é a única ameaça para essa região. Tanto o Irã como a Arábia Saudita precisam desesperadamente fazer de 2015 o fim da era 1979. Seria bonito prever que o farão - e totalmente realista prever a destruição que atingirá a ambos se não o fizerem.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves 

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