sexta-feira, 31 de julho de 2015

Intolerância russa leva elite cultural e empresarial do país ao exílio
Cientistas, homens de negócios, jornalistas... a quantidade de profissionais qualificados que deixam a Rússia por pressões políticas dobrou em alguns anos
Pilar Bonet - El País
Políticos, ativistas de organizações não-governamentais, economistas, jornalistas e outros profissionais qualificados da Rússia emigram para buscar no estrangeiro as oportunidades que não veem em seu país, cujas autoridades se mostram cada vez menos tolerantes com os setores críticos.
A Europa é o destino favorito desses emigrantes de elite. Alguns partem porque são perseguidos ou se arriscam a serem processados; outros porque encontram trabalhos mais atraentes ou porque se sentem em perigo e temem por seus familiares. Nesse conjunto também há empresários de êxito que tiveram de vender suas empresas na Rússia. Svetlana Ganushkina, da ONG Colaboração Cidadã, especializada em emigração, afirma que o número de russos que pediram asilo na Europa duplicou entre 2012 e 2013, passando de 21 mil a 41 mil.
Na teoria, não há perseguição política, pois a Promotoria ou o Comitê de Investigação da Rússia alegam suspeitas de delitos contra os indesejáveis, como Ilia Ponomariov, o único deputado da Duma estatal da Rússia (a Câmara baixa), que votou contra a anexação da Crimeia em 2014. Ponomariov, político de esquerda e um dos líderes dos protestos contra as irregularidades nas eleições parlamentares de 2011 e presidenciais de 2012, foi privado da imunidade para ser processado por suposta participação em um desvio de verbas no Centro Tecnológico de Skolkovo. Ponomariov, especialista em alta tecnologia, vive hoje na Califórnia (EUA).

Acusados de traição

Maria Gaidar, filha de Yegor Gaidar, o artífice da reforma econômica liberal russa, aceitou este mês o cargo de vice-governadora de Odessa, que lhe foi proposto por Mikhail Saakashvili, atual governador dessa província ucraniana e ex-presidente da Geórgia. Gaidar, que estudou administração pública em Harvard, foi vice-governadora da região russa de Kirov e assessora da Prefeitura de Moscou, e esteve envolvida em diversos projetos de oposição. Agora foi acusada inclusive de traição à pátria por políticos estabelecidos da Rússia, e Ella Pamfilova, chefe da comissão de distribuição de bolsas presidenciais, anulou a que Gaidar havia recebido como chefe da ONG Demanda Social.
Os jornalistas são outro contingente que emigra. Na Letônia está a redação de Medusa, um site fundado por Galina Timchenko em outubro de 2014. Timchenko foi demitida da direção do serviço informativo russo lenta.ru depois de publicar uma entrevista com um nacionalista radical ucraniano. A comunidade de jornalistas de língua russa é muito numerosa em Kiev, mas esses emigrantes tampouco são um grupo homogêneo. Alguns, como Yevgueni Kisiliov, foram estrelas em canais da televisão russa (NTV, do oligarca Vladimir Gusinski), que receberam ofertas atraentes na Ucrânia ao ficar sem trabalho em seu país.
Mas há jornalistas emigrantes de nova fornada, como Aidar Muzhdabaiev, que se transferiu a Kiev para participar da direção da ATR, o canal tártaro que as autoridades russas sufocaram este ano na Crimeia, ao não renovar sua licença. O canal é administrado hoje de Kiev, já que os jornalistas da ATR na Crimeia "não têm acesso a nenhum órgão oficial", diz Muzhdabaiev por telefone. "Ainda não sei se terei problemas para voltar à Rússia", afirma o que foi, até pouco tempo, vice-diretor do "Moskovski Komsomolets", o jornal de maior tiragem em Moscou.
Este mês, o escritor russo Dmitri Bykov deu uma conferência em uma sala lotada em Londres. "Éramos o mesmo público que em Moscou", afirma Roman Borisovich, que assistiu ao ato e que em 2012 abandonou a Rússia, onde era vice-presidente da maior companhia de seguros do Estado. Partiu para evitar problemas para seu chefe, diz, que era pressionado pelos serviços de segurança para que o demitisse por apoiar a campanha anticorrupção do político Alexei Navalni. Em Londres, onde reside, Borisovich faz campanha para que o Parlamento britânico aprove leis que tornem públicas as transações imobiliárias dos oligarcas russos no Reino Unido. "A ampla diáspora russa de Londres se reforçou nos últimos tempos com emigrantes políticos", diz por telefone.
Em 2012, Alexei Navalni publicou a lista de 16 pessoas que declararam apoiar com dinheiro de seu bolso um fundo anticorrupção que ele havia criado. Na "lista dos corajosos", além de Borisovich, estava Serguei Guriev, o reitor da Escola de Economia da Rússia, e sua esposa, a economista Yekaterina Zhuravskaya, ambos residentes hoje na França. Guriev, agora professor na Sciences Po em Paris, foi um dos autores de um relatório sobre o segundo processo contra a companhia de petróleo Yukos, em virtude do qual se prolongou o encarceramento de Mikhail Khodorkovski. Esse magnata, indultado em 2013, mora na Suíça.

Um grupo dizimado

A emigração dizimou a equipe de Navalni. O ex-banqueiro Vladimir Ashurkov pediu asilo no Reino Unido por perseguição política. Ashurkov foi chefe do fundo anticorrupção e responsável financeiro de Navalni na campanha pela Prefeitura de Moscou e é acusado de roubo na Rússia.
No estrangeiro reside o campeão de xadrez Garry Kasparov, detido em diversas ocasiões por participar de atos contra Putin. A biografia do ilustre enxadrista foi censurada em um livro comemorativo do clube desportivo Spartak.
Um dos líderes dos protestos de 2011 e 2012 foi Boris Nemtsov, assassinado em Moscou em fevereiro. Sua filha mais velha, a jornalista Zhana, se transferiu à Alemanha por segurança. Na Estônia vive hoje Yevguenia Tchirikova, líder do movimento para preservar a floresta de Jimki, nos arredores de Moscou, da construção de uma estrada. Tchirikova afirma que deixou a Rússia preocupada com a segurança de suas filhas.
No exterior, depois de vender sua empresa, está Pavel Durov, informático cofundador de VKontakt (o Facebook russo), que se negou a entregar informação aos órgãos de segurança sobre os participantes do Euromaidan em Kiev.
Entre os últimos a partir está Dmitri Zimin, um engenheiro de 82 anos, fundador da companhia de celulares Vimpelcom e possuidor de um prêmio estatal. Zimin decidiu fechar sua fundação, a Dinastia, que apoiava jovens cientistas russos, depois que esta foi declarada "agente estrangeiro".
Em Londres, administrando um comércio de vinhos, reside desde 2009 Yevgueni Chichvarkin, fundador da rede de venda de celulares Evroset, que depois de ser acusado de corrupção acabou vendendo a empresa.
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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