terça-feira, 25 de julho de 2017

Festas de casamento são formas de sequestro para os convidados

Angelo Abu/Editoria de Arte/Folhapress
Ilustra Coutinho de 25.jul.2017.
João Pereira Coutinho - FSP
Acontece com frequência: um casal amigo decide se casar. Telefonam, dão a boa notícia e depois acrescentam: "Tranquilo: não estás convidado".
Tenho lágrima fácil, eu sei, mas choro sempre com intensidade redobrada. Não de despeito. De gratidão. Desejo felicidades aos noivos e, nos dias seguintes, procuro o melhor presente de casamento que sou capaz de imaginar.
Já cometi loucuras, autênticas loucuras que levaram o noivo a suspeitar das minhas intenções face à noiva. Sou inocente, sempre inocente: quando os amigos me dizem que vão se casar, mas poupam-me às festividades, a minha generosidade é tão grande que meus herdeiros já pensaram em interditar-me por via judicial. "Ele é demente, Excelência, não sabe o que faz."
Consegui esse estatuto a duras penas. Antigamente, quando trilhava o caminho vergonhoso da mentira, as festas de casamento dos outros eram sempre dias de doença para mim. Falo de "doença" em sentido pseudoliteral: no dia do enlace, eu estava no bloco operatório para uma cirurgia de emergência.
Assim de cabeça, sei que já removi o apêndice uma três vezes, como se o desgraçado voltasse a crescer com a simples ameaça do repique dos sinos. E, em matéria de pedras nos rins, digamos apenas isso: a minha produção de calhaus, sempre em dias festivos, daria para construir duas ou três pirâmides egípcias.
Só que a mentira tem perna curta, como diz o meu povo. E os amigos, que têm o hábito desagradável de falar entre eles, começaram a fazer as contas: "Mas afinal quantos apêndices tem um ser humano?"
Vieram as fúrias. E, com as fúrias, os comentários plenos de desprezo: "João, vamos casar, mas sabemos que vais ter apendicite". Cansei. Ganhei coragem e gritei com as mãos erguidas: "Eu não quero ser sequestrado! Eu não quero ser sequestrado!".
Pois é. Festas de casamento são formas de sequestro dos convidados. Entendo que os noivos não pensem da mesma forma. Para eles, os convidados estão tão felizes que nem se importam de serem aprisionados um dia inteiro, sujeitos aos caprichos dos esponsais.
O leitor dirá que exagero. Não creio. As semelhanças são arrepiantes. No sequestro, somos levados contra a nossa vontade. Na festa matrimonial, nunca conheci ninguém, com a exceção dos noivos, que lá estivesse de corpo e alma. E, mesmo entre os noivos, há casos e casos.
No sequestro, somos confinados a um determinado espaço de onde é difícil fugir. Nas festas matrimoniais, fugir também é uma hipótese arriscada. Quando muito, podemos tentar –mas apenas quando os vigilantes já dormem ou estão perdidamente embriagados.
E que dizer da comida? No sequestro, comemos o que nos dão. Nas festas matrimoniais, o cardápio também não é da nossa responsabilidade.
De resto, há tortura abundante porque somos obrigados a testemunhar violências desumanas. Por mim falo: os anos passam e ainda não consegui esquecer a imagem de alguns familiares a dançar.
Finalmente, existe a questão do resgate: se os criminosos pedem dinheiro, as festas matrimoniais pedem um último vexame. As nossas bocas. Sim, bocas abertas para o bolo de casamento, que é sempre inaugurado quando já perdemos todas as esperanças.
Quando frequentava esses festins, e os noivos, em plena madrugada, cortavam finalmente o bolo, eu já não tinha forças para festejar. As lágrimas falavam por mim e todo mundo ficava impressionado: "Vejam só: não é romântico esse rapaz?".
Só então as portas do cativeiro se abriam e os prisioneiros se arrastavam para fora dali. "Arrastar" é o termo, sobretudo entre as donzelas: um dia inteiro de salto alto e compreendemos como é difícil conjugar os verbos "caminhar" e "gangrenar".
Hoje, vivo em paz. E sei que alguns amigos –os divorciados– já me perdoaram. "Eu deveria ter seguido o teu exemplo", dizem eles, lembrando o dia em que estiveram lá –e eu, doente, no hospital imaginário.
Aconselho calma. E depois, em homenagem às velhas mentiras, arrisco só mais uma: "Queres saber a verdade? Eu não fui porque sempre soube que ele não era a pessoa certa para ti".
Ouvem-se suspiros de alívio e eu sei o que passa pelas cabeças deles: "Quem diria, afinal, que o João era são?".

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