terça-feira, 25 de julho de 2017

Estado precisa retomar controle de seus territórios
Quando traficantes decidem fazer a “triagem” dos pacientes em unidades públicas de saúde, é sinal de que o Estado está perdendo terreno até onde não se imagina
O Globo
A notícia de que traficantes de drogas mandam e desmandam em Unidades de Pronto-Atendimento, publicada domingo, no GLOBO, é mais um retrato da tragédia por que passa a segurança do Rio. De acordo com a reportagem, na UPA de Costa Barros, só podem ser atendidos os moradores da Favela da Pedreira; na de Ricardo de Albuquerque, os do Morro do Chapadão. No Complexo da Maré, bandidos proíbem o atendimento a quem mora do outro lado da Linha Amarela. Ou seja, cidadãos que vivem numa comunidade dominada por determinada facção criminosa não podem ser socorridos em unidade de saúde instalada em território controlado por uma facção rival.
Por mais surreal que pareça, a frase do traficante de Costa Barros apontando o fuzil para dentro de uma ambulância, onde estava um rapaz baleado com três tiros, é perturbadora. “Tu é alemão, tu é alemão”. A execução só não se consumou porque a enfermeira deu a entender que o paciente morreria a caminho do hospital. A cena mostra de forma contundente os caminhos tortos percorridos diariamente por profissionais de saúde obrigados a lidar com uma rotina que mais parece de guerra.
O problema não se resume à rivalidade entre facções. O risco existe em qualquer lugar, o tempo todo. As paredes da UPA de Vila Kennedy, na Zona Oeste, têm 18 perfurações por tiros, nem sempre aparentes porque são tapadas com esparadrapos. Em março, uma funcionária foi atingida nas costas por uma bala perdida enquanto trabalhava. Já teve paciente alvejado quando usava o banheiro da UPA.
Quando traficantes decidem fazer a “triagem” dos pacientes em unidades públicas de saúde, é sinal de que o Estado está perdendo terreno até onde não se imagina. Que hoje ele já não controla determinadas áreas nas favelas — onde a criminalidade impõe suas leis nefastas — é sabido. Mas não deixa de surpreender o fato de que o tráfico estende seus tentáculos a serviços que deveriam estar sob poder do Estado. É mais um passo atrás na segurança.
Esse avanço do tráfico ocorre paralelamente ao enfraquecimento do programa das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). Implantado em 2008 no Morro Dona Marta (Botafogo) e na Cidade de Deus, e levado depois para outras 36 comunidades, o projeto teve como um de seus maiores méritos retomar para o Estado territórios que durante anos permaneceram sob domínio dos traficantes. Mesmo lugares que pareciam impenetráveis, como o Complexo do Alemão, foram ocupados pelo poder constituído. Mas uma série de equívocos, agravados pela grave crise financeira do estado, levaram ao desmantelamento do programa.
Não resta outra saída ao Estado a não ser retomar o controle de seus territórios. E um dos caminhos para isso é recuperar o programa das UPPs. Ceder terreno, como ocorre no caso das UPAs, é uma forma de perder a guerra para o tráfico.

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