Putin apenas piscou
Em disputa com Obama, líder russo recuou para evitar mais danos à economia e permitiu eleição na Ucrânia
THOMAS L. FRIEDMAN - THE NEW YORK TIMES/OESP
Houve um momento, durante a Crise dos Mísseis com Cuba,
em outubro de 1962, em que navios soviéticos chegaram a poucos
quilômetros do bloqueio naval americano e no último minuto recuaram, uma
decisão que fez o então secretário de Estado, Dean Rusk, pronunciar a
mais famosa frase da Guerra Fria: "Nós os encaramos olho no olho e acho
que o outro lado apenas piscou".
A crise na Ucrânia jamais ameaçou produzir uma catástrofe nuclear,
como ocorreu durante a Guerra Fria, mas foi o primeiro caso de uma
estratégia diplomática arriscada desde o fim da Guerra Fria. A visão de
mundo chinesa/russa, segundo a qual podemos nos aproveitar da
globalização do século 21 sempre que quisermos enriquecer e nos
comportar como potências do século 19 sempre que quisermos arrancar um
pedaço do vizinho, contrapõe-se a uma outra que diz: "Não, desculpe, o
mundo do século 21 não é apenas interconectado, mas é interdependente.
Ou aceitamos essas regras do jogo ou pagamos um alto preço".
No fim, o conflito estabeleceu-se entre o estilo de Putin e o de
Obama. Gostaria de ser o primeiro do meu bloco a declarar que o "outro" -
Putin - "só piscou". Na realidade, gostaria de dizer mais: "Putin
entendeu tudo errado no caso da Ucrânia. Achou que o mundo ainda
obedecia a esferas de influência impostas de cima para baixo, quando a
Ucrânia despertava para a influência exercida pelo povo".
Acima de tudo, Putin subestimou o efeito das sanções econômicas
ocidentais. O mundo revelou-se mais interdependente e a Rússia mais
exposta a essa interdependência do que ele pensava.
Por isso piscou. O primeiro efeito foi a retirada de suas tropas da
fronteira de Ucrânia, permitindo as eleições. Ele optou por piscar mais
diretamente no Fórum Econômico Internacional de São Petersburgo,
conferência anual realizada pela Rússia para atrair investidores
globais. "Queremos a paz e a tranquilidade na Ucrânia", ele disse aos
executivos. "Estamos interessados na paz e na tranquilidade das nossas
fronteiras com a Ucrânia. Trabalharemos com o governo recém-eleito."
Depois do seu pronunciamento, o rublo subiu 1% em relação ao dólar,
demonstrando que os mercados continuarão premiando sua reconciliação e
punindo sua agressão.
Putin gastou bilhões para sustentar o rublo e compensar a perda de
investimentos externos. Como a agressão de Putin na Crimeia levou a
Europa a reduzir sua dependência do gás russo, Putin correu para Pequim
para fechar um acordo de fornecimento de gás natural com a China. O
preço que a China conseguiu é segredo e os especialistas "suspeitam que
Putin teve de baixá-lo significativamente numa manobra desesperada para
garantir um fluxo de recursos constante da China para a Gazprom tendo em
vista a queda das receitas e as sanções ocidentais", informou o The
Washington Post. "Há algo suspeito no contrato", afirmou Mikhail
Krutikhin, analista de energia da RusEnergy, o que sugere que a Rússia
fez um mau negócio. Putin piscou.
A anexação da Crimeia enfraqueceu a economia russa, levou a China a
conseguir um negócio excelente com o gás, deu nova vida à Otan,
estimulou a Europa a acabar com sua dependência do gás russo e deu
início a um debate em toda a Europa sobre o aumento dos gastos em
defesa. Bom trabalho, Vladimir. Por isso, digo que o país que Putin mais
ameaça hoje é a Rússia.
Não quero que a Rússia se torne um país falido. Desejo que a Ucrânia
consiga o que a maioria quer - estreitar os laços com a UE, sem romper
os vínculos com a Rússia. Isso exigirá não apenas um novo presidente
ucraniano, mas também um Parlamento renovado, uma nova Constituição e um
conjunto de grupos da sociedade civil capazes de fazer com que os
líderes de Kiev, frequentemente corruptos, atenham-se ao regime da lei e
às normas exigidas pela UE e pelo Fundo Monetário Internacional em
troca de ajuda.
Com a economia da Ucrânia vinculada à da Rússia - Kiev deve US$ 3,5
bilhões em fornecimento de gás -, Putin ainda dispõe de um enorme poder
para arrancar dinheiro do país. O Ocidente não deveria tentar impedir
Putin de exercer alguma influência na Ucrânia. Não seria possível nem
saudável. Mas deve fazer com que ele recue e pisque o suficiente para
que a Ucrânia se torne apenas uma vizinha da Rússia - encontrando seu
próprio equilíbrio entre a UE e Moscou - mas não submetida a uma
condição de vassalagem.
TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA
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