quarta-feira, 30 de julho de 2014

Nova guerra de Israel em Gaza trai o sionismo
Roger Cohen - NYT 
Ahmad Gharabli/AFP
Conflitos mostram Israel como opressor, situação que sofreu ao longo da história Conflitos mostram Israel como opressor, situação que sofreu ao longo da história
O irmão do meu bisavô, Michael Adler, foi um rabino distinto que, em 1916, compilou o "Livro de Orações para Marinheiros e Soldados Judeus" no fronte, durante a Primeira Guerra Mundial. Como "capelão", ele percorria os campos de batalha ministrando os ritos finais. Ao final da guerra, ele perguntou se os judeus britânicos tinham cumprido seu dever. "Esses cidadãos britânicos da Casa de Israel, aos quais igualdade de direitos e igualdade de oportunidades foram concedidos pelo Estado há cerca de 60 anos, esses homens e mulheres cumpriram seu dever em meio à provação da batalha?" ele escreveu. "Nossa resposta é um claro e inequívoco SIM! Os judeus ingleses têm todo o motivo para estarem satisfeitos com o grau de sua participação, tanto em casa quanto nas frentes de batalha, na luta pela vitória. Que a memória de nossos mortos sagrados - que superam em número a 2.300 - testemunhe isso".
A questão para a comunidade judaica europeia sempre foi a mesma: pertencer. Quer fossem franceses ou alemães, eles temiam, mesmo na sua emancipação, que as sociedades cristãs que os aceitaram parcialmente se voltariam contra eles. Theodor Herzl, testemunhando o antissemitismo francês durante o caso Dreyfus, escreveu "O Estado Judeu" em 1816 a partir da convicção de que a aceitação plena dos judeus nunca ocorreria.
Herlz foi presciente. O sionismo nasceu de uma conclusão relutante: que os judeus precisavam de uma pátria porque nenhum outro lugar seria o lar. Estudiosos magricelas se tornariam lavradores vigorosos do solo da Terra Santa. Os judeus nunca mais seguiriam docilmente para o abate.
A desolação da não aceitação europeia persiste. Eu vejo dentro da minha própria família como o desaparecimento de uma mulher judia, pega pelos nazistas nas ruas da Cracóvia em 1941, pode devorar seus descendentes. Eu entendo a raiva de uma israelense, Naomi Ragen, cujas palavras foram encaminhadas por um primo: "E eu penso no restante da Europa, que reuniu nossos avós e bisavós, e parentes - homens, mulheres e crianças - e os enviou para serem mortos com gás, sem que fizessem perguntas. E penso: eles agora são os árbitros morais do mundo livre? Eles estão dizendo aos descendentes das pessoas que assassinaram como se comportarem quando outros antissemitas querem matá-los?"
Esses antissemitas seriam o Hamas, chovendo terror sobre Israel, cuja aniquilação eles buscam. Nenhum Estado, prossegue Israel, não responderia com força a essa provocação. Se há mais de 1.000 palestinos mortos (incluindo 200 crianças), e mais de 50 mortos israelenses, argumenta Israel, é culpa do Hamas, para o qual as vítimas palestinas são o argumento anti-israelense mais poderoso na corte da opinião mundial.
Eu sou sionista porque a história dos meus antepassados me convence de que os judeus precisam de uma pátria, cuja existência foi criada com a aprovação por voto da Resolução 181 da Organização das Nações Unidas de 1947, pedindo o estabelecimento de dois Estados - um judeu, um árabe - na Palestina. Eu sou um sionista que acredita nas palavras da carta fundadora de Israel de 1948, declarando que o Estado nascente se basearia "na liberdade, na justiça e na paz, como previsto pelos profetas de Israel".
O que não posso aceitar, entretanto, é a perversão do sionismo que vê o crescimento inexorável de um nacionalismo israelense messiânico reivindicando todas as terras entre o Mediterrâneo e o Rio Jordão; que tem, há quase meio século, produzido a opressão sistemática de outro povo na Cisjordânia; que tem promovido a expansão constante dos assentamentos israelenses no território da Cisjordânia de um Estado palestino; que isola os palestinos moderados, como Salam Fayyad, em nome do dividir e conquistar; que busca políticas que impossibilitam que o Estado permaneça judeu e democrático; que busca vantagem tática em vez do avanço estratégico de uma paz de dois Estados; que bloqueia Gaza, com 1,8 milhão de pessoas mantidas em uma prisão e então se surpreende com as rebeliões periódicas dos presos; e que responde desproporcionalmente ao ataque de uma forma que mata centenas de crianças.
Isso, como sionista, eu não posso aceitar. Os judeus, acima de todos os povos, sabem o que é opressão. Por milênios as crianças foram a correia de transmissão da sobrevivência judaica, o objeto ao qual o romancista israelense Amos Oz e sua filha, Fania Oz-Salzberger, chamaram de "exame intergeracional que assegura a passagem da tocha". Nenhum argumento, nenhum ultraje palestino ou subterfúgio, pode encobrir o fracasso judeu que a morte desse número de crianças representa.
O argumento israelense para bombardeio de Gaza poderia ser inatacável. Se Benjamin Netanyahu tivesse feito um esforço de boa fé para encontrar um meio-termo com os moderados palestinos para se chegar à paz e tivesse sido rejeitado, ele seria. Mas ele não fez. O Hamas é vil. Eu ficaria feliz em vê-lo destruído. Mas o Hamas também é produto de uma situação que Israel reforçou em vez de buscar resolver.
Este exercício israelense corrosivo de controle de outro povo, alimentando o desprezo dos poderosos pelos oprimidos, é uma traição do sionismo no qual ainda acredito.
Tradutor: George El Khouri Andolfato 

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