Muito além da Petrobrás
O Estado de S.Paulo
Funciona assim: "Desde o governo Sarney,
governo Collor, governo Itamar, governo Fernando Henrique, governo Lula,
governo Dilma, todos os diretores da Petrobrás e diretores de outras
empresas, se não tivessem apoio político, não chegavam a diretor. Isso é
fato. Pode ser comprovado". E o resultado é esse: "O que acontecia na
Petrobrás acontece no Brasil inteiro: nas rodovias, ferrovias, nos
portos, aeroportos, nas hidrelétricas. Isso acontece no Brasil inteiro. É
só pesquisar".
A bem da verdade, o autor desses
dois enunciados não estabeleceu uma relação de causa e efeito entre
eles. Mas se o ex-diretor da Petrobrás Paulo Roberto Costa, em
depoimento à CPI mista do Congresso sobre o esquema de corrupção na
estatal, deixou de ligar os pontos do quadro que traçou, não pode haver
dúvida sobre o tamanho, o alcance e a longevidade do círculo vicioso da
corrupção compartilhada por servidores públicos, autoridades,
parlamentares e interesses privados.
Embora não se deva
presumir que os executivos apadrinhados foram invariavelmente postos em
seus cargos para enriquecer os seus padrinhos, a si mesmos e os
empresários que têm negócios com os setores onde atuam - e financiam as
campanhas dos políticos envolvidos -, o padrão decerto é esse. O exemplo
perfeito é do próprio Paulo Roberto, nomeado em 2004 pelo então
presidente Lula, a pedido do aliado PP, para a diretoria de
Abastecimento da Petrobrás.
Ao longo dos oito anos
seguintes, dividia entre o partido e o PT, nesse caso em proporção
maior, as comissões pagas pelas empresas em busca de contratos
(superfaturados) com a petroleira. Outra parcela ele mesmo embolsava e
entregava ao doleiro Alberto Youssef para ser branqueada no exterior. Em
junho último, três meses depois do início da Operação Lava Jato, a
Suíça informou que os seus depósitos no país somavam US$ 23 milhões. Em
setembro, comprometeu-se a devolver um total de US$ 26 milhões.
Diferentemente
de sua ida anterior à CPI mista, quando ficou calado, na segunda-feira
passada surpreendeu os parlamentares que o haviam convocado para uma
acareação com outro ex-diretor da estatal, Nestor Cerveró, ao fazer um
"esclarecimento inicial", em que falou da corrupção disseminada e das
nomeações políticas. Admitiu ter arrolado "algumas dezenas" de políticos
em seus 80 depoimentos no regime de delação premiada. Um deputado disse
ter ouvido dele, depois da sessão, que os mãos sujas são pelo menos 35,
filiados ao PP, PMDB e PT.
Costa confirmou que em 2009, já
"enojado" do que fazia e via acontecer à sua volta na Petrobrás, mandou
um e-mail à então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, a fim de
alertá-la do processo aberto no Tribunal de Contas da União (TCU) para a
apuração de irregularidades em obras da empresa. A reiteração põe
definitivamente abaixo a versão da presidente de que não tinha
conhecimento de malfeitorias na estatal - cujo órgão máximo, o Conselho
de Administração, ela chegou a dirigir.
Do mesmo modo, não
há de ter sido pela boca do depoente que a maioria dos membros do
Congresso Nacional ouviu pela primeira vez que a corrupção está presente
"nas rodovias, ferrovias, portos, aeroportos, hidrelétricas", loteados
entre os partidos. Alguns devem conhecer por experiência própria,
digamos assim, exemplos do que Costa tinha em vista. Ironicamente, é o
que pensa também o juiz federal Sergio Moro, a quem caberá julgá-lo. Uma
planilha com dados sobre 750 obras públicas apreendida com Youssef
sugere, segundo o juiz, "que o esquema criminoso de fraude à licitação,
sobrepreço e propina vai muito além da Petrobrás".
Embora
não seja tido como uma cleptocracia, o Brasil "estagnou" no índice de
corrupção elaborado pela Transparência Internacional (TI). Do ano
passado para este, o País subiu da 72.ª posição para a 69.ª no total de
175. Numa escala de 0 a 100 pontos, o Brasil praticamente ficou onde
estava, ganhando apenas um ponto - de 42 para 43. "O dinheiro público
continua a ser saqueado", observa o diretor para as Américas da TI,
Alejandro Salas.
"Está tudo bichado nos palcos do poder",
afirmou editorial do Estado, terça-feira. É pior na Rússia, China e
Índia, três dos nossos sócios no Brics. Mas isso não é consolo.
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