O Estado de S.Paulo
O juiz federal Sergio Moro, um dos
responsáveis pela Operação Lava Jato, procurou ser o mais didático
possível ao explicar por que não se pode tratar como vítimas os
executivos de empreiteiras acusados de envolvimento no escândalo de
corrupção na Petrobrás. Em despacho, ele escreveu: "Quem é vítima de
concussão procura a polícia, não as sombras".
Assim
como Moro, a maioria dos brasileiros, que levam sua vida honestamente,
considera que o caminho do crime não é uma fatalidade - assim, quem
resolve trilhá-lo o faz de forma consciente e deve assumir as
consequências de sua escolha. Mas os advogados dos empresários suspeitos
querem fazer crer que eles não tinham outra opção senão acumpliciar-se
com os funcionários corruptos da Petrobrás e com os parlamentares que se
beneficiaram do esquema. É uma forma de livrar-se de uma
responsabilidade que, a esta altura, começa a se tornar evidente.Tal argumento foi utilizado recentemente de forma explícita pela defesa do lobista Fernando Soares, vulgo "Baiano", acusado de intermediar o pagamento de propinas por parte de empresas interessadas em negócios com a Petrobrás. Seu advogado, Mário de Oliveira Filho, disse que a corrupção é de tal forma generalizada na estrutura do Estado que os empresários são quase obrigados a subornar políticos e funcionários públicos se quiserem obter contratos: "Se não fizer acerto, não coloca um paralelepípedo no chão".
Sem a mesma clareza, mas com idênticos propósitos, os advogados de executivos das empreiteiras Mendes Júnior e Galvão Engenharia que estão presos querem fazer a Justiça acreditar que seus clientes não tinham alternativa. Ao pedir a revogação da prisão de Sérgio Cunha Mendes, vice-presidente da Mendes Júnior, sua defesa argumentou que o executivo sofreu "extorsão" por parte do então diretor de Abastecimento da Petrobrás, Paulo Roberto Costa - que teria ameaçado excluir a empresa de licitações futuras e mesmo suspender pagamentos por serviços já prestados. A esse crime se dá o nome de concussão - quando um funcionário público faz uso de seu cargo para exigir de terceiros dinheiro ou vantagens.
Em depoimento à Polícia Federal (PF), Mendes admitiu ter pago cerca de R$ 8 milhões em propinas para satisfazer as exigências de Costa e do doleiro Alberto Youssef em relação às obras da Refinaria Getúlio Vargas (Repar), no Paraná. Já a Galvão Engenharia informou à PF que pagou um total de R$ 12,8 milhões - parte dos quais pode ser comprovada por notas fiscais de "prestação de serviços".
Segundo o advogado de Mendes, sua confissão - além do compromisso de oferecer os livros contábeis aos investigadores, de parar de doar dinheiro a partidos políticos e de deixar de participar de cartéis que direcionem licitações - seria suficiente para demonstrar a disposição do executivo em colaborar, o que justificaria o abrandamento da prisão.
O juiz Moro, porém, não entendeu dessa forma. Ele explicou que a concussão costuma ser "fruto de exigência legal momentânea" - quando, por exemplo, um fiscal cobra propina para não realizar uma autuação. Em situações assim, disse o magistrado, reduz-se a "capacidade de a vítima resistir". No caso avaliado, porém, Moro considera que havia "relação prolongada" entre o empreiteiro e o esquema criminoso, "no qual a empresa agraciada com contratos públicos concorda em realizar pagamentos a agentes públicos para persistir em sua atividade lucrativa".
Para Moro, os empreiteiros que ora se apresentam como vítimas poderiam ter denunciado o crime em vez de tomar parte dele - e só resolveram falar agora porque estão presos. Segundo o magistrado, há provas de que o esquema não se limitou a uma exigência isolada por parte de Costa. Pior: Moro considera plausível que o esquema investigado pela Operação Lava Jato seja muito maior do que o que foi descoberto até aqui e que crimes similares podem ter sido cometidos pelas mesmas empreiteiras em outras estatais ou entidades públicas. Por isso tudo, escreveu o juiz, o argumento da defesa dos executivos "aparenta ser inconsistente". É o mínimo que se pode dizer.
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