sábado, 6 de dezembro de 2014

Periferias entram em depressão nas cidades italianas
Beppe Severgnini - TINYT
As periferias em depressão das cidades italianas são como bombas-relógio; longe dos olhos dos turistas endinheirados que perambulam pelo Coliseu, o estopim do país está queimando e se aproximando do final.
Todo um bairro suburbano de Roma --Tor Sapienza-- recentemente tomou as ruas em protesto contra o afluxo de imigrantes, os culpando por roubos, violência e provocando um alerta público de "emergência social" iminente por parte do papa Francisco. Nos bairros de Corvetto e Giambellino de Milão, ocorreram choques devido ao despejo de moradores ilegais. Moradores revoltados da periferia de Nápoles saíram chutando viaturas da polícia, deixando claro que eles têm mais fé na Camorra, a Máfia local, do que nas autoridades. Hotéis e estacionamentos em obras em Fuorigrotta e Bagnoli estão ruindo e só servem como esconderijos.
"Qual é a novidade?" As pessoas podem se perguntar na França ou no Reino Unido. Para elas, distúrbios nos banlieues ou nos conjuntos habitacionais não são novidade. Até mesmo na Itália, distúrbios suburbanos são história batida.
Mas o que é surpreendente agora, até mesmo para os italianos, é a causa dos distúrbios. Há meio século, nossos migrantes vinham do sul do país, não do sul do planeta. Milhões cruzavam o país para as fábricas em Milão e Turim, ou buscavam trabalho em Roma e seus arredores, disputando moradias e empregos com os deslocados pela Segunda Guerra Mundial. O poeta e diretor Pier Paolo Pasolini descreveu o distrito de Prenestino, em Roma, em seu romance "Ragazzi di Vita", como cheio de "lares pequenos como cubículos ou galinheiros, brancos como as casas árabes e pretos como barracos, cheios de desleixados de Puglia, Marcas, Sardenha ou Calábria".
Hoje, centenas de pessoas da África e do Oriente Médio arriscam suas vidas no mar para desembarcar na Sicília e Calábria. Muitas delas conseguem seguir até o norte. A rapidez da chegada deles e o fato de se acumularem na periferia das cidades são motivos de preocupação, mesmo que apenas devido a quão mal os italianos estão preparados para eles. Segundo o Índice de Ignorância, uma pesquisa Ipsos MORI realizada em 14 países, os italianos são os menos informados sobre o assunto, acreditando que os imigrantes correspondem a 30% da população, quando o número real é de apenas 7%. Isso é menos do que no Reino Unido ou Alemanha (ambos com 13%), Espanha (12%) e França (10%).
Os recém-chegados encontram um lar --ou pelo menos um abrigo-- na periferia das cidades, onde entram em conflito com os antigos moradores, a maioria de classe operária. É uma mistura perigosa: cerca de 90% da população da Itália vive em cidades ou na periferia delas, e, apesar dos esforços do novo governo, a Itália é o único país da Europa ainda em recessão. Os governos locais são os principais culpados, mas eles herdaram uma situação dramática com edificações inadequadas, frequentemente ilegais, infraestrutura decrépita e serviços públicos deficientes. Mesmo no norte, cidades supostamente prósperas como Milão, que será sede da Feira Mundial (Expo) 2015, têm distritos como Sarca-Testi, onde o crime organizado dirige operações ilegais de imigração, prostituição e tráfico de drogas.
Todas as sociedades despejam seus problemas na periferia e a Itália não é exceção. E sempre, quando estoura uma guerra entre os pobres, alguém certamente tirará proveito. Após anos de tentativas fracassadas de secessão no norte da Itália, o partido Liga do Norte de extrema direita se tornou nacional e agora segue o exemplo de movimentos xenofóbicos como a Frente Nacional da França e o Partido da Independência do Reino Unido. O secretário da liga, Matteo Salvini, visitou um acampamento cigano na periferia de Bolonha, apenas para seu automóvel ser atacado por extremistas. Em poucas semanas, a liga conseguiu dobrar seus votos nas urnas.
As periferias também são os locais onde as ilusões perdidas são despejadas. Com frequência, elas são frutos da construção ilegal e da ganância. Nos últimos 50 anos, megaprojetos de moradias populares de autoria de arquitetos idealistas se deterioraram por falta de serviços e atenção. Entre os exemplos estão o Zen, em Palermo (de autoria do arquiteto Vittorio Gregotti); Librino, em Catânia (de Kenzo Tange); Corviale, em Roma (de Mario Fiorentino); e Rozzol Melara, em Trieste (de Carlo Celli). Ontem, utopias. Hoje, pesadelos.
Mas talvez nem tudo esteja perdido. As periferias das cidades italianas não estão além da redenção, mesmo que estejam desbotadas e desgastadas.
Nós podemos consertá-las, como diz o arquiteto Renzo Piano, atualmente um senador honorário vitalício. Piano tem usado seu salário de senador para contratar seis jovens arquitetos --três homens e três mulheres-- para desenvolvimento de projetos de recuperação das periferias das cidades italianas. O nome do grupo, G124, vem da sala no Senado que transformaram em seu escritório.
Os projetos são direcionados e locais --reparo de escolas, iluminação pública e transporte, ou recuperação de espaços públicos desolados.
"Não se pode esperar que os jovens demonstrem uma fagulha de cidadania se os prédios estão abandonados e decrépitos, ou os espaços de recreação e esportes não são atrativos e são inseguros", apontou Piano. "Eu estou convencido de que a beleza salvará o mundo. Talvez uma pessoa de cada vez, mas salvará o mundo."
A beleza poderia começar salvando a Itália. Afinal, este é o seu lar. 
Tradutor: George El Khouri Andolfato

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