quinta-feira, 26 de outubro de 2017

Oligarquia de toga: quem deu o poder para o STF legislar? 
Rodrigo Constantino

Nossas instituições republicanas, que sempre foram meio capengas, andam combalidas. Não é preciso falar da falta de credibilidade do Congresso, claro. Mas o maior risco vem de outro lugar, e justamente porque nem todos assim enxergam a coisa. A grande ameaça é mesmo essa oligarquia de toga formada pelos ministros do STF.
O ativismo do Supremo é visível, e diretamente proporcional ao seu grau de arbítrio. De guardião da Constituição, o STF virou o próprio legislador, usurpando um poder que cabe ao Congresso, a quem recebeu votos da população. São casos e mais casos em que os ministros decidem da cabeça deles, não da letra da lei, medidas que exercem enorme influência nos rumos do país.
Questões como aborto, casamento gay e outros temas polêmicos, que deveriam passar pelo crivo do poder legislativo, acabam sendo decididas por meia dúzia de “ungidos”, que se julgam iluminados e que foram, em sua maioria, apontados pelo PT.
Agora mesmo tivemos mais um exemplo, com a ministra Rosa Weber resolvendo suspender a portaria sobre o “trabalho escravo”, com base em argumentos subjetivos, já que considera a “escravidão moderna” mais sutil do que o conceito objetivo de “cerceamento da liberdade”. Mas quem deu a ela ou ao STF o direito de definir “trabalho escravo”?
O maior risco para esse arbítrio está naquilo que Lord Acton percebeu: a liberdade sempre gozou de poucos amigos sinceros ao longo da história. O que ele queria dizer com isso é que a maioria olha mais para o que é decidido do que para como é decidido. Se um “déspota esclarecido” resolver impor aquelas coisas que eu julgo adequadas, então farei vista grossa para seus métodos antidemocráticos.
Muitos analisam tais decisões somente com base em seu teor, se estão de acordo ou não com a medida, sem levar em conta o fato de que a própria decisão fere a divisão dos poderes, o processo republicano fundamental para resguardar nossas liberdades e evitar tiranias. Ignoram que amanhã a decisão arbitrária poderá ser contra seus anseios, e não haverá a quem recorrer, pois a lei não terá mais valor algum.
Platão queria um governo de homens, de “reis filósofos”, enquanto Aristoteles queria um governo de leis. A tradição anglo-saxônica seguiu mais o sábio estagirita, para a felicidade dos britânicos e seus herdeiros americanos. Chama-se “rule of law”, ou império das leis, o conceito fundamental para preservar a liberdade individual contra o arbítrio do poder.
Claro que na América isso também foi alvo de constante ataque por parte da esquerda e da direita, mais frequentemente da esquerda. Barry Goldwater, em The Conscience of a Conservative, explica a importância de se seguir a Constituição, e utilizar os ritos legais para eventuais emendas, em vez de atropelar as leis porque os “nobres fins” parecem justificar tal postura.
Mas o senador, que concorreu nas eleições presidenciais em 1964, perdeu, e a esquerda seguiu com seu projeto de “Grande Sociedade”, invadindo as esferas constitucionais dos estados, agigantando o governo federal. O resultado foi a perda da liberdade dos cidadãos, além de um estado cada vez maior, com poder mais centralizado e ineficiente. Nós brasileiros conhecemos muito bem essa realidade.
Em sua coluna de hoje, Carlos Andreazza, ao falar de Rodrigo Maia, definiu bem o STF: “essa corte estranha, que toma prerrogativas constitucionais do Legislativo quando não pode, mas que faz corpo mole quando um Poder distorce a leitura da Carta Magna de que deveria ser guardião”. É exatamente isso que tem acontecido. Como esquecer o fatiamento da Constituição durante o processo de impeachment de Dilma, algo claramente inconstitucional?
Eu não votei nos ministros do STF para que eles possam legislar. Ninguém votou. Esse poder pertence aos nossos deputados e senadores, dentro da divisão de poderes e conforme estabelecido pela Constituição. Se o conceito legal de “trabalho escravo” está ultrapassado, como diz a ministra e como pensam os “progressistas”, que isso seja resolvido dentro das leis, por quem cabe mudar o conceito.
Pois para mim, que considero o conceito de escravidão sem floreios “progressistas” mais vagos e subjetivos, o que realmente configura ser escravo hoje ou ontem é estar sob o jugo de uma oligarquia sem votos que determina minha vida de cima para baixo, cerceando meus direitos com base na coerção estatal. E isso soa muito com aquilo que o STF vem fazendo, justo ele, que tem como missão básica nos proteger desse tipo de ameaça…

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