Síndrome do pato manco
O presidente Michel Temer, mesmo que se confirme
hoje, como tudo indica, a maioria necessária para superar a segunda
denúncia da Procuradoria-Geral da República contra ele, não escapará de
ser um “pato manco” até o fim de seu governo, o que muito o constrange
neste momento em que as forças políticas se mobilizam para sua sucessão.
"Pato manco" (lame duck), é uma expressão usada principalmente na
política norte-americana que define o político que continua no cargo,
mas por algum motivo não pode disputar a reeleição e perde a expectativa
de poder. A expressão nasceu na Bolsa de Valores de Londres, no século
XVIII, em referência a investidor que não pagou suas dívidas, e ficava
exposto à pressão dos credores. A ave (e o político) com problemas
torna-se presa fácil dos predadores.
A expressão surgiu de um
velho provébio de caçadores que diz: Never waste powder on a dead duck,
isto é, “nunca desperdice pólvora com pato morto”. Temer, a exemplo de
Sarney no final de seu governo, não terá mais força política para levar
adiante seu projeto econômico, embora vá tentar evitar a síndrome do
"pato manco", justamente para não se tornar um presidente sem influência
na sua sucessão.
O governo quer voltar à agenda econômica depois
da votação da denúncia contra o presidente Michel Temer na Câmara, mas
reformas como a da Previdência, que precisam de um quorum mais alto para
serem aprovadas, vai ser muito difícil passar. Talvez o governo consiga
aprovar outras medidas que podem ser feitas por projetos de lei, como
controle de gastos.
Mas a um ano da eleição - quinta-feira já
entramos no ano eleitoral - nenhum político vai querer entrar em algum
assunto polêmico, que possa prejudicar uma reeleição. Nada que provoque
muita discussão vai passar no Congresso. Antes da crise política que
paralisou o governo Temer, com a gravação de sua conversa com o
empresário da JBS Joesley Batista, já estava muito difícil aprovar a
reforma da Previdência, a joia da coroa da proposta econômica do
governo.
Agora, provavelmente não haverá mais tempo útil nem
meios para negociar o apoio necessário à sua aprovação. É possível que a
fixação de uma idade mínima acabe sendo aprovada, pois já existe um
consenso na sociedade em torno desse item da reforma. Mas a complexidade
da reforma integral da Previdência não tem mais espaço político para
uma negociação exitosa.
Além da dificuldade crescente que o
governo tem para pagar dívidas contraídas nas duas votações para livrar
Temer do processo no Supremo Tribunal Federal, há necessariamente o
receio do contágio da impopularidade do presidente na próxima eleição
geral de 2018.
Na tramitação inicial do projeto de emenda
constitucional havia ainda o argumento político de que a aprovação da
reforma alavancaria a economia, fazendo com que a eleição de 2018 fosse
disputada em um ambiente econômico mais promissor, ajudando a melhorar a
imagem do governo e, consequentemente, a de seus aliados.
Já não
há mais tempo útil agora para esse tipo de especulação, e ninguém vai
querer arriscar um movimento tão polêmico sem a garantia de que haverá
uma reviravolta na economia. O presidente Temer tem toda razão de tentar
até o fim, assim como o ex-presidente Lula também insiste em uma
candidatura presidencial praticamente inviável.
Mas os dois
jogam seus futuros nas eleições. Se Temer ganhar musculatura para se
tornar um eleitor de peso da sua própria sucessão, pode ter esperança de
apoio do futuro presidente para se salvar do processo a que responderá
sem o foro privilegiado. Foi-se o tempo em que era possível cogitar ele
próprio como o candidato à reeleição.
Uma anistia direta, ou
mesmo indireta, com alguma decisão que atinja todos os ex-presidentes
(beneficiando até mesmo Lula) pode ser uma saída. Assim como Lula vê na
presidência a salvação pessoal e de seu projeto político.
Os dois correm o risco de morrer na praia.
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