A história contada por Temer sobre saboneteiras ofende agentes do Estado
Elio Gaspari - FSP
Michel Temer deve um pedido de desculpas aos servidores públicos que
batalham no combate ao trabalho escravo. Numa entrevista ao repórter
Fernando Rodrigues, ele disse o seguinte: "O ministro do Trabalho me
trouxe aqui alguns autos de infração que me impressionaram. Um deles,
por exemplo, diz que se você não tiver a saboneteira no lugar certo
significa trabalho escravo". Se uma empresa foi autuada só por isso, a
arbitrariedade foi gritante e o argumento usado pelo presidente da
República justificaria uma revisão das normas existentes.
A história era bem outra. Em 2011, a construtora MRV sofreu 44 autos de infração pelas condições de seus operários num canteiro de obras em Americana (SP).
A empresa atrasava salários e retinha carteiras de trabalho (golpe
velho). Nos seus alojamentos, faltavam colchões e água potável. Sem
saboneteiras, os banheiros eram inadequados.
O caso foi para a Justiça, a MRV foi condenada a pagar uma indenização
de R$ 10 milhões por danos morais e, em 2014, fez um acordo, pagando R$ 2
milhões. O que foi apresentado pelo presidente como prova de um
absurdo, era justo o contrário, uma demonstração de que a fiscalização
punia maus empresários. O acordo assinado pela MRV coroava a eficácia da
legislação.
Dias depois, perguntado sobre o caso, Temer justificou-se, lembrando que
as informações lhe haviam sido dadas pelo seu ministro do Trabalho.
Quando o repórter Ricardo Mendonça lembrou-lhe que havia outras
infrações no processo, esquivou-se: "Ah, aí eu não sei".
Trapalhadas acontecem e às vezes são produzidas por assessores ou
ministros. Winston Churchill sentou-se a uma mesa de almoço com o
filósofo Isaiah Berlin, supondo que ele era o compositor Irving Berlin.
Em outros casos, são apenas produto da distração. Temer estava na
Noruega quando anunciou que ia se encontrar com o rei da Suécia, Ronald
Reagan estava em Brasília quando saudou "o povo da Bolívia" e Lula disse
que Napoleão foi à China.
As chamadas "gafes" de Temer são de dois tipos. Umas são chatas, porém
banais. Outras, como a da saboneteira, traem um propósito e sugerem que o
presidente tem uma propensão para construir convenientes realidades
paralelas.
No capítulo das banalidades desastrosas, estão as falas em que associou a
relevância das mulheres à capacidade que elas têm de acompanhar os
preços nos supermercados, ou quando ele se encontrou com o governador
Pezão, restabelecido de um tratamento quimioterápico e disse: "Você está
até mais bonito, acabou sendo uma coisa útil".
A segunda família das "gafes" tem a ver com a capacidade dos poderosos
de dizer o que querem, confiando na credulidade de quem os ouve. Ele
ainda era vice-presidente e cabalava a deposição de Dilma Rousseff
quando foi ao ar um áudio no qual apresentava um programa de governo. Explicou que foi um acidente. Vá lá. No discurso de posse, lembrou-se que em um posto de gasolina havia uma faixa dizendo: "Não pense em crise, trabalhe". O posto Doninha fechara havia anos.
Temer pode acreditar no que quiser, mas a Presidência da República pede
que nela esteja uma pessoa em quem se acredita. "Ah, aí eu não sei" é
coisa de vendedor de pomada milagrosa.
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