Rodrigo Constantino
Há um século os bolcheviques tomavam o
poder na Rússia para implantar o comunismo. Milhões de mortes depois,
fora a opressão e a fome, ainda tem gente que acha que “deturparam Marx”
e que o problema foram os líderes bolcheviques, não a utopia em si.
Em artigo
publicado hoje no GLOBO, Daniel Aarão Reis faz uma “análise” justamente
nessa linha, tentando salvar o socialismo da desgraça russa (e chinesa,
e no Camboja, e em Cuba, e no Vietnã etc). Após enaltecer o “ideal
democrático igualitário” do começo da revolução, ele lamenta que os
bolcheviques tenham levado a coisa rumo a uma ditadura:
Neste
conjunto de guerras, como sempre acontece nos conflitos bélicos,
anularam-se as aspirações às liberdades e à democracia, em proveito de
estruturas centralizadas, hierarquizadas, autoritárias. Instaurou-se a
ditadura revolucionária, fazendo surgir um socialismo autoritário,
imprevisto nas lutas e propostas igualitárias e democráticas do século
XIX.
À
autonomia e às liberdades das gentes sucedeu-se um Estado todo-poderoso,
regulador, minucioso e liberticida, parecendo dar razão à melancólica
frase de Albert Camus: “Todas as revoluções modernas contribuíram para o
fortalecimento do Estado”. Isto, pelo menos, foi o que ocorreu com as
revoluções socialistas do século XX. Estariam os socialistas de hoje
condenados a reiterar sempre este destino?
Como um professor de história pode
afirmar que tal destino foi “imprevisto” nas lutas “igualitárias e
democráticas”, se o próprio Karl Marx, inspirador dessa turma, pregava
a ditadura do proletariado? É tomar todos os leitores por
estúpidos, achar que são todos como alguns de seus jovens alunos que
devem ficar encantados com tais baboseiras em sala de aula. A ditadura
era exatamente o plano!
O autor termina com uma pergunta, cujo
intuito claro é tentar blindar o socialismo da desgraça bolchevique. Por
que ele não menciona a Venezuela, cujo “socialismo do século XXI” uma
vez mais levou, pasmem!, ao mesmo destino? A resposta é evidente para
quem pensa: sim, os socialistas de hoje, como os de ontem, estão
condenados a reiterar sempre este destino terrível, pois o socialismo leva inexoravelmente a ele!
Quando Trump disse que o socialismo não
foi desvirtuado, mas sim perfeitamente aplicado na Venezuela, ele estava
certo. O historiador Richard Pipes, um historiador sério, diz
exatamente isso em seu livro sobre o comunismo: não foi uma ideia boa
que deu errado; mas sim uma ideia ruim desde o começo.
O cerne da teoria comunista, conforme resumida por Marx e Engels no Manifesto Comunista,
é a abolição da propriedade privada. A tentativa de adotar essa ideia
leva, inevitavelmente, ao terror, miséria e escravidão. O ideal de uma
Idade de Ouro sem propriedades é um mito. Como explica Pipes, “todas as
criaturas vivas, das mais primitivas às mais avançadas, para sobreviver,
devem ter o acesso ao alimento garantido e, para assegurar esse acesso,
reivindicam a posse do território”.
Para Richard Pipes, a ideia básica do
marxismo, de que a propriedade privada é um fenômeno histórico
transitório, é completamente falsa. A propriedade privada, na verdade, é
“uma característica permanente da vida social e, como tal,
indestrutível”. A noção marxista de que a natureza humana é
infinitamente maleável é igualmente falha. Essa realidade faz com que o
regime comunista tenha sempre que apelar para a violência como meio
rotineiro de governar.
Os comunistas esquecem que a abstração
chamada “Estado” é composta por indivíduos que também seguem seus
interesses particulares. O comunismo sempre evolui, portanto, para a
criação de uma nomenklatura poderosa, uma casta privilegiada
que coloca fim ao ideal de igualdade presente no comunismo. Como Pipes
explica, “a contradição entre fins e meios está inserida no comunismo e
em todo país em que o Estado é o dono dos bens de produção”.
Infelizmente, muitos “formadores de
opinião” ainda insistem nas ilusões “igualitárias” do comunismo. E não
pensem ser exclusividade nossa. Se o Globo fez várias reportagens
atenuando o terror soviético, o mesmo foi feito pelo NYT, como mostra
Bruce Thornton no Frontpage Magazine. É um esforço para, de alguma
forma, reabilitar o socialismo como ideologia, separando-o dos
“equívocos” soviéticos. Ele conclui:
Hoje,
esse carinho não parece ter a intensidade religiosa dos primeiros
convertidos comunistas. Mas a persistência da apologética comunista
transformou a admiração tão indecorosa pelo maior assassino da história
em uma marca de status e moda para o comunista caviar, radical chique.
Esses “idiotas úteis” 2.0 existem porque a admiração pelo comunismo se
alastrou profundamente pela alta cultura, a cultura popular e as
universidades. Portanto, não é nenhuma surpresa que um grande número de millennials prefiram
o socialismo – a meio caminho do comunismo – ao capitalismo, e um terço
pensa que George W. Bush matou mais pessoas do que Stalin. Obviamente,
a emoção de ser “subversivo”, a ignorância histórica e a flacidez moral
também explicam essa misteriosa atração por uma ideologia do assassínio
e da tirania por parte daqueles que se consideram intelectuais
sofisticados.
Cem
anos depois que o comunismo surgiu no cenário mundial, ele sobreviveu
ao colapso de seu patrocinador estatal mais letal, a União Soviética e,
de forma modificada, vive em regimes totalitários como a China e nos
partidos políticos em toda a Europa. A série no Times nos lembra que as
teorias desacreditadas e o fascínio do maior inimigo da liberdade ainda
devem ser atacados e ridicularizados.
Thornton está certo, claro. Quem tenta ridicularizar não o comunista, mas o anticomunista,
como se fosse um paranoico preso nos tempos de Guerra Fria vendo
fantasmas, pode nem saber, mas está agindo como um idiota útil dos
comunistas. O comunismo não morreu, e basta uma rápida passada de olho
na mídia mainstream para verificar isso.
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