quarta-feira, 31 de outubro de 2012
Kassab manda seus 8 vereadores mudar de lado. Ou: A mais nova peça da lavanderia de reputações do PT
Reinaldo Azevedo - VEJA
Reinaldo Azevedo - VEJA
Bem, a esta altura, não há nada de surpreendente na notícia, mas vamos lá. Os oito vereadores eleitos do PSD, sob a liderança de Gilberto Kassab, já emitiram uma nota, em parecia com o PSB, de apoio ao futuro prefeito, Fernando Haddad.
Muito bem! A futura composição da Câmara é esta:
PT – 11
PSDB – 9
PSD – 8
PV – 4
PTB – 4
PMDB – 3
PR – 3
PSB – 3
PPS – 2
DEM – 2
PRB – 2
PHS – 1
PSOL – 1
PC do B – 1
PP – 1
PSD – 8
PV – 4
PTB – 4
PMDB – 3
PR – 3
PSB – 3
PPS – 2
DEM – 2
PRB – 2
PHS – 1
PSOL – 1
PC do B – 1
PP – 1
Vamos ver. Foram eleitos na oposição ao petismo os vereadores do PSDB (9), do PSD (8), do PV (4), do PTB (4), do PR (3), do PPS (2), do DEM (2) e do PSOL (1). Só aí haveria uma bancada de 33 do total de 55.
Mas quê… O PSD, como se vê, menos de 48 horas depois do resultado, já anuncia a formação — que é chamada de “manutenção” — de um “bloco” com o PSB… Que coisa fantástica esse jogo do ganha-ganha de Kassab, não é mesmo? Vejam que o tal bloco terá 11 parlamentares e suplanta o PSDB como segunda bancada… Espero que os tucanos também tentem fazer o seu, não é?
Contra a vontade do PSDB, Kassab praticamente impôs a formação da bloco partidário também para a disputa das vagas na Câmara. E agora já fez o partido migrar para o outro lado. Dos que se elegeram na oposição ao petismo, certos mesmo são os votos do… PSDB. Talvez o do PSOL…
As forças que elegeram Haddad fizeram, contando com boa vontade, 20 vereadores. Mas há uma boa possibilidade de que ele forme uma bancada superior a 40… O PT preza tanto Kassab porque ninguém trabalha com tanta determinação para destruir os tucanos em São Paulo.
É o que aqueles “intelectuais” que dão plantão no Estadão chamam “modernidade”…
A partir de hoje, Kassab passa a ser o mais novo patriota a ser exaltado pelo petismo e seus blogs amestrados. “E você, Reinaldo?” Eu? Ora, eu sempre escrevi aqui que sua gestão tinha sido bem melhor do que se alardeava na imprensa e nos blogs sujos, não é? E não mudei de ideia. E estou censurando, sem mudar uma vírgula do que escrevi, esse espetáculo indecoroso de adesismo.
Os petistas já achincalharam Collor e depois lavaram a sua reputação. Já achincalharam Ciro e depois lavaram a sua reputação (andam tentados a achincalhá-lo de novo!). Já achincalharam Sarney e depois lavaram a sua reputação. Já achincalharam Maluf e depois lavaram a sua reputação. Achincalharam Kassab, e chegou a hora de enviá-lo também à lavanderia de reputações. Em breve, será um homem bom, um grande realizador. O preço, em todos os casos, é um só: cair de joelhos diante do partido, ainda que todos tenham sido bem remunerados por isso.
É a modernidade identificada por aqueles tais “cientistas políticos”.
domingo, 28 de outubro de 2012
Farsa histórica
Merval Pereira, O GloboQuerer transformar em heróis os principais líderes condenados pelo mensalão tem o mesmo tom de farsa da afirmativa de que são “prisioneiros políticos condenados por um tribunal de exceção”.A defesa de José Dirceu tenta constranger os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) da mesma maneira que a de José Genoino tentou em vão durante o julgamento, confrontando-os com uma história de vida que teria “alto valor social” pela luta política desenvolvida tanto contra a ditadura militar quanto na democracia, com a fundação do Partido dos Trabalhadores.
Seria realmente patético se, em consequência dessa classificação esdrúxula de “perseguidos políticos”, alguns deles pedissem asilo político a “democracias” como a Venezuela ou Cuba, capazes, sim, de compactuar com a farsa que surge da tentativa de repetir a história.
Ou o Equador, como fez, desmascarando-se, Julian Assange do Wikileaks. Cairiam no ridículo se tentassem pedir asilo a uma democracia verdadeira.
Como escreveu Karl Marx, autor que deveria ser conhecido da parte dos réus que tenta dar contornos políticos à roubalheira em que foram apanhados, a história se repete, “a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa”.
Pois Genoino, ex-presidente do PT, e Dirceu, ex-ministro-chefe da Casa Civil, tentam trazer para o presente o passado, que para muitos foi heroico, para justificar os crimes que praticaram contra a democracia, a favor da qual dizem ter lutado.
Nada indica que a Guerrilha do Araguaia promovida pelo PCdoB maoista pretendesse instalar no Brasil um governo democrático, nem que José Dirceu, do Molipo (Movimento de Libertação Popular) tenha ido para Cuba aprender democracia.
Mesmo sem entrar nos eventuais méritos que tenham tido na luta política, esses “valores sociais” só fariam agravar a atuação dos dois no episódio em julgamento, pois estariam traindo seus “ideais democráticos”, agindo contra a própria democracia.
O ex-guerrilheiro José Genoino já havia se transformado em um perverso formulador da História ao se dizer vítima de novos torturadores da imprensa, que em vez de pau de arara usariam a caneta para lhe infligir sofrimentos.
Tal desvirtuamento de ideias, transformando a liberdade de expressão e de informação em instrumentos de tortura, mostra bem a alma tortuosa desse político metido em bandidagens a guisa de impor um projeto político “popular”.
Transformar um bando de delinquentes, na definição do ministro Celso de Mello, em heróis é uma tentativa de vitimizar os condenados, dando conotações políticas elevadas ao que não passou de um assalto aos cofres públicos com o objetivo de perpetuar um partido no poder através do desvirtuamento da própria democracia.
No julgamento, alguns ministros, mesmo que sugerindo respeito, ressaltaram que não estavam julgando o passado dos réus, mas os fatos nos autos do processo. Autos produzidos no sistema judiciário democrático, sob a atuação do Ministério Público Federal, um avanço da Constituição de 1988 (que o PT se recusou a assinar).
Os dois procuradores que atuaram no processo, Antonio Fernando de Souza e Roberto Gurgel, foram nomeados pelo ex-presidente Lula, e sete dos dez atuais ministros do Supremo Tribunal Federal foram indicados por Lula e Dilma.
Sem falar que o PT está no governo há dez anos, e o processo se desenvolveu nos últimos sete anos. Todos esses pontos tornam ridícula a alegação de que os condenados foram vítimas de um complô “da direita” em conluio com a “mídia golpista”.
Até Lula, de fora do processo, mas cada vez mais dentro do projeto de poder beneficiário dos golpes cometidos, saiu-se com a tirada de que já fora “absolvido pelas urnas”, alegando para isso sua reeleição, seus 80% de popularidade e a eleição de Dilma.
Fora o ato falho de admitir que alguma coisa fizera para ser absolvido, Lula teve que ouvir dos ministros, em diversas ocasiões, que eleição não tem o dom de apagar os crimes cometidos.
Essa tentativa por parte de Dirceu de colocar-se como um grande brasileiro com “valor social” tem a ver com a possibilidade de anistia por parte da presidente da República, hipótese aventada para o fim do ano.
Seria um acinte ao STF, um escândalo para a opinião pública e um reforço à percepção de que, no Brasil, quem tem amigos poderosos não vai para a cadeia.
sábado, 27 de outubro de 2012
sexta-feira, 26 de outubro de 2012
O contato dos jihadistas franceses no Paquistão
Jacques Follorou - Le Monde
Considerado pelos serviços europeus de inteligência como o pivô do recrutamento jihadista vindo da Europa, Moez Garsallaoui teria sido morto, no dia 10 de outubro, durante um ataque de avião não tripulado americano ao vilarejo de Mir Ali, no Waziristão do Norte, uma das sete agências tribais do Paquistão. Segundo a Justiça francesa antiterrorista, esse belga-tunisiano coordenava, desde 2008, as redes jihadistas europeias. Depois, à medida que essas redes foram desmanteladas, ele tinha por função receber no local, nas zonas tribais, os candidatos muitas vezes isolados no jihad.
Segundo uma fonte na procuradoria de Paris, testemunhos colhidos no processo e considerados “confiáveis” atestam que ele teria cuidado de “pelo menos seis franceses” no Waziristão do Norte. A essa estimativa é preciso somar o caso de Mohamed Merah, que ele teria encontrado durante sua passagem pela região.
“Entre todos os exemplos que conhecemos,” afirma esse mesmo membro da procuradoria, “Merah foi aquele que menos tempo permaneceu no local, entre dez e doze dias, pouco demais para receber um treinamento”.
Já os serviços de inteligência franceses confirmam a duração de sua estada e não negam “a possibilidade de um contato físico” entre os dois homens. No entanto, eles afirmam que os e-mails enviados por Merah nessa região, cujas cópias foram encaminhadas por seus homólogos americanos, negam que tenha havido qualquer diálogo com Garsallaoui por esse meio.
Este último também teria recebido Naamen Meziche, 42, um franco-argelino jihadista consumado, atualmente detido no Paquistão depois de ser preso quando tentava sair do país na direção da Somália.
Garsallaoui não administrava somente os franceses. Ele cuidava dos islamitas estrangeiros que vinham até a região, uma tarefa que também cabia ao Movimento Islâmico do Uzbequistão (MIU), um grupo afiliado à Al Qaeda.
Essa organização interna lembra que não basta para os futuros recrutas virem até as zonas tribais para entrar nas células combatentes ou nos campos de treinamento. A Al Qaeda instaurou regras de segurança rígidas para evitar infiltrações de informantes que permitam a CIA orientar seus ataques de aviões não tripulados. Dos 38 tiros realizados por esses aparelhos sem pilotos sobre solo paquistanês, desde janeiro, 17 atingiram o Waziristão do Norte e dois o Waziristão do Sul.
Segundo a Justiça francesa, os franceses que residem nessa zona podem ser “tratados com violência” se não inspirarem confiança. Segundo um magistrado, “uma recomendação junto a uma figura como Garsallaoui mudava notavelmente a recepção reservada aos aprendizes de jihadistas, mas depois é preciso convencer, do contrário pode-se ficar varrendo durante um ano”.
Esses jovens franceses que vão por conta própria até áreas complicadas nem sempre chegam ao seu destino. No início de 2011, dois franceses, Charaf Din, 25, e Ahmed Ibzaal , 23, foram presos em Lahore assim que desceram do avião. Mas a morte de Garsallaoui, que não foi confirmada ao “Le Monde” por um alto representante dos serviços secretos militares paquistaneses em Islamabad, fazia parte do trabalho de erradicação das tropas da Al Qaeda na região pela CIA que se acelerou desde a morte de seu líder, Osama Bin Laden, no dia 2 de maio de 2011.
Segundo o relatório de 2010 do serviço de inteligência da confederação suíça, Garsallaoui, no dia 9 de setembro de 2011, em 2007 estava vivendo na cidade de Düdingen, no cantão de Friburgo, onde ele recebia auxílio social. Ele é casado com a viúva de um dos assassinos do comandante Ahmed Shah Massoud.
Ele foi condenado no mesmo ano a uma pena leve “por propagação de ideias jihadistas”. Seu website divulgava cenas de decapitação de reféns em mãos de grupos afiliados à Al Qaeda e publicava reivindicações de atentados. Pouco tempo depois, ele partiu para zonas tribais.
Tradutor: Lana Lim
Jacques Follorou - Le Monde
Considerado pelos serviços europeus de inteligência como o pivô do recrutamento jihadista vindo da Europa, Moez Garsallaoui teria sido morto, no dia 10 de outubro, durante um ataque de avião não tripulado americano ao vilarejo de Mir Ali, no Waziristão do Norte, uma das sete agências tribais do Paquistão. Segundo a Justiça francesa antiterrorista, esse belga-tunisiano coordenava, desde 2008, as redes jihadistas europeias. Depois, à medida que essas redes foram desmanteladas, ele tinha por função receber no local, nas zonas tribais, os candidatos muitas vezes isolados no jihad.
Segundo uma fonte na procuradoria de Paris, testemunhos colhidos no processo e considerados “confiáveis” atestam que ele teria cuidado de “pelo menos seis franceses” no Waziristão do Norte. A essa estimativa é preciso somar o caso de Mohamed Merah, que ele teria encontrado durante sua passagem pela região.
“Entre todos os exemplos que conhecemos,” afirma esse mesmo membro da procuradoria, “Merah foi aquele que menos tempo permaneceu no local, entre dez e doze dias, pouco demais para receber um treinamento”.
Já os serviços de inteligência franceses confirmam a duração de sua estada e não negam “a possibilidade de um contato físico” entre os dois homens. No entanto, eles afirmam que os e-mails enviados por Merah nessa região, cujas cópias foram encaminhadas por seus homólogos americanos, negam que tenha havido qualquer diálogo com Garsallaoui por esse meio.
Este último também teria recebido Naamen Meziche, 42, um franco-argelino jihadista consumado, atualmente detido no Paquistão depois de ser preso quando tentava sair do país na direção da Somália.
Garsallaoui não administrava somente os franceses. Ele cuidava dos islamitas estrangeiros que vinham até a região, uma tarefa que também cabia ao Movimento Islâmico do Uzbequistão (MIU), um grupo afiliado à Al Qaeda.
Essa organização interna lembra que não basta para os futuros recrutas virem até as zonas tribais para entrar nas células combatentes ou nos campos de treinamento. A Al Qaeda instaurou regras de segurança rígidas para evitar infiltrações de informantes que permitam a CIA orientar seus ataques de aviões não tripulados. Dos 38 tiros realizados por esses aparelhos sem pilotos sobre solo paquistanês, desde janeiro, 17 atingiram o Waziristão do Norte e dois o Waziristão do Sul.
Segundo a Justiça francesa, os franceses que residem nessa zona podem ser “tratados com violência” se não inspirarem confiança. Segundo um magistrado, “uma recomendação junto a uma figura como Garsallaoui mudava notavelmente a recepção reservada aos aprendizes de jihadistas, mas depois é preciso convencer, do contrário pode-se ficar varrendo durante um ano”.
Esses jovens franceses que vão por conta própria até áreas complicadas nem sempre chegam ao seu destino. No início de 2011, dois franceses, Charaf Din, 25, e Ahmed Ibzaal , 23, foram presos em Lahore assim que desceram do avião. Mas a morte de Garsallaoui, que não foi confirmada ao “Le Monde” por um alto representante dos serviços secretos militares paquistaneses em Islamabad, fazia parte do trabalho de erradicação das tropas da Al Qaeda na região pela CIA que se acelerou desde a morte de seu líder, Osama Bin Laden, no dia 2 de maio de 2011.
Segundo o relatório de 2010 do serviço de inteligência da confederação suíça, Garsallaoui, no dia 9 de setembro de 2011, em 2007 estava vivendo na cidade de Düdingen, no cantão de Friburgo, onde ele recebia auxílio social. Ele é casado com a viúva de um dos assassinos do comandante Ahmed Shah Massoud.
Ele foi condenado no mesmo ano a uma pena leve “por propagação de ideias jihadistas”. Seu website divulgava cenas de decapitação de reféns em mãos de grupos afiliados à Al Qaeda e publicava reivindicações de atentados. Pouco tempo depois, ele partiu para zonas tribais.
Tradutor: Lana Lim
quinta-feira, 25 de outubro de 2012
Contra-ataque de Dirceu
Lauro Jardim - VEJA
A partir de segunda-feira, a turma que defende José Dirceu vai botar o bloco na rua, numa mobilização que juntará petistas, artistas e simpatizantes.
A ideia é bater o bumbo como puderem contra a sentença que o condenou em todos os crimes em que foi julgado no STF – incluindo o de “chefe de quadrilha”, epíteto que ele rejeita, mas – fazer o quê? – colado para sempre em sua testa pelos ministros do Supremo Tribunal Federal .
O combinado é que o foco dos ataques não será o STF, mas a imprensa. O STF entrará como “vítima” de pressões da imprensa.
Hoje mesmo ele aparece nos jornais dizendo-se “prisioneiro político de um julgamento de exceção”. Beleza. Dirceu quer convencer alguém de que será preso político sob um governo petista?
Lauro Jardim - VEJA
A partir de segunda-feira, a turma que defende José Dirceu vai botar o bloco na rua, numa mobilização que juntará petistas, artistas e simpatizantes.
A ideia é bater o bumbo como puderem contra a sentença que o condenou em todos os crimes em que foi julgado no STF – incluindo o de “chefe de quadrilha”, epíteto que ele rejeita, mas – fazer o quê? – colado para sempre em sua testa pelos ministros do Supremo Tribunal Federal .
O combinado é que o foco dos ataques não será o STF, mas a imprensa. O STF entrará como “vítima” de pressões da imprensa.
Hoje mesmo ele aparece nos jornais dizendo-se “prisioneiro político de um julgamento de exceção”. Beleza. Dirceu quer convencer alguém de que será preso político sob um governo petista?
Fica, Celso de Mello
Augusto Nunes - VEJA
Indicado pelo então presidente José Sarney, o ministro Celso de Mello assumiu a vaga no Supremo Tribunal Federal em 17 de agosto de 1989. Aos 66 anos, o decano do STF poderia vestir a toga por mais quatro. Mas, afetado por problemas de saúde, anda pensando em antecipar a aposentadoria. “É uma ideia que eu agora acolho com naturalidade”, disse nesta semana.
O país discorda. No julgamento do mensalão, esse paulista de Tatuí lavou a alma dos brasileiros decentes com votos que não se limitaram a reafirmar que ainda há juízes num país em decomposição moral. O desempenho do ministro mostrou que, enquanto existir um Celso de Mello no Supremo, os liberticidas que lutam pela captura do Estado Democrático de Direito não passarão.
No debate desta terça-feira, Marco Antonio Villa lastimou o afastamento prematuro do grande jurista. Imediatamente, Laura Diniz sugeriu, Reinaldo Azevedo lançou e esta coluna endossou sem restrições a campanha resumida numa frase: “Fica, Celso de Mello”. Lula e o PT sonham com um Supremo inteiramente composto por gente como Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli.
A lista de candidatos ao lugar do ministro Ayres Britto, que se aposentará em novembro, é encabeçada pelo advogado geral da União, Luiz Inácio Adams, e pelo ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. A saída do decano garantiria um empregão para os dois. Nesse caso, uma bancada majoritária de togas companheiras deixaria de ser um sonho da seita lulopetista para transformar-se num pesadelo provável.
Mesmo com o alto comando do mensalão na cadeia, incontáveis quadrilheiros e milhares de comparsas continuam em ação. Tempos de impor-lhes derrotas sucessivas. A mais urgente é a permanência no STF de um jurista que representa a face luminosa do Brasil.
Fica, Celso de Mello.
Indicado pelo então presidente José Sarney, o ministro Celso de Mello assumiu a vaga no Supremo Tribunal Federal em 17 de agosto de 1989. Aos 66 anos, o decano do STF poderia vestir a toga por mais quatro. Mas, afetado por problemas de saúde, anda pensando em antecipar a aposentadoria. “É uma ideia que eu agora acolho com naturalidade”, disse nesta semana.
O país discorda. No julgamento do mensalão, esse paulista de Tatuí lavou a alma dos brasileiros decentes com votos que não se limitaram a reafirmar que ainda há juízes num país em decomposição moral. O desempenho do ministro mostrou que, enquanto existir um Celso de Mello no Supremo, os liberticidas que lutam pela captura do Estado Democrático de Direito não passarão.
No debate desta terça-feira, Marco Antonio Villa lastimou o afastamento prematuro do grande jurista. Imediatamente, Laura Diniz sugeriu, Reinaldo Azevedo lançou e esta coluna endossou sem restrições a campanha resumida numa frase: “Fica, Celso de Mello”. Lula e o PT sonham com um Supremo inteiramente composto por gente como Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli.
A lista de candidatos ao lugar do ministro Ayres Britto, que se aposentará em novembro, é encabeçada pelo advogado geral da União, Luiz Inácio Adams, e pelo ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. A saída do decano garantiria um empregão para os dois. Nesse caso, uma bancada majoritária de togas companheiras deixaria de ser um sonho da seita lulopetista para transformar-se num pesadelo provável.
Mesmo com o alto comando do mensalão na cadeia, incontáveis quadrilheiros e milhares de comparsas continuam em ação. Tempos de impor-lhes derrotas sucessivas. A mais urgente é a permanência no STF de um jurista que representa a face luminosa do Brasil.
Fica, Celso de Mello.
segunda-feira, 22 de outubro de 2012
Por fragata apreendida, Argentina denunciará Gana na ONU
Barco foi detido no país africano. Governo argentino alegará 'violação dos direitos humanos, de tratados internacionais e crimes financeiros' no CS
VEJA
Neste domingo, o vice-Ministro das Realções Exteriores de Gana, Chris Kpodo, declarou que não tinha conhecimento de nenhum plano de evacuação. Formanda por 326 pessoas – a maioria argentinos, mas também cidadãos de Uruguai, Chile, Brasil, Paraguai, Equador, África do Sul e Venezuela –, a tripulação da fragata permance na embarcação desde o início da crise diplomática, cujo estopim foi uma decisão de um tribunal do país africano, que determinou a apreensão da fragata a pedido de um grupo de credores das Ilhas Caymán. Eles reivindicam o pagamento de uma dívida de cerca de 370 milhões de dólares pela Argentina.
Há cerca de uma semana, uma delegação argentina icomeçou a negociar com autoridades ganesas a liberação da fragata, apreendida no porto de Tema. O confisco foi uma forma de pressão encontrada por credores do fundo NML Capital, que sofreram um calote milionário quando a Argentina declarou moratória em 2001. O tribunal de Gana que autorizou a ação diz que só liberará o navio quando o governo argentino saldar a dívida.
Renúncia – O episódio causou a renúncia do comandante da Marinha da Argentina, almirante Carlos Alberto Paz. O governo de Cristina Kirchner acatou a demissão de Paz e nomeou o vice-almirante Daniel Alberto Martín, veterano da Guerra das Malvinas, seu substituto.
O governo argentino instalou um inquérito para identificar os responsáveis por permitir que a fragata Libertad, um ícone da Marinha argentina, parasse em Gana – a previsão da viagem era fazer escala na Nigéria, mas os planos foram alterados, o que possibilitou o confisco da embarcação. Suspeita-se inclusive de um complô para constranger o governo argentino.
Barco foi detido no país africano. Governo argentino alegará 'violação dos direitos humanos, de tratados internacionais e crimes financeiros' no CS
VEJA
A argentina "Fragata Liberdade" foi apreendida no porto de Tema (Reuters)
Um dia depois da presidente Cristina Kirchner determinar a evacuação da tripulação da fragata argentina Libertad, apreendida em um porto ganês desde 2 de outubro, a Argentina anunciou que irá denunciar Gana no Conselho de Segurança (CS) da ONU por "violação dos direitos humanos, de tratados internacionais e crimes financeiros". A medida deve se concretizar nesta segunda-feira, em reunião do chanceler argentino Héctor Timerman com a Presidência do conselho, atualmente a cargo da Guatemala. Neste domingo, o vice-Ministro das Realções Exteriores de Gana, Chris Kpodo, declarou que não tinha conhecimento de nenhum plano de evacuação. Formanda por 326 pessoas – a maioria argentinos, mas também cidadãos de Uruguai, Chile, Brasil, Paraguai, Equador, África do Sul e Venezuela –, a tripulação da fragata permance na embarcação desde o início da crise diplomática, cujo estopim foi uma decisão de um tribunal do país africano, que determinou a apreensão da fragata a pedido de um grupo de credores das Ilhas Caymán. Eles reivindicam o pagamento de uma dívida de cerca de 370 milhões de dólares pela Argentina.
Há cerca de uma semana, uma delegação argentina icomeçou a negociar com autoridades ganesas a liberação da fragata, apreendida no porto de Tema. O confisco foi uma forma de pressão encontrada por credores do fundo NML Capital, que sofreram um calote milionário quando a Argentina declarou moratória em 2001. O tribunal de Gana que autorizou a ação diz que só liberará o navio quando o governo argentino saldar a dívida.
Renúncia – O episódio causou a renúncia do comandante da Marinha da Argentina, almirante Carlos Alberto Paz. O governo de Cristina Kirchner acatou a demissão de Paz e nomeou o vice-almirante Daniel Alberto Martín, veterano da Guerra das Malvinas, seu substituto.
O governo argentino instalou um inquérito para identificar os responsáveis por permitir que a fragata Libertad, um ícone da Marinha argentina, parasse em Gana – a previsão da viagem era fazer escala na Nigéria, mas os planos foram alterados, o que possibilitou o confisco da embarcação. Suspeita-se inclusive de um complô para constranger o governo argentino.
Longe de Haddad, Lula ataca o 'novo' e exalta 'experiência'
Em Diadema, ex-presidente defende continuidade de grupo há 12 anos no poder
Na capital paulista, renovação é o mote do candidato petista, que pela primeira vez disputa uma eleição
FSP
O ex-presidente Lula, que prega a eleição de Fernando Haddad (PT) como forma de renovar a política em São Paulo, fez ontem um discurso contra "o novo" em Diadema (SP), cidade controlada pelo PT há 12 anos.
No palanque de Mário Reali, candidato à reeleição, Lula disse que não se deve trocar "o certo pelo duvidoso" e que o país já apostou no "novo" em 1989, quando elegeu Fernando Collor, que sofreu um impeachment dois anos após a posse. O hoje senador é aliado do PT do Congresso.
Em Diadema, Reali disputa o segundo turno contra o vereador Lauro Michels (PV) que, assim como Haddad, disputa pela primeira vez uma eleição majoritária.
O "novo" é o principal mote da campanha de Haddad em São Paulo. Toda a propaganda petista do primeiro turno se desenvolveu sobre o slogan "um homem novo para um tempo novo".
Na primeira vez em que apareceu com Haddad em um programa de TV, o do apresentador Ratinho, Lula defendeu seu candidato dizendo que "a população votará no novo porque quer mudança".
Ele afirmou ainda que o adversário José Serra (PSDB) era "desgastado" e, em comício com Haddad em setembro, aconselhou o tucano a requerer a "aposentadoria".
EXPERIÊNCIA
Já no discurso de ontem, Lula defendeu continuidade e disse mais de uma vez que "não ficaria feliz" se a população elegesse "alguém que não tem experiência".
"É importante que o povo não entre em uma aventura", afirmou o ex-presidente em seu discurso.
"[Em 1989], o novo era Collor, e vocês sabem o que aconteceu neste país. (...) Temos que votar em quem tem história. [Não podemos] Colocar [na prefeitura] alguém que nunca administrou nem a cozinha de casa", concluiu.
O ex-presidente arrematou o discurso dizendo que Diadema não deveria trocar "o certo pelo duvidoso". "Nós vimos o que aconteceu com a Carminha. Ela trocou o certo pelo duvidoso, e vocês viram o que deu nela", disse, citando a vilã da novela Avenida Brasil, da TV Globo.
No primeiro turno, Reali teve 47% dos votos válidos, contra 42% de Lauro Michels. De acordo com pesquisas eleitorais, o candidato do PV agora lidera as intenções de voto no segundo turno.
SEMELHANÇAS
O discurso que Lula usou na cidade da Grande São Paulo se assemelha ao que o PSDB de José Serra usa na capital para atacar Fernando Haddad.
Em São Paulo, a situação do candidato petista é inversa à de Diadema.
Serra teve 31% dos votos válidos no primeiro turno e Haddad 29%. Agora, o petista lidera as pesquisas de intenção de votos com vantagem de 17 pontos.
Nos últimos dias, a propaganda eleitoral tucana tem martelado que Haddad "não está preparado" para assumir a prefeitura e que Serra seria a melhor opção por ser mais "experiente".
Em discursos e entrevistas, Serra também tem atacado o slogan petista dizendo que "novo no Brasil é político ir pra cadeia", em referência ao julgamento do mensalão.
Ontem, o tucano voltou a falar sobre o tema da novidade. Ele costuma dizer que "inovação" é uma questão de ideias, não de idade.
"Essa questão do novo, aqui na cidade, é crucial. Muita gente diz: 'Quero o novo'. O novo é o quê? É o que nós trazemos para a cidade", afirmou.
(UIRÁ MACHADO, PAULO GAMA E DANIELA LIMA)
Em Diadema, ex-presidente defende continuidade de grupo há 12 anos no poder
Na capital paulista, renovação é o mote do candidato petista, que pela primeira vez disputa uma eleição
FSP
O ex-presidente Lula, que prega a eleição de Fernando Haddad (PT) como forma de renovar a política em São Paulo, fez ontem um discurso contra "o novo" em Diadema (SP), cidade controlada pelo PT há 12 anos.
No palanque de Mário Reali, candidato à reeleição, Lula disse que não se deve trocar "o certo pelo duvidoso" e que o país já apostou no "novo" em 1989, quando elegeu Fernando Collor, que sofreu um impeachment dois anos após a posse. O hoje senador é aliado do PT do Congresso.
Em Diadema, Reali disputa o segundo turno contra o vereador Lauro Michels (PV) que, assim como Haddad, disputa pela primeira vez uma eleição majoritária.
O "novo" é o principal mote da campanha de Haddad em São Paulo. Toda a propaganda petista do primeiro turno se desenvolveu sobre o slogan "um homem novo para um tempo novo".
Na primeira vez em que apareceu com Haddad em um programa de TV, o do apresentador Ratinho, Lula defendeu seu candidato dizendo que "a população votará no novo porque quer mudança".
Ele afirmou ainda que o adversário José Serra (PSDB) era "desgastado" e, em comício com Haddad em setembro, aconselhou o tucano a requerer a "aposentadoria".
EXPERIÊNCIA
Já no discurso de ontem, Lula defendeu continuidade e disse mais de uma vez que "não ficaria feliz" se a população elegesse "alguém que não tem experiência".
"É importante que o povo não entre em uma aventura", afirmou o ex-presidente em seu discurso.
"[Em 1989], o novo era Collor, e vocês sabem o que aconteceu neste país. (...) Temos que votar em quem tem história. [Não podemos] Colocar [na prefeitura] alguém que nunca administrou nem a cozinha de casa", concluiu.
O ex-presidente arrematou o discurso dizendo que Diadema não deveria trocar "o certo pelo duvidoso". "Nós vimos o que aconteceu com a Carminha. Ela trocou o certo pelo duvidoso, e vocês viram o que deu nela", disse, citando a vilã da novela Avenida Brasil, da TV Globo.
No primeiro turno, Reali teve 47% dos votos válidos, contra 42% de Lauro Michels. De acordo com pesquisas eleitorais, o candidato do PV agora lidera as intenções de voto no segundo turno.
SEMELHANÇAS
O discurso que Lula usou na cidade da Grande São Paulo se assemelha ao que o PSDB de José Serra usa na capital para atacar Fernando Haddad.
Em São Paulo, a situação do candidato petista é inversa à de Diadema.
Serra teve 31% dos votos válidos no primeiro turno e Haddad 29%. Agora, o petista lidera as pesquisas de intenção de votos com vantagem de 17 pontos.
Nos últimos dias, a propaganda eleitoral tucana tem martelado que Haddad "não está preparado" para assumir a prefeitura e que Serra seria a melhor opção por ser mais "experiente".
Em discursos e entrevistas, Serra também tem atacado o slogan petista dizendo que "novo no Brasil é político ir pra cadeia", em referência ao julgamento do mensalão.
Ontem, o tucano voltou a falar sobre o tema da novidade. Ele costuma dizer que "inovação" é uma questão de ideias, não de idade.
"Essa questão do novo, aqui na cidade, é crucial. Muita gente diz: 'Quero o novo'. O novo é o quê? É o que nós trazemos para a cidade", afirmou.
(UIRÁ MACHADO, PAULO GAMA E DANIELA LIMA)
Autônomos ou desunidos?
Miriam Leitão - O Globo
Foi só para não levar desaforo para casa que reagi ao banqueiro espanhol. Isso foi há muito tempo, e eu perguntava sobre as perspectivas do Brasil, na época endividado e com inflação alta. Em vez de análise objetiva, ele acusou o país de ser “primitivo” em seu nacionalismo. Respondi que primitivo era um país que não tinha consolidado o Estado nacional, como a Espanha.
A Espanha é um grande país, com sua magnífica diversidade regional, mas revisita agora, em época de crise, o fosso das suas divisões. Lembrei dessa conversa e de minha resposta atravessada vendo a Catalunha falar em separatismo.
A Catalunha é 20% do PIB espanhol e se sente injustiçada. Acredita que manda mais receitas para o governo central e recebe de volta menos do que deveria. Aqui, alguns estados também acham injusta a distribuição do bolo federativo, mas ninguém está falando em ser um novo país na América do Sul, como a Catalunha tem dito que será um novo país na Europa.
A fragmentação seria, se ocorresse, um espantoso desdobramento de uma crise que já coleciona uma sucessão de números trágicos, como a maior taxa de desemprego da zona do euro: 25,1%. Um em cada quatro espanhóis em condições de trabalhar não está em atividade. Só no segundo trimestre, o setor de serviços eliminou 500 mil vagas. Ao todo foram eliminadas 885 mil de junho a agosto.
A federação espanhola é bem diferente da nossa. Lá, os estados são chamados de “regiões autônomas”, e não por acaso. Têm mais autonomia financeira e administrativa que no Brasil, mas vivem a estranha situação de pedir socorro ao governo central e, ao mesmo tempo, falar em separação. Ontem, mais duas províncias pediram ajuda.
Os dados da agência oficial de estatística da Catalunha, o Idescat, mostram que a perda de vagas na província é mais rápida do que no resto do país. O órgão executivo catalão, Generalitat, sustenta que tem feito mais aportes ao governo central do que deveria e que isso explica o forte déficit. Por falta de dinheiro, o governo chegou a suspender repasses a escolas, hospitais e entidades de assistência social este ano.
Os quatro maiores bancos da Espanha passaram no teste de estresse, mesmo assim a avaliação mais comum é que, querendo ou não, o primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy, vai pedir socorro. O INE (Instituto Nacional de Estatística) informou que no segundo trimestre o PIB encolheu 1,3%, e os investimentos, 9,4%.
Em junho, o governo espanhol conseguiu uma linha de crédito na Europa de € 100 bilhões para socorrer o sistema financeiro. Já anunciou que gastará € 60 bilhões, mas os economistas acham que novos aportes são necessários.
— Problemas bancários são muito dinâmicos. O governo pode injetar dinheiro e sanear os bancos, mas se a inadimplência se elevar, se os saques continuarem, os buracos aparecem novamente e mais dinheiro terá que ser dado. A corrida bancária na Espanha tem sido lenta, mas contínua — disse a economista Monica de Bolle, da Galanto.
O povo catalão programa fazer um referendum sobre a independência e isso levou o rei Juan Carlos a se manifestar. Em carta, disse que o pior que os espanhóis podem fazer é “dividir forças, incentivar divisões, perseguir quimeras e avivar feridas”.
Os economistas ouvidos pelo “El País” dizem que se a Catalunha se separar ela quebra. Primeiro, porque terá que reconhecer a parte da dívida catalã que foi assumida pelo governo central e isso elevaria o endividamento a 80% do PIB. Segundo, porque ela teria dificuldade de se financiar já que sua avaliação de risco é a pior possível. Ou seja, a Espanha precisa manter unido o Estado nacional.
Miriam Leitão - O Globo
Foi só para não levar desaforo para casa que reagi ao banqueiro espanhol. Isso foi há muito tempo, e eu perguntava sobre as perspectivas do Brasil, na época endividado e com inflação alta. Em vez de análise objetiva, ele acusou o país de ser “primitivo” em seu nacionalismo. Respondi que primitivo era um país que não tinha consolidado o Estado nacional, como a Espanha.
A Espanha é um grande país, com sua magnífica diversidade regional, mas revisita agora, em época de crise, o fosso das suas divisões. Lembrei dessa conversa e de minha resposta atravessada vendo a Catalunha falar em separatismo.
A Catalunha é 20% do PIB espanhol e se sente injustiçada. Acredita que manda mais receitas para o governo central e recebe de volta menos do que deveria. Aqui, alguns estados também acham injusta a distribuição do bolo federativo, mas ninguém está falando em ser um novo país na América do Sul, como a Catalunha tem dito que será um novo país na Europa.
A fragmentação seria, se ocorresse, um espantoso desdobramento de uma crise que já coleciona uma sucessão de números trágicos, como a maior taxa de desemprego da zona do euro: 25,1%. Um em cada quatro espanhóis em condições de trabalhar não está em atividade. Só no segundo trimestre, o setor de serviços eliminou 500 mil vagas. Ao todo foram eliminadas 885 mil de junho a agosto.
A federação espanhola é bem diferente da nossa. Lá, os estados são chamados de “regiões autônomas”, e não por acaso. Têm mais autonomia financeira e administrativa que no Brasil, mas vivem a estranha situação de pedir socorro ao governo central e, ao mesmo tempo, falar em separação. Ontem, mais duas províncias pediram ajuda.
Os dados da agência oficial de estatística da Catalunha, o Idescat, mostram que a perda de vagas na província é mais rápida do que no resto do país. O órgão executivo catalão, Generalitat, sustenta que tem feito mais aportes ao governo central do que deveria e que isso explica o forte déficit. Por falta de dinheiro, o governo chegou a suspender repasses a escolas, hospitais e entidades de assistência social este ano.
Os quatro maiores bancos da Espanha passaram no teste de estresse, mesmo assim a avaliação mais comum é que, querendo ou não, o primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy, vai pedir socorro. O INE (Instituto Nacional de Estatística) informou que no segundo trimestre o PIB encolheu 1,3%, e os investimentos, 9,4%.
Em junho, o governo espanhol conseguiu uma linha de crédito na Europa de € 100 bilhões para socorrer o sistema financeiro. Já anunciou que gastará € 60 bilhões, mas os economistas acham que novos aportes são necessários.
— Problemas bancários são muito dinâmicos. O governo pode injetar dinheiro e sanear os bancos, mas se a inadimplência se elevar, se os saques continuarem, os buracos aparecem novamente e mais dinheiro terá que ser dado. A corrida bancária na Espanha tem sido lenta, mas contínua — disse a economista Monica de Bolle, da Galanto.
O povo catalão programa fazer um referendum sobre a independência e isso levou o rei Juan Carlos a se manifestar. Em carta, disse que o pior que os espanhóis podem fazer é “dividir forças, incentivar divisões, perseguir quimeras e avivar feridas”.
Os economistas ouvidos pelo “El País” dizem que se a Catalunha se separar ela quebra. Primeiro, porque terá que reconhecer a parte da dívida catalã que foi assumida pelo governo central e isso elevaria o endividamento a 80% do PIB. Segundo, porque ela teria dificuldade de se financiar já que sua avaliação de risco é a pior possível. Ou seja, a Espanha precisa manter unido o Estado nacional.
Governo Obama e as medidas 'desajeitadas' após morte de embaixador na Líbia
Vinte e quatro horas depois que o complexo dos EUA em Benghazi foi atacado e o embaixador norte-americano assassinado, a tragédia parecia ter mais chances de ajudar a campanha do presidente Barack Obama à reeleição do que de prejudicá-lo.
A Casa Branca já gozava de mais credibilidade pública quanto à política externa do que quanto a praticamente qualquer outro assunto. Quando Mitt Romney reagiu ao ataque com uma dura crítica partidária, retratando um comunicado de imprensa enviado pela embaixada do Cairo antes que qualquer tipo de violência começasse como uma apologia da Casa Branca aos perpetradores, o caminho do presidente pareceu claro. Ele seria disciplinado e cuidadoso, mostraria raiva e firmeza, mas também frieza sob pressão, e deixaria que o efeito nacionalista fazer seu trabalho natural.
O que aconteceu, em vez disso, foi muito estranho. Tendo primeiro repudiado o pedido de desculpas da embaixada aos muçulmanos ofendidos por um filme que questionava seu profeta, o governo Obama decidiu abraçar a premissa do pedido de desculpas, e insistiu que o filme foi o ingrediente crucial da violência do aniversário de 11 de setembro.
Dias depois do ataque, quando ficou claro que a violência em Benghazi foi uma operação da Al Qaida em vez de um protesto, funcionários da Casa Branca continuaram a enfatizar a importância do vídeo “odioso” e “repugnante”, e seu suposto papel como catalisador para o que Susan Rice, embaixadora da ONU, insistiu ter sido um ataque espontâneo.
Esta narrativa foi empurrado nos programas matinais de domingo, nos talk shows de fim de noite e em coletivas de imprensa, por todos, de Rice a Hillary Clinton até o próprio presidente. Quando Obama falou na ONU logo após os atentados, o vídeo foi citado seis vezes no texto; a Al Qaida foi citada apenas uma vez.
Eventualmente, a Casa Branca deixou o vídeo fugir silenciosamente de sua retórica pública, e se concentrou novamente no terrorismo. Mas tudo o que saiu sobre Benghazi pareceu muito mais condenável porque o governo praticou uma estranha negação no início. Os alertas ignorados, as falhas na segurança, o vazamento de detalhes em reportagens e audiências do Congresso – tudo isso teria sido recebido de forma diferente se a Casa Branca não tivesse passado uma semana agindo como se tivesse algo grande a perder chamando o terrorismo de terrorismo.
O que explica essa estratégia de autodestrutiva? Uma possibilidade é que a acusação bastante repetida de Romney sobre a “turnê de desculpas” está correta, e esta Casa Branca não pode resistir ao desejo de apaziguar os inimigos quando os EUA estão sob ataque. Mas o retrato de Romney sobre Obama como Neville Chamberlain sempre foi só uma caricatura, e ninguém que assistiu à convenção democrata deve duvidar do conforto Obama ao se enrolar no manto da guerra contra o terror.
Outra possibilidade, mais plausível é que, precisamente porque a Casa Branca quer ser vista como durona em relação ao terrorismo, reluta em reconhecer a possibilidade de que não colocou a Al Qaida inteira para correr.
Mas até isso parece insuficiente para explicar o erro desajeitado da Casa Branca em Benghazi. Certamente reconhecer a persistência da Al Qaida não prejudicaria o orgulho (justificável) do governo por ter acabado com seu líder. De fato, se a organização de Osama bin Laden ainda existe, por que os norte-americanos não quereriam manter o presidente que deu a ordem em Abbottabad para que ele pudesse terminar o trabalho?
Talvez, então, a verdadeira explicação para a ansiedade da Casa Branca sobre chamar o ataque à embaixada de um ato de terror tenha menos a ver com “quem” do que com “onde”. Não se tratou de a Al Qaida atacar em qualquer lugar: foi um ataque na Líbia, um país onde a Casa Branca de Obama lançou uma intervenção militar não-exatamente-constitucional com uma ligação não exatamente clara com os interesses nacionais.
Num longo perfil de Obama publicado no mês passado pela revista "Vanity Fair", Michael Lewis sugeriu que o presidente temia as consequências de uma única vítima ainda durante a incursão na Líbia, sob pena de gerar uma narrativa sobre como “um presidente eleito para nos tirar de uma guerra num país árabe fez com que os norte-americanos fossem mortos em outro.”
Quanto mais, então, o presidente poderia temer uma narrativa sobre como a intervenção na Líbia ajudou a criar um vácuo de poder no qual grupos terroristas podem operar com impunidade? Isso claramente aconteceu perto de Mali, onde o efeito dominó da derrubada de Muamar Gadaffi ajudaram a empoderar uma filial da Al Qaida. Neste contexto, é fácil ver por que o governo esperaria que o ataque a Benghazi fosse apenas a violência espontânea da multidão em vez de um sinal da crescente presença da Al Qaida na Líbia pós-intervenção.
A única boa notícia para Obama nessa confusão é o fato de que Romney, sempre com a intenção de transmitir dureza, não atacou a decisão original de ir para a guerra na Líbia, nem conectou a própria intervenção aos avanços da Al Qaida no norte da África.
Se o candidato republicano fosse menos beligerante, a Casa Branca poderia estar enfrentando uma crítica mais abrangente e merecida – e a história não seria apenas sobre as especificidades de Benghazi, mas também sobre a possibilidade de que toda a política de Obama na região colocou interesses e vidas norte-americanos em risco.
Tradutor: Eloise De Vylder
Vinte e quatro horas depois que o complexo dos EUA em Benghazi foi atacado e o embaixador norte-americano assassinado, a tragédia parecia ter mais chances de ajudar a campanha do presidente Barack Obama à reeleição do que de prejudicá-lo.
A Casa Branca já gozava de mais credibilidade pública quanto à política externa do que quanto a praticamente qualquer outro assunto. Quando Mitt Romney reagiu ao ataque com uma dura crítica partidária, retratando um comunicado de imprensa enviado pela embaixada do Cairo antes que qualquer tipo de violência começasse como uma apologia da Casa Branca aos perpetradores, o caminho do presidente pareceu claro. Ele seria disciplinado e cuidadoso, mostraria raiva e firmeza, mas também frieza sob pressão, e deixaria que o efeito nacionalista fazer seu trabalho natural.
O que aconteceu, em vez disso, foi muito estranho. Tendo primeiro repudiado o pedido de desculpas da embaixada aos muçulmanos ofendidos por um filme que questionava seu profeta, o governo Obama decidiu abraçar a premissa do pedido de desculpas, e insistiu que o filme foi o ingrediente crucial da violência do aniversário de 11 de setembro.
Dias depois do ataque, quando ficou claro que a violência em Benghazi foi uma operação da Al Qaida em vez de um protesto, funcionários da Casa Branca continuaram a enfatizar a importância do vídeo “odioso” e “repugnante”, e seu suposto papel como catalisador para o que Susan Rice, embaixadora da ONU, insistiu ter sido um ataque espontâneo.
Esta narrativa foi empurrado nos programas matinais de domingo, nos talk shows de fim de noite e em coletivas de imprensa, por todos, de Rice a Hillary Clinton até o próprio presidente. Quando Obama falou na ONU logo após os atentados, o vídeo foi citado seis vezes no texto; a Al Qaida foi citada apenas uma vez.
Eventualmente, a Casa Branca deixou o vídeo fugir silenciosamente de sua retórica pública, e se concentrou novamente no terrorismo. Mas tudo o que saiu sobre Benghazi pareceu muito mais condenável porque o governo praticou uma estranha negação no início. Os alertas ignorados, as falhas na segurança, o vazamento de detalhes em reportagens e audiências do Congresso – tudo isso teria sido recebido de forma diferente se a Casa Branca não tivesse passado uma semana agindo como se tivesse algo grande a perder chamando o terrorismo de terrorismo.
O que explica essa estratégia de autodestrutiva? Uma possibilidade é que a acusação bastante repetida de Romney sobre a “turnê de desculpas” está correta, e esta Casa Branca não pode resistir ao desejo de apaziguar os inimigos quando os EUA estão sob ataque. Mas o retrato de Romney sobre Obama como Neville Chamberlain sempre foi só uma caricatura, e ninguém que assistiu à convenção democrata deve duvidar do conforto Obama ao se enrolar no manto da guerra contra o terror.
Outra possibilidade, mais plausível é que, precisamente porque a Casa Branca quer ser vista como durona em relação ao terrorismo, reluta em reconhecer a possibilidade de que não colocou a Al Qaida inteira para correr.
Mas até isso parece insuficiente para explicar o erro desajeitado da Casa Branca em Benghazi. Certamente reconhecer a persistência da Al Qaida não prejudicaria o orgulho (justificável) do governo por ter acabado com seu líder. De fato, se a organização de Osama bin Laden ainda existe, por que os norte-americanos não quereriam manter o presidente que deu a ordem em Abbottabad para que ele pudesse terminar o trabalho?
Talvez, então, a verdadeira explicação para a ansiedade da Casa Branca sobre chamar o ataque à embaixada de um ato de terror tenha menos a ver com “quem” do que com “onde”. Não se tratou de a Al Qaida atacar em qualquer lugar: foi um ataque na Líbia, um país onde a Casa Branca de Obama lançou uma intervenção militar não-exatamente-constitucional com uma ligação não exatamente clara com os interesses nacionais.
Num longo perfil de Obama publicado no mês passado pela revista "Vanity Fair", Michael Lewis sugeriu que o presidente temia as consequências de uma única vítima ainda durante a incursão na Líbia, sob pena de gerar uma narrativa sobre como “um presidente eleito para nos tirar de uma guerra num país árabe fez com que os norte-americanos fossem mortos em outro.”
Quanto mais, então, o presidente poderia temer uma narrativa sobre como a intervenção na Líbia ajudou a criar um vácuo de poder no qual grupos terroristas podem operar com impunidade? Isso claramente aconteceu perto de Mali, onde o efeito dominó da derrubada de Muamar Gadaffi ajudaram a empoderar uma filial da Al Qaida. Neste contexto, é fácil ver por que o governo esperaria que o ataque a Benghazi fosse apenas a violência espontânea da multidão em vez de um sinal da crescente presença da Al Qaida na Líbia pós-intervenção.
A única boa notícia para Obama nessa confusão é o fato de que Romney, sempre com a intenção de transmitir dureza, não atacou a decisão original de ir para a guerra na Líbia, nem conectou a própria intervenção aos avanços da Al Qaida no norte da África.
Se o candidato republicano fosse menos beligerante, a Casa Branca poderia estar enfrentando uma crítica mais abrangente e merecida – e a história não seria apenas sobre as especificidades de Benghazi, mas também sobre a possibilidade de que toda a política de Obama na região colocou interesses e vidas norte-americanos em risco.
Tradutor: Eloise De Vylder
domingo, 21 de outubro de 2012
Cerca Minha Casa, Minha Vida ergue 'minicidade' isolada de 12 mil habitantes vivem em Londrina sem escola, creche ou posto de saúde
Falta de estrutura e planejamento custa ao município R$ 128 mil por mês só para levar crianças até as escolas
WILHAN SANTIN - FSP
Uma "minicidade" com cerca de 12 mil habitantes, no norte do Paraná, não tem escola, creche nem posto de saúde. Comércio, só informal.
Iniciado em 2009, no governo Lula, e considerado anos atrás o maior canteiro do Minha Casa, Minha Vida no país, o conjunto habitacional Vista Bela tem 2.712 moradias, construídas longe do centro de Londrina e entregues há um ano. Se fosse uma cidade, seria mais populosa que 242 dos 399 municípios do Paraná. São 1.272 casas geminadas, de 35 m², e 1.440 apartamentos, de 42 m².
A auxiliar de costureira Jenaína Ribeiro dos Santos, 24, é uma das moradoras. Todos os dias ela acorda às 4h, junto com o casal de gêmeos Jaqueline Rebeca e Daniel Miguel, de dois anos.
Madrugar é necessário para que tenha tempo de deixar as crianças em uma creche, em outro bairro, para depois seguir para o serviço.
"Se houvesse creche aqui perto simplificaria muito a minha vida e seria mais confortável para as crianças. No inverno, elas tomam muita friagem", diz Jenaína, que ainda desembolsa R$ 250 todos os meses para que uma vizinha cuide de seu filho mais velho, João, 5.
O PREÇO DA DISTÂNCIA
A falta de estrutura e planejamento custa caro ao município. Como não há escola na "minicidade", a prefeitura fechou um contrato emergencial com uma empresa de ônibus que recolhe cerca de mil crianças no Vista Bela e as distribui por 23 colégios.
O custo mensal é de R$ 128 mil e passará de R$ 1 milhão até que o residencial ganhe escolas, o que deve ocorrer só no final de 2013. Os ônibus pagos pela prefeitura levam somente crianças mais novas do ensino fundamental.
Estudantes a partir do sexto ano precisam pagar a passagem do transporte coletivo, o que obrigou os filhos adolescentes do carpinteiro Vilvaldo dos Santos, 48, a morar fora do Vista Bela para economizar esse dinheiro.
"Eles estão com a avó, assim ficam perto da escola. Aqui falta tudo", diz o pai. A passagem de ônibus custa R$ 2,20 (estudante paga meia).
Outro drama é a falta de posto médico. Quem precisa recorre ao posto do bairro vizinho, distante 2 km e que não atende à demanda.
Responsável por uma irmã e um sobrinho com deficiência mental, Dolvanir Pires, 60, reclama da falta de planejamento do poder público.
"Demoraram mais de um ano para fazer as moradias. Por que não fizeram um posto de saúde junto?"
Colaborou NELSON BARROS NETO, de Salvador
Falta de estrutura e planejamento custa ao município R$ 128 mil por mês só para levar crianças até as escolas
WILHAN SANTIN - FSP
Uma "minicidade" com cerca de 12 mil habitantes, no norte do Paraná, não tem escola, creche nem posto de saúde. Comércio, só informal.
Iniciado em 2009, no governo Lula, e considerado anos atrás o maior canteiro do Minha Casa, Minha Vida no país, o conjunto habitacional Vista Bela tem 2.712 moradias, construídas longe do centro de Londrina e entregues há um ano. Se fosse uma cidade, seria mais populosa que 242 dos 399 municípios do Paraná. São 1.272 casas geminadas, de 35 m², e 1.440 apartamentos, de 42 m².
A auxiliar de costureira Jenaína Ribeiro dos Santos, 24, é uma das moradoras. Todos os dias ela acorda às 4h, junto com o casal de gêmeos Jaqueline Rebeca e Daniel Miguel, de dois anos.
Madrugar é necessário para que tenha tempo de deixar as crianças em uma creche, em outro bairro, para depois seguir para o serviço.
"Se houvesse creche aqui perto simplificaria muito a minha vida e seria mais confortável para as crianças. No inverno, elas tomam muita friagem", diz Jenaína, que ainda desembolsa R$ 250 todos os meses para que uma vizinha cuide de seu filho mais velho, João, 5.
O PREÇO DA DISTÂNCIA
A falta de estrutura e planejamento custa caro ao município. Como não há escola na "minicidade", a prefeitura fechou um contrato emergencial com uma empresa de ônibus que recolhe cerca de mil crianças no Vista Bela e as distribui por 23 colégios.
O custo mensal é de R$ 128 mil e passará de R$ 1 milhão até que o residencial ganhe escolas, o que deve ocorrer só no final de 2013. Os ônibus pagos pela prefeitura levam somente crianças mais novas do ensino fundamental.
Estudantes a partir do sexto ano precisam pagar a passagem do transporte coletivo, o que obrigou os filhos adolescentes do carpinteiro Vilvaldo dos Santos, 48, a morar fora do Vista Bela para economizar esse dinheiro.
"Eles estão com a avó, assim ficam perto da escola. Aqui falta tudo", diz o pai. A passagem de ônibus custa R$ 2,20 (estudante paga meia).
Outro drama é a falta de posto médico. Quem precisa recorre ao posto do bairro vizinho, distante 2 km e que não atende à demanda.
Responsável por uma irmã e um sobrinho com deficiência mental, Dolvanir Pires, 60, reclama da falta de planejamento do poder público.
"Demoraram mais de um ano para fazer as moradias. Por que não fizeram um posto de saúde junto?"
Colaborou NELSON BARROS NETO, de Salvador
Tudo pelo social!!! Esta mulher puniu trabalho escravo em empreiteira do “Minha Casa, Minha Vida” e foi posta no olho da rua pelo governo Dilma
Por Reinaldo Azevedo
Por Adriano Ceolin, na VEJA:
Na próxima semana, o Diário Oficial da União vai publicar a exoneração de Vera Lúcia Albuquerque, secretária de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho. A servidora ocupava o cargo havia quase dois anos e, nos últimos meses, começou a ser pressionada para não cumprir o seu dever. Em março do ano passado, fiscais do Ministério do Trabalho depararam em Americana, no interior de São Paulo, com uma daquelas cenas que ainda constrangem o Brasil. No canteiro de obras de uma empreiteira responsável pela construção de residências do projeto Minha Casa, Minha Vida — o mais ambicioso programa habitacional do governo federal para a população de baixa renda –, foram resgatados 64 trabalhadores mantidos em condições tão precárias que, tecnicamente, são descritas como “análogas à escravidão”. Eles eram recrutados no Nordeste e recebiam adiantamento para as despesas de viagem, hospedagem e alimentação. A lógica é deixar o trabalhador sempre em dívida com o patrão. Assim, ele não recebe salário e não pode abandonar o emprego. É o escravo dos tempos modernos.
Os fiscais de Vera Lúcia encontraram trabalhadores em condições irregulares nos canteiros de obras tocadas pela MRV, a principal parceira do governo no Minha Casa, Minha Vida. Isso colocou a construtora na lista das empresas que mantêm seus empregados em condições degradantes, o que as impede de fazer negócios com a União e receber recursos de órgãos oficiais. Assim, em obediência às regras, a Caixa Econômica Federal suspendeu novos financiamentos à MRV, cujas ações perderam valor na bolsa. O que Vera Lúcia não sabia é que muita gente acima dela considera a construtora intocável. Ela conta que começou a receber pressões de seus superiores no ministério para tirar a MRV da “lista suja”. A auditora resistiu, mas as pressões aumentaram muito depois de uma visita de Rubens Menin, dono da MRV, ao ministro do Trabalho, Brizola Neto. Desde então, ela passou a ser questionada pelos assessores do ministro sobre a legitimidade da inspeção da obra de Americana. Um deles chegou a insinuar que os fiscais não tinham critérios nem qualificação para autuar as empresas. “Estão querendo pôr um cabresto político na inspeção do trabalho”, disse Vera, dias depois de renunciar ao cargo.
Após a incursão no Ministério do Trabalho, Menin e diretores procuraram Maria do Rosário, ministra da Secretaria de Direitos Humanos, e Gilberto Carvalho, ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência. Eles tentaram demonstrar que os problemas apontados pela inspeção já haviam sido resolvidos. Na conversa com a ministra Maria do Rosário, a construtora se ofereceu para aderir ao Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, convenção entre o governo, entidades da sociedade civil e empresas. “Ainda assim, pelas regras, não havia como tirar a MRV da lista”, disse José Guerra, coordenador-geral da Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo.
Além da falta de pagamento de salários e da retenção da carteira de trabalho, os fiscais encontraram o alojamento em péssimas condições de higiene, além de comida de má qualidade e estragada. O relatório da fiscalização listou 44 infrações na obra, comprovadas por meio de fotos e depoimentos de trabalhadores. “Os trabalhadores tinham restringido seu direito de locomoção em razão de dívida contraída com o empregador, da retenção de suas carteiras de trabalho e, principalmente, por meio do não pagamento do salário”, diz o relatório. Assinado por dois auditores fiscais, o documento afirma que a MRV usou empresas terceirizadas para diminuir custos trabalhistas e aumentar a margem de lucro do empreendimento: “Os contratos de prestação de serviços firmados pela MRV não passam de simulacros”. Os fiscais também registraram o fato de que os proprietários das empresas terceirizadas eram ex-funcionários da própria MRV.
Entre 2003 e 2011, o governo flagrou 35 000 trabalhadores mantidos em condições degradantes. A maior parte dos casos ainda ocorre em fazendas do Norte, mas eles já não são mais uma raridade em áreas urbanas. A fiscalização e a inclusão das empresas infratoras no cadastro são os instrumentos mais eficientes para inibir a ação dos exploradores. Vera acredita nisso e não cedeu. Só restou ao ministro Brizola Neto indeferir o pedido de reconsideração feito pela MRV ao ministério. A empresa, porém, conseguiu decisão favorável, em caráter liminar, no Superior Tribunal de Justiça. Por essa razão, setores do governo estudam mudanças nos critérios de inspeção. “Há um debate sobre a necessidade de aperfeiçoar os procedimentos de inclusão de empresas na lista, para evitar que eles possam ser questionados na Justiça, como vem ocorrendo”, informa a Secretaria-Geral da Presidência. Fica a lição: não apenas a escravidão, mas as demais mazelas do país tendem a se perpetuar enquanto as Veras Lúcias do serviço público forem obrigadas a sair do caminho por se recusarem a trair sua consciência e compactuar com o erro.
"JUÍZES"
Vale-transporte supremo
Lauro Jardim - VEJA
Numa discussão com Gilmar Mendes na quarta-feira Ricardo Lewandowski bradou: “Não sou aluno de Vossa Excelência. Sou professor na mesma categoria”. De fato, Lewandovski dá aulas. Ele é professor da Universidade Gama Filho, no Rio de Janeiro.
Lewandovski e seu colega de STF, Dias Toffoli. Frequentemente, a rota Brasília- Rio é vencida pela afinada dupla a bordo de jatinhos executivos pagos pela universidade, um oferecimento especialíssimo do ex-reitor Marcio Costa. Ou melhor, nem sempre pagos.
Uma empresa de taxi-aéreo está cobrando da Galileo (dona da Gama Filho) uma fatura de 159 000 reais em atraso há quase seis meses por cinco voos realizados entre março e maio justamente por Toffoli (e por sua namorada, Roberta Rangel que, aliás, não é professora da universidade) e Lewandovski.
Lauro Jardim - VEJA
Numa discussão com Gilmar Mendes na quarta-feira Ricardo Lewandowski bradou: “Não sou aluno de Vossa Excelência. Sou professor na mesma categoria”. De fato, Lewandovski dá aulas. Ele é professor da Universidade Gama Filho, no Rio de Janeiro.
Lewandovski e seu colega de STF, Dias Toffoli. Frequentemente, a rota Brasília- Rio é vencida pela afinada dupla a bordo de jatinhos executivos pagos pela universidade, um oferecimento especialíssimo do ex-reitor Marcio Costa. Ou melhor, nem sempre pagos.
Uma empresa de taxi-aéreo está cobrando da Galileo (dona da Gama Filho) uma fatura de 159 000 reais em atraso há quase seis meses por cinco voos realizados entre março e maio justamente por Toffoli (e por sua namorada, Roberta Rangel que, aliás, não é professora da universidade) e Lewandovski.
Para inocentar culpados, um hipócrita de carteirinha acusa o Supremo de hipocrisia
Augusto Nunes - VEJA
Augusto Nunes - VEJA
Inconformado com a condenação dos companheiros bandidos pelo Supremo Tribunal Federal, Lula repete de meia em meia hora seu diagnóstico sobre o julgamento do mensalão: “É uma hipocrisia”. O ex-presidente nunca escondeu que foge de leituras como o diabo da cruz, o vampiro da claridade e Dilma Rousseff da verdade. Pode-se deduzir, portanto, que nunca viu um dicionário a menos de um metro de distância.
Se provavelmente ignora a grafia da palavra que anda recitando, Lula decerto desconhece seu significado. Alguma alma caridosa deveria fazer-lhe o favor de contar que, segundo o Aurélio, hipocrisia quer dizer fingimento, falsidade; fingir sentimentos, crenças, virtudes, que na realidade não possui. Derivada do latim e do grego, a palavra se aplicava originalmente à representação dos atores que usavam máscaras de acordo com o papel interpretado.
Em 1997, por exemplo, Lula usava a máscara de chefe da oposição quando foi incluído no elenco de 52 protagonistas da História do Brasil entrevistados para um documentário patrocinado pelo BankBoston e produzido pela TV1. Numa das salas do Museu do Ipiranga, conversei por mais de uma hora com o então presidente de honra do PT. Ainda convalescendo da derrota que lhe impusera Fernando Henrique Cardoso três anos antes, já estava em campanha para o duelo de 1998.
Fiel ao script ditado pela máscara da vez, o entrevistado caprichou na pose de campeão da ética e da modernidade, pronto para erradicar a corrupção, o populismo e outras pragas que sempre infestaram a política brasileira. O vídeo mostra o que Lula disse sobre Jânio Quadros, FHC e o Congresso. “Enquanto o povo gostar de políticos como o Jânio, nós não saímos do atraso”, começa a discurseira. Confira três trechos:
SOBRE JÂNIO: “Sabe, o populista barato, o autoritário, o que acha que as pessoas tem que ter um chefe que mande, que dê ordem, que use a chibata, sabe, que não tem respeito pelas pessoas, que grita com o jornalista, que ofende os adversários… Eu, pela minha formação política, jamais me prestaria a ser um político desse tipo”.
SOBRE FERNANDO HENRIQUE: “Quando é que a pessoa começa a ficar ditador? É quando a pessoa se sente superior aos demais…sabe, quando a pessoa se sente superior às instituições, às organizações da sociedade civil, quando a pessoa começa a entender que não precisa ouvir mais ninguém, quando a pessoa só tem boca, não tem ouvido, a pessoa começa a ficar com atitude de ditador”.
SOBRE O CONGRESSO: “Eu acho que o parlamento brasileiro funciona como uma espécie de bolsa de valores. A verdade é que as pessoas de boa índole, as pessoas sérias, as pessoas comprometida com as suas concepções ideológica são minoritárias no Congresso. Aquilo é um balcão de negócio”.
Passados 15 anos, o entrevistado incorporou o que Jânio tinha de mais detestável, enquadrou-se no figurino que atribuiu equivocadamente a FHC e faz o que pode para tornar o Congresso mais cafajeste do que era em 1997. O farsante que agora acusa o STF de hipocrisia é um perfeito hipócrita. Mas este talvez hoje seja um dos seus traços menos repulsivos. Os outros são muito piores.
Se provavelmente ignora a grafia da palavra que anda recitando, Lula decerto desconhece seu significado. Alguma alma caridosa deveria fazer-lhe o favor de contar que, segundo o Aurélio, hipocrisia quer dizer fingimento, falsidade; fingir sentimentos, crenças, virtudes, que na realidade não possui. Derivada do latim e do grego, a palavra se aplicava originalmente à representação dos atores que usavam máscaras de acordo com o papel interpretado.
Em 1997, por exemplo, Lula usava a máscara de chefe da oposição quando foi incluído no elenco de 52 protagonistas da História do Brasil entrevistados para um documentário patrocinado pelo BankBoston e produzido pela TV1. Numa das salas do Museu do Ipiranga, conversei por mais de uma hora com o então presidente de honra do PT. Ainda convalescendo da derrota que lhe impusera Fernando Henrique Cardoso três anos antes, já estava em campanha para o duelo de 1998.
Fiel ao script ditado pela máscara da vez, o entrevistado caprichou na pose de campeão da ética e da modernidade, pronto para erradicar a corrupção, o populismo e outras pragas que sempre infestaram a política brasileira. O vídeo mostra o que Lula disse sobre Jânio Quadros, FHC e o Congresso. “Enquanto o povo gostar de políticos como o Jânio, nós não saímos do atraso”, começa a discurseira. Confira três trechos:
SOBRE JÂNIO: “Sabe, o populista barato, o autoritário, o que acha que as pessoas tem que ter um chefe que mande, que dê ordem, que use a chibata, sabe, que não tem respeito pelas pessoas, que grita com o jornalista, que ofende os adversários… Eu, pela minha formação política, jamais me prestaria a ser um político desse tipo”.
SOBRE FERNANDO HENRIQUE: “Quando é que a pessoa começa a ficar ditador? É quando a pessoa se sente superior aos demais…sabe, quando a pessoa se sente superior às instituições, às organizações da sociedade civil, quando a pessoa começa a entender que não precisa ouvir mais ninguém, quando a pessoa só tem boca, não tem ouvido, a pessoa começa a ficar com atitude de ditador”.
SOBRE O CONGRESSO: “Eu acho que o parlamento brasileiro funciona como uma espécie de bolsa de valores. A verdade é que as pessoas de boa índole, as pessoas sérias, as pessoas comprometida com as suas concepções ideológica são minoritárias no Congresso. Aquilo é um balcão de negócio”.
Passados 15 anos, o entrevistado incorporou o que Jânio tinha de mais detestável, enquadrou-se no figurino que atribuiu equivocadamente a FHC e faz o que pode para tornar o Congresso mais cafajeste do que era em 1997. O farsante que agora acusa o STF de hipocrisia é um perfeito hipócrita. Mas este talvez hoje seja um dos seus traços menos repulsivos. Os outros são muito piores.
EUA reavaliam fator racial como critério a vaga em universidades
Suprema Corte deve se pronunciar sobre caso de aluna que se considerou preterida no Texas
Ação afirmativa como critério para admissão foi proibida em cinco Estados americanos nos últimos 15 anos anos
Luciana Coelho - FSP
As sardas de Abigail Fisher, 22, podem fazer história.
Desde o último dia 10, a Suprema Corte dos EUA examina sua queixa contra a Universidade do Texas por tê-la preterido supostamente por causa de sua cor de pele, e o veredicto pode acabar com as ações afirmativas nas universidades públicas americanas após cinco décadas em vigor.
A decisão sairá só em 2013, mas o caso acirra o debate entre defensores e detratores de critérios como raça, classe social e renda para a admissão em universidades públicas.
A última vez em que o Supremo julgou o tema foi em 2003, quando, em uma queixa envolvendo a Universidade do Michigan, invalidou o uso de cotas, mas considerou constitucional o uso de raça entre os critérios de seleção.
Nos últimos 15 anos, cinco Estados americanos proibiram a ação afirmativa na admissão de universitários. No próximo dia 6, quando os EUA podem reeleger seu primeiro presidente negro (e escolhem entre dois ex-alunos da prestigiosa Escola de Direito de Harvard), Oklahoma decide se entrará para a lista.
Dois Estados trocaram a ação afirmativa por um programa de cunho socioeconômico: um percentual dos melhores estudantes de cada escola de ensino médio é automaticamente admitido. Na Flórida, 20%; no Texas, onde Fisher queria estudar, 10%.
A Universidade do Texas, que Fisher almejava em 2008, adota esse critério para 81% de seus alunos.
Os demais 19% passam por um sistema de admissão que leva em conta, além do desempenho nas provas, aptidões como música, esportes e capacidade de liderança, trabalho voluntário, renda, situação familiar e raça.
A estudante, que estava entre os 15% melhores de sua escola e acabaria depois se formando pela Universidade Estadual da Louisiana, foi reprovada e sentiu-se alvo de preconceito por ser branca (a universidade alega que ela não tinha as qualificações).
Em 2009, abriu o processo que, após veredictos negativos em duas instâncias, chega à Suprema Corte. Juristas preveem decisão apertada.
Suprema Corte deve se pronunciar sobre caso de aluna que se considerou preterida no Texas
Ação afirmativa como critério para admissão foi proibida em cinco Estados americanos nos últimos 15 anos anos
Luciana Coelho - FSP
As sardas de Abigail Fisher, 22, podem fazer história.
Desde o último dia 10, a Suprema Corte dos EUA examina sua queixa contra a Universidade do Texas por tê-la preterido supostamente por causa de sua cor de pele, e o veredicto pode acabar com as ações afirmativas nas universidades públicas americanas após cinco décadas em vigor.
A decisão sairá só em 2013, mas o caso acirra o debate entre defensores e detratores de critérios como raça, classe social e renda para a admissão em universidades públicas.
A última vez em que o Supremo julgou o tema foi em 2003, quando, em uma queixa envolvendo a Universidade do Michigan, invalidou o uso de cotas, mas considerou constitucional o uso de raça entre os critérios de seleção.
Nos últimos 15 anos, cinco Estados americanos proibiram a ação afirmativa na admissão de universitários. No próximo dia 6, quando os EUA podem reeleger seu primeiro presidente negro (e escolhem entre dois ex-alunos da prestigiosa Escola de Direito de Harvard), Oklahoma decide se entrará para a lista.
Dois Estados trocaram a ação afirmativa por um programa de cunho socioeconômico: um percentual dos melhores estudantes de cada escola de ensino médio é automaticamente admitido. Na Flórida, 20%; no Texas, onde Fisher queria estudar, 10%.
A Universidade do Texas, que Fisher almejava em 2008, adota esse critério para 81% de seus alunos.
Os demais 19% passam por um sistema de admissão que leva em conta, além do desempenho nas provas, aptidões como música, esportes e capacidade de liderança, trabalho voluntário, renda, situação familiar e raça.
A estudante, que estava entre os 15% melhores de sua escola e acabaria depois se formando pela Universidade Estadual da Louisiana, foi reprovada e sentiu-se alvo de preconceito por ser branca (a universidade alega que ela não tinha as qualificações).
Em 2009, abriu o processo que, após veredictos negativos em duas instâncias, chega à Suprema Corte. Juristas preveem decisão apertada.
Pregação política nas redes sociais desperta uma reação: 'não curti'
Multiplicação de postagens de políticos e simpatizantes têm levado usuários a excluir contatos, bloquear publicações ou ignorar mensagens
Diego Sieg - VEJA
A eleição de Barack Obama à presidência dos Estados Unidos, em 2008, incluiu definitivamente a internet e as redes sociais no roteiro obrigatório dos candidatos – e de seus simpatizantes. Ficou bem documentado à época que Obama e seus eleitores haviam explorado bem os ambientes virtuais para transformar conexões em votos. As eleições municipais brasileiras, que entram na reta final nesta semana, seguem em certa medida o modelo americano, mas em muitos casos o efeito obtido tem sido o inverso do pretendido em serviços como o Facebook e o Twitter. Ao invés do desejado "Curti", o excesso de postagens (ou o tom delas) tem provocado rejeição. Ou seja: "não Curti." O descontentamento motivou até a criação de uma comunidade no Facebook, chamada "Não quero propaganda política no meu Face", que reúne quase 2.000 seguidores.
O consultor de vendas Francisco Costa, de 33 anos, que mora em Boituva, no interior de São Paulo, é um dos incomodados com a pregação de políticos e simpatizantes. Durante o período eleitoral, excluiu da lista de contatos do Facebook cinco "amigos" – todos candidatos. "Minha timeline ficava lotada pelas postagens com propaganda política", diz. "Eu me sentia constrangido e intimidado, como se estivesse sendo coagido a aderir a uma das candidaturas."
A impressão do consultor de vendas é que as postagens feriram uma certa "ética" das redes sociais, um conjunto de regras de convivência não escritas, mas subentendidas e necessárias à coexistência digital. A sensação de que muitas postagens políticas ultrapassaram essa linha é compartilhada por outros usuários de redes. O que indignou a analista de sistemas paulistana Vanessa dos Santos, de 32 anos, não foi propriamente o volume das postagens, mas o teor. "A divulgação de conteúdos de campanha não me incomoda. O que eu acho estressante de fato são os ataques que surgem entre simpatizantes de diferentes partidos", diz. Resultado: Vanessa excluiu gente do Facebook e do Twitter. "Essas pessoas estavam tentando impor suas preferências políticas, além de criticar com muita severidade quem não se aliava a elas."
Alguns usuários optaram por não adotar a providência fatal – excluir um "amigo" –, mas ficaram igualmente incomodados. É o caso do estudante de direito José Carlos da Silva Junior, de 24 anos, de São José do Rio Preto (SP). Ele não chegou a bloquear ningúem, mas admite que não lhe faltou vontade para isso. "Eu excluí muita gente da minha lista de contatos há pouco tempo, deixando apenas pessoas que de fato trazem informações interessantes para minha vida. Então, agora, não queria cortar mais ninguém da lista, apesar da eleição." A estudante de publicidade Thayssa Barcellos, de 20 anos, de Caçapava (SP), adotou postura semelhante. "Para não me desgastar, decidi apenas não dar abertura a discussões sobre eleição, o que me aborrece. Nas redes, elas não têm fim."
Excluir, bloquear, ignorar. Eis alguns benefícios das redes sociais. Marco Bonito, estudioso desses serviços e doutorando em comunicação digital pela Universidade do Vale dos Sinos (RS), afirma que, ao mesmo tempo em que dão fôlego renovado aos pregadores políticos (o que não é ruim), as redes garantem aos usuários autonomia para decidir o que ler ou ouvir. "No caso da TV aberta ou mesmo dos carros de som, nossa autonomia para dizer 'não' à propaganda eleitoral é muito limitada", diz. "Já nas redes sociais, todo o usuário pode escolher o que deseja consumir e produzir."
Multiplicação de postagens de políticos e simpatizantes têm levado usuários a excluir contatos, bloquear publicações ou ignorar mensagens
Diego Sieg - VEJA
A eleição de Barack Obama à presidência dos Estados Unidos, em 2008, incluiu definitivamente a internet e as redes sociais no roteiro obrigatório dos candidatos – e de seus simpatizantes. Ficou bem documentado à época que Obama e seus eleitores haviam explorado bem os ambientes virtuais para transformar conexões em votos. As eleições municipais brasileiras, que entram na reta final nesta semana, seguem em certa medida o modelo americano, mas em muitos casos o efeito obtido tem sido o inverso do pretendido em serviços como o Facebook e o Twitter. Ao invés do desejado "Curti", o excesso de postagens (ou o tom delas) tem provocado rejeição. Ou seja: "não Curti." O descontentamento motivou até a criação de uma comunidade no Facebook, chamada "Não quero propaganda política no meu Face", que reúne quase 2.000 seguidores.
O consultor de vendas Francisco Costa, de 33 anos, que mora em Boituva, no interior de São Paulo, é um dos incomodados com a pregação de políticos e simpatizantes. Durante o período eleitoral, excluiu da lista de contatos do Facebook cinco "amigos" – todos candidatos. "Minha timeline ficava lotada pelas postagens com propaganda política", diz. "Eu me sentia constrangido e intimidado, como se estivesse sendo coagido a aderir a uma das candidaturas."
A impressão do consultor de vendas é que as postagens feriram uma certa "ética" das redes sociais, um conjunto de regras de convivência não escritas, mas subentendidas e necessárias à coexistência digital. A sensação de que muitas postagens políticas ultrapassaram essa linha é compartilhada por outros usuários de redes. O que indignou a analista de sistemas paulistana Vanessa dos Santos, de 32 anos, não foi propriamente o volume das postagens, mas o teor. "A divulgação de conteúdos de campanha não me incomoda. O que eu acho estressante de fato são os ataques que surgem entre simpatizantes de diferentes partidos", diz. Resultado: Vanessa excluiu gente do Facebook e do Twitter. "Essas pessoas estavam tentando impor suas preferências políticas, além de criticar com muita severidade quem não se aliava a elas."
Alguns usuários optaram por não adotar a providência fatal – excluir um "amigo" –, mas ficaram igualmente incomodados. É o caso do estudante de direito José Carlos da Silva Junior, de 24 anos, de São José do Rio Preto (SP). Ele não chegou a bloquear ningúem, mas admite que não lhe faltou vontade para isso. "Eu excluí muita gente da minha lista de contatos há pouco tempo, deixando apenas pessoas que de fato trazem informações interessantes para minha vida. Então, agora, não queria cortar mais ninguém da lista, apesar da eleição." A estudante de publicidade Thayssa Barcellos, de 20 anos, de Caçapava (SP), adotou postura semelhante. "Para não me desgastar, decidi apenas não dar abertura a discussões sobre eleição, o que me aborrece. Nas redes, elas não têm fim."
Excluir, bloquear, ignorar. Eis alguns benefícios das redes sociais. Marco Bonito, estudioso desses serviços e doutorando em comunicação digital pela Universidade do Vale dos Sinos (RS), afirma que, ao mesmo tempo em que dão fôlego renovado aos pregadores políticos (o que não é ruim), as redes garantem aos usuários autonomia para decidir o que ler ou ouvir. "No caso da TV aberta ou mesmo dos carros de som, nossa autonomia para dizer 'não' à propaganda eleitoral é muito limitada", diz. "Já nas redes sociais, todo o usuário pode escolher o que deseja consumir e produzir."
Mensagens do eleitor paulistano
Na diversidade de São Paulo, o prefeito é visto hoje como alguém que mais atrapalha do que ajuda
Mauro Paulino - FSP
Ao final da eleição, há diversas mensagens enviadas pelos eleitores. A principal delas, que pautou os movimentos das campanhas e das intenções de voto, é a insatisfação demonstrada com o estado atual da cidade de São Paulo.
Perto da totalidade dos que aqui vivem -88%- anseiam que as ações do próximo prefeito sejam, de um modo geral, diferentes das do atual, cuja administração é aprovada por apenas 19%.
A campanha eleitoral fez com que esse desejo de mudança, que já atingia 80% durante o primeiro turno, só aumentasse.
Não é por acaso que na atualização do DNA Paulistano, série de cadernos especiais sobre São Paulo publicada pela Folha, somente oito dos 96 distritos receberam avaliações de seus moradores acima das verificadas em 2008.
A vida dos paulistanos, diante dos problemas impostos pelo cotidiano, mostra a eles, diariamente, que o poder público não dá conta da demanda por serviços e atenção.
Dessa forma, mais da metade dos eleitores assumem que não votariam "de jeito nenhum" no candidato mais identificado com a atual administração e, além disso, reconhecido como o que deixou a prefeitura como herança para alguém que, aos olhos de quem vota, atravancou o avanço da cidade.
O prefeito, mais do que qualquer outro governante, tem o poder de interferir diretamente na vida dos habitantes. E, na diversidade de São Paulo, é visto hoje como alguém que mais atrapalha do que ajuda.
O encantamento com Celso Russomanno em boa parte do primeiro turno foi um alerta nesse sentido: finalmente um prefeito disposto a ajudar. No momento em que decidiu diferenciar as tarifas de ônibus, evidenciou-se como mais um estorvo no cotidiano, gerando a debandada para portos menos inseguros.
Também por isso o recorde de votos brancos e nulos conscientes, que se configura agora também no segundo turno da eleição.
O que se espera de um novo prefeito é que trate dos anseios mais prementes em cada bairro da cidade, que saiba identificar as demandas específicas e que personifique o interesse por resolvê-los.
O cidadão que depende dos serviços públicos não tem a opção de ficar alheio à eleição para a prefeitura e não permite que temas alheios interfiram em seu voto.
Na diversidade de São Paulo, o prefeito é visto hoje como alguém que mais atrapalha do que ajuda
Mauro Paulino - FSP
Ao final da eleição, há diversas mensagens enviadas pelos eleitores. A principal delas, que pautou os movimentos das campanhas e das intenções de voto, é a insatisfação demonstrada com o estado atual da cidade de São Paulo.
Perto da totalidade dos que aqui vivem -88%- anseiam que as ações do próximo prefeito sejam, de um modo geral, diferentes das do atual, cuja administração é aprovada por apenas 19%.
A campanha eleitoral fez com que esse desejo de mudança, que já atingia 80% durante o primeiro turno, só aumentasse.
Não é por acaso que na atualização do DNA Paulistano, série de cadernos especiais sobre São Paulo publicada pela Folha, somente oito dos 96 distritos receberam avaliações de seus moradores acima das verificadas em 2008.
A vida dos paulistanos, diante dos problemas impostos pelo cotidiano, mostra a eles, diariamente, que o poder público não dá conta da demanda por serviços e atenção.
Dessa forma, mais da metade dos eleitores assumem que não votariam "de jeito nenhum" no candidato mais identificado com a atual administração e, além disso, reconhecido como o que deixou a prefeitura como herança para alguém que, aos olhos de quem vota, atravancou o avanço da cidade.
O prefeito, mais do que qualquer outro governante, tem o poder de interferir diretamente na vida dos habitantes. E, na diversidade de São Paulo, é visto hoje como alguém que mais atrapalha do que ajuda.
O encantamento com Celso Russomanno em boa parte do primeiro turno foi um alerta nesse sentido: finalmente um prefeito disposto a ajudar. No momento em que decidiu diferenciar as tarifas de ônibus, evidenciou-se como mais um estorvo no cotidiano, gerando a debandada para portos menos inseguros.
Também por isso o recorde de votos brancos e nulos conscientes, que se configura agora também no segundo turno da eleição.
O que se espera de um novo prefeito é que trate dos anseios mais prementes em cada bairro da cidade, que saiba identificar as demandas específicas e que personifique o interesse por resolvê-los.
O cidadão que depende dos serviços públicos não tem a opção de ficar alheio à eleição para a prefeitura e não permite que temas alheios interfiram em seu voto.
A democracia autoritária
GAUDÊNCIO TORQUATO - OESP
Democracia autoritária? Essa figura existe no dicionário de política? O
conceito, que expressa incongruência, pautou dias atrás os argumentos de dois
ex-presidentes da República, Fernando Henrique Cardoso e Alan García, durante
sessão da Assembleia-Geral da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP),
realizada em São Paulo.
O brasileiro e o peruano denunciavam o retrocesso político que ameaça os meios de comunicação na América Latina, decorrente de "uma espécie de democracia autoritária", que, apesar de se estribar em vitórias eleitorais, despreza valores democráticos como liberdade de expressão e direito à informação. A inoculação do vírus autoritário no corpo democrático, discutida pelos participantes no evento, faz-se ver, aqui e ao derredor, por intermitentes manifestações (e concretizada em ações, como na Venezuela, no Equador e na Argentina) de interlocutores governamentais e partidários acerca da necessidade de estabelecer controles sobre a mídia. O voto tem sido a arma sacada pela governança "democrático-autoritária" para exercer a vontade e ditar regras aos regimes latino-americanos.
Não sem razão o ex-mandatário peruano lembra que pleitos eleitorais e separação dos Poderes já não bastam para definir os valores da democracia. Pois uma de suas vigas centrais, a liberdade de expressão, é despedaçada toda vez que mandatários, à moda dos caudilhos, impõem sanções à imprensa. Não fossem a reação da própria mídia e a indignação de polos sociais contra o viés autoritário de governos, mordaças contra ela já se teriam multiplicado. O fato é que a liturgia que envolve o altar democrático tem sido conspurcada em partes do planeta, o que sugere a questão: por que tal propensão autoritária? E por que floresce com maior abundância nos jardins do nosso continente?
A análise começa com um pouco de História. A comunicação no formato da massificação das ideias nasceu em 1450 numa sociedade autoritária. Firmou-se sobre o primado do Estado como ente superior ao indivíduo na escala dos valores sociais. Serviu como esteio da unidade de pensamento e ação, formando a base para a continuidade dos governantes, os herdeiros monárquicos; os nobres, que a usavam para proteger sua identidade na política e na guerra; e os dirigentes da Igreja Romana, sobre os quais pesava a responsabilidade de proteger a revelação divina.
O autoritarismo refluiu ante a expansão dos princípios liberais, cujo escopo situava o Homem, independente e racional, acima do Estado. Cabia a este prover os meios capazes de propiciar o máximo de felicidade humana. O preceito autoritário dá vez ao axioma libertário, assim sintetizado por John Stuart Mill no ensaio On Liberty: "Se toda a humanidade, com exceção de uma pessoa, tiver certa opinião, e apenas esta pessoa defender opinião contrária, a humanidade não abrigaria mais razão em silenciá-la do que ela à humanidade". Essa visão iluminou os códigos da sociedade democrática, como se vê na Constituição norte-americana, cuja Primeira Emenda reza: "O Congresso não poderá formular nenhuma lei (...) que limite a liberdade de opinião, ou a liberdade de imprensa". Ou a Quarta Emenda, que prescreve: "Nenhum Estado poderá formular ou aplicar qualquer lei que limite os privilégios ou imunidades dos cidadãos dos Estados Unidos".
Na América Latina o viés autoritário tem sido mais acentuado. A explicação pode estar no aparato que fincou profundas raízes desde o vasto e milenar Império Inca, com seus grandes caciques, e depois o poderio espanhol, povoado por reis, vice-reis, conquistadores, aventureiros e corregedores, todos inclinados a implantar regimes de caráter autocrático. A propósito, Maurice Duverger utiliza essa modelagem para explicar a opção latino-americana por um presidencialismo de caráter imperial, ao contrário do sistema parlamentarista que vicejou na Europa, inspirado na ideologia liberal da Revolução Francesa. Aliás, o timoneiro Simon Bolívar, que tanto faz a cabeça do comandante venezuelano Hugo Chávez, foi um dos primeiros a retratar a vocação latino-americana para o personalismo: "Não há boa-fé na América nem entre os homens nem entre as nações. Os tratados são papéis, as Constituições não passam de livros, as eleições são batalhas, a liberdade é anarquia e a vida, um tormento". Observando a contundência das batalhas eleitorais, as nossas incluídas, constata-se o acerto (e a atualidade) da profecia bolivariana.
O Brasil não escapa ao pendor autoritário, importado pela colonização portuguesa e ramificado na árvore patrimonialista. Fernando Henrique, que enxerga na contemporaneidade o nascimento de "uma democracia autoritária", certamente há de registrar a disposição monocrática que grassa em nossos costumes desde a velha Constituição de 1824, a qual atribuía a chefia do Executivo ao imperador. O presidencialismo brasileiro é um desfile de mandatários que vestem o manto de pais da Nação, beneméritos, heróis, salvadores da Pátria.
Ademais, por aqui os direitos foram introduzidos de maneira invertida, contribuindo para enxertar na seara democrática sementes autoritárias: primeiro, os direitos sociais (veja-se a legislação social-trabalhista e previdenciária do ciclo getulista), depois os políticos e por último os civis, ao contrário do modelo clássico da cidadania, que começa com as liberdades civis. Não por acaso, faz parte da nossa cultura o hábito de "mamar nas tetas do Estado", sob as quais se desenvolve uma cidadania passiva. A receita do bolo completa-se com o fermento populista, estocado nos bornais de meia dúzia de perfis e usado para insuflar as massas a partir de uma liturgia assistencialista.
As estacas autoritárias fincadas ao redor do arco de valores democráticos funcionam como barreiras ao livre exercício da expressão. Jornais e revistas passam a ser os alvos prediletos dos cultores de uma ordem que desfralda, de um lado, a bandeira da liberdade e, de outro, a tarja negra da coação.
O brasileiro e o peruano denunciavam o retrocesso político que ameaça os meios de comunicação na América Latina, decorrente de "uma espécie de democracia autoritária", que, apesar de se estribar em vitórias eleitorais, despreza valores democráticos como liberdade de expressão e direito à informação. A inoculação do vírus autoritário no corpo democrático, discutida pelos participantes no evento, faz-se ver, aqui e ao derredor, por intermitentes manifestações (e concretizada em ações, como na Venezuela, no Equador e na Argentina) de interlocutores governamentais e partidários acerca da necessidade de estabelecer controles sobre a mídia. O voto tem sido a arma sacada pela governança "democrático-autoritária" para exercer a vontade e ditar regras aos regimes latino-americanos.
Não sem razão o ex-mandatário peruano lembra que pleitos eleitorais e separação dos Poderes já não bastam para definir os valores da democracia. Pois uma de suas vigas centrais, a liberdade de expressão, é despedaçada toda vez que mandatários, à moda dos caudilhos, impõem sanções à imprensa. Não fossem a reação da própria mídia e a indignação de polos sociais contra o viés autoritário de governos, mordaças contra ela já se teriam multiplicado. O fato é que a liturgia que envolve o altar democrático tem sido conspurcada em partes do planeta, o que sugere a questão: por que tal propensão autoritária? E por que floresce com maior abundância nos jardins do nosso continente?
A análise começa com um pouco de História. A comunicação no formato da massificação das ideias nasceu em 1450 numa sociedade autoritária. Firmou-se sobre o primado do Estado como ente superior ao indivíduo na escala dos valores sociais. Serviu como esteio da unidade de pensamento e ação, formando a base para a continuidade dos governantes, os herdeiros monárquicos; os nobres, que a usavam para proteger sua identidade na política e na guerra; e os dirigentes da Igreja Romana, sobre os quais pesava a responsabilidade de proteger a revelação divina.
O autoritarismo refluiu ante a expansão dos princípios liberais, cujo escopo situava o Homem, independente e racional, acima do Estado. Cabia a este prover os meios capazes de propiciar o máximo de felicidade humana. O preceito autoritário dá vez ao axioma libertário, assim sintetizado por John Stuart Mill no ensaio On Liberty: "Se toda a humanidade, com exceção de uma pessoa, tiver certa opinião, e apenas esta pessoa defender opinião contrária, a humanidade não abrigaria mais razão em silenciá-la do que ela à humanidade". Essa visão iluminou os códigos da sociedade democrática, como se vê na Constituição norte-americana, cuja Primeira Emenda reza: "O Congresso não poderá formular nenhuma lei (...) que limite a liberdade de opinião, ou a liberdade de imprensa". Ou a Quarta Emenda, que prescreve: "Nenhum Estado poderá formular ou aplicar qualquer lei que limite os privilégios ou imunidades dos cidadãos dos Estados Unidos".
Na América Latina o viés autoritário tem sido mais acentuado. A explicação pode estar no aparato que fincou profundas raízes desde o vasto e milenar Império Inca, com seus grandes caciques, e depois o poderio espanhol, povoado por reis, vice-reis, conquistadores, aventureiros e corregedores, todos inclinados a implantar regimes de caráter autocrático. A propósito, Maurice Duverger utiliza essa modelagem para explicar a opção latino-americana por um presidencialismo de caráter imperial, ao contrário do sistema parlamentarista que vicejou na Europa, inspirado na ideologia liberal da Revolução Francesa. Aliás, o timoneiro Simon Bolívar, que tanto faz a cabeça do comandante venezuelano Hugo Chávez, foi um dos primeiros a retratar a vocação latino-americana para o personalismo: "Não há boa-fé na América nem entre os homens nem entre as nações. Os tratados são papéis, as Constituições não passam de livros, as eleições são batalhas, a liberdade é anarquia e a vida, um tormento". Observando a contundência das batalhas eleitorais, as nossas incluídas, constata-se o acerto (e a atualidade) da profecia bolivariana.
O Brasil não escapa ao pendor autoritário, importado pela colonização portuguesa e ramificado na árvore patrimonialista. Fernando Henrique, que enxerga na contemporaneidade o nascimento de "uma democracia autoritária", certamente há de registrar a disposição monocrática que grassa em nossos costumes desde a velha Constituição de 1824, a qual atribuía a chefia do Executivo ao imperador. O presidencialismo brasileiro é um desfile de mandatários que vestem o manto de pais da Nação, beneméritos, heróis, salvadores da Pátria.
Ademais, por aqui os direitos foram introduzidos de maneira invertida, contribuindo para enxertar na seara democrática sementes autoritárias: primeiro, os direitos sociais (veja-se a legislação social-trabalhista e previdenciária do ciclo getulista), depois os políticos e por último os civis, ao contrário do modelo clássico da cidadania, que começa com as liberdades civis. Não por acaso, faz parte da nossa cultura o hábito de "mamar nas tetas do Estado", sob as quais se desenvolve uma cidadania passiva. A receita do bolo completa-se com o fermento populista, estocado nos bornais de meia dúzia de perfis e usado para insuflar as massas a partir de uma liturgia assistencialista.
As estacas autoritárias fincadas ao redor do arco de valores democráticos funcionam como barreiras ao livre exercício da expressão. Jornais e revistas passam a ser os alvos prediletos dos cultores de uma ordem que desfralda, de um lado, a bandeira da liberdade e, de outro, a tarja negra da coação.
A demagogia das cotas
O Estado de S.Paulo
Ao divulgar o decreto e a portaria que regulamentam a Lei de Cotas, o
ministro da Educação, Aloizio Mercadante, acabou reconhecendo que a lei dará
acesso às universidades públicas a estudantes que não estão preparados para
cursá-las. Aprovada há dois meses pelo Congresso, a Lei de Cotas obriga as
universidades e institutos técnicos de nível médio federais a reservarem 50% de
vagas para alunos que tenham feito integralmente o ensino médio em escolas
públicas.
A lei também estabelece subcotas por critérios de renda e de raça. No primeiro caso, metade das vagas reservadas a "cotistas" deverá ser preenchida por estudantes com renda familiar mensal per capita de até 1,5 salário mínimo (R$ 933). As universidades e institutos técnicos federais poderão exigir cópia da declaração do Imposto de Renda, extratos bancários e até nomear uma comissão encarregada de visitar o domicílio dos candidatos para verificar se vivem em famílias com baixa renda. O decreto cria ainda um Comitê de Acompanhamento das Reservas de Vagas nas Instituições Federais de Educação Superior e de Ensino Técnico, que terá, entre outras, a incumbência de fiscalizar o cumprimento da Lei de Cotas e propor "programas de apoio" a cotistas.
Já no caso das subcotas raciais não haverá qualquer tipo de controle, bastando aos candidatos declarar se são pretos, pardos ou indígenas. Pelo decreto, os candidatos pretos, pardos e indígenas disputarão as mesmas vagas. Caberá, contudo, às universidades federais a prerrogativa de separar as subcotas raciais das cotas para indígenas.
"Fomos o último país a abolir a escravatura nas Américas. A política de ações afirmativas busca corrigir essa dívida histórica. Temos de dar mais oportunidade àqueles que nunca tiveram, que são os pobres", disse o ministro da Educação, depois de anunciar que vem preparando um sistema de tutoria e cursos de nivelamento para cotistas. "Os alunos terão um tutor que os acompanhará, verá as deficiências, ajudará a reforçar o que é necessário", afirmou. Com isso, ele admitiu os problemas de aproveitamento e desempenho escolar que a Lei de Cotas introduzirá nas universidades e institutos técnicos federais. É como se reconhecesse que as universidades e institutos técnicos federais passarão a ter dois tipos de alunos - os de primeira classe, escolhidos pelo princípio do mérito, e os de segunda classe, beneficiados pelo sistema de cotas.
"A experiência demonstra que parte desses alunos precisa de acompanhamento, especialmente no início do curso. Temos de garantir que saiam em condições. Inclusive, vamos fazer uma política de assistência estudantil, para que os cotistas possam se formar e ter seu diploma", afirmou.
Contudo, mostrando como são tomadas as decisões do governo na área social, o ministro anunciou que o "modelo nacional de nivelamento e tutorias" não deverá estar pronto antes do próximo vestibular, quando o regime de cotas entra em vigor. Portanto, apesar da retórica oficial em favor de políticas afirmativas, o MEC não estava preparado para lidar com os problemas trazidos por uma lei que aumentará significativamente as responsabilidades, a burocracia e os gastos das universidades e institutos técnicos federais com atividades-meio.
A preocupação em agitar a bandeira das cotas às vésperas de uma eleição é tanta que, na mesma entrevista em que reconheceu que o governo ainda não tem um plano de nivelamento e tutoria para cotistas, Mercadante disse que está cogitando de usar o sistema de cotas também no programa Ciência sem Fronteiras, que dá bolsas de graduação e pós-graduação no exterior. Mas, segundo ele, essa iniciativa teria de ser precedida do ensino em massa de inglês e de outras línguas. "Se não tem proficiência em inglês, só posso mandar os alunos para Portugal", afirmou. O ministro alegou que o MEC está preparando o programa Inglês sem Fronteiras. Mas, como se tornou rotineiro na administração petista, ele deverá ser implantado depois do anúncio da extensão do regime de cotas para o Ciência sem Fronteiras.
A lei também estabelece subcotas por critérios de renda e de raça. No primeiro caso, metade das vagas reservadas a "cotistas" deverá ser preenchida por estudantes com renda familiar mensal per capita de até 1,5 salário mínimo (R$ 933). As universidades e institutos técnicos federais poderão exigir cópia da declaração do Imposto de Renda, extratos bancários e até nomear uma comissão encarregada de visitar o domicílio dos candidatos para verificar se vivem em famílias com baixa renda. O decreto cria ainda um Comitê de Acompanhamento das Reservas de Vagas nas Instituições Federais de Educação Superior e de Ensino Técnico, que terá, entre outras, a incumbência de fiscalizar o cumprimento da Lei de Cotas e propor "programas de apoio" a cotistas.
Já no caso das subcotas raciais não haverá qualquer tipo de controle, bastando aos candidatos declarar se são pretos, pardos ou indígenas. Pelo decreto, os candidatos pretos, pardos e indígenas disputarão as mesmas vagas. Caberá, contudo, às universidades federais a prerrogativa de separar as subcotas raciais das cotas para indígenas.
"Fomos o último país a abolir a escravatura nas Américas. A política de ações afirmativas busca corrigir essa dívida histórica. Temos de dar mais oportunidade àqueles que nunca tiveram, que são os pobres", disse o ministro da Educação, depois de anunciar que vem preparando um sistema de tutoria e cursos de nivelamento para cotistas. "Os alunos terão um tutor que os acompanhará, verá as deficiências, ajudará a reforçar o que é necessário", afirmou. Com isso, ele admitiu os problemas de aproveitamento e desempenho escolar que a Lei de Cotas introduzirá nas universidades e institutos técnicos federais. É como se reconhecesse que as universidades e institutos técnicos federais passarão a ter dois tipos de alunos - os de primeira classe, escolhidos pelo princípio do mérito, e os de segunda classe, beneficiados pelo sistema de cotas.
"A experiência demonstra que parte desses alunos precisa de acompanhamento, especialmente no início do curso. Temos de garantir que saiam em condições. Inclusive, vamos fazer uma política de assistência estudantil, para que os cotistas possam se formar e ter seu diploma", afirmou.
Contudo, mostrando como são tomadas as decisões do governo na área social, o ministro anunciou que o "modelo nacional de nivelamento e tutorias" não deverá estar pronto antes do próximo vestibular, quando o regime de cotas entra em vigor. Portanto, apesar da retórica oficial em favor de políticas afirmativas, o MEC não estava preparado para lidar com os problemas trazidos por uma lei que aumentará significativamente as responsabilidades, a burocracia e os gastos das universidades e institutos técnicos federais com atividades-meio.
A preocupação em agitar a bandeira das cotas às vésperas de uma eleição é tanta que, na mesma entrevista em que reconheceu que o governo ainda não tem um plano de nivelamento e tutoria para cotistas, Mercadante disse que está cogitando de usar o sistema de cotas também no programa Ciência sem Fronteiras, que dá bolsas de graduação e pós-graduação no exterior. Mas, segundo ele, essa iniciativa teria de ser precedida do ensino em massa de inglês e de outras línguas. "Se não tem proficiência em inglês, só posso mandar os alunos para Portugal", afirmou. O ministro alegou que o MEC está preparando o programa Inglês sem Fronteiras. Mas, como se tornou rotineiro na administração petista, ele deverá ser implantado depois do anúncio da extensão do regime de cotas para o Ciência sem Fronteiras.
ELIÂNICAS
Na dúvida, pró-réu
Eliane Cantanhêde - FSP
BRASÍLIA - A lei não é clara quanto a lavagem de dinheiro e a formação de quadrilha, tanto que o Supremo Tribunal Federal parece bastante dividido. As duas apostas para a votação desta semana sobre quadrilha (e sobre José Dirceu como chefão) são de 6 pela condenação e 4 pela absolvição ou... empate.
Lavagem de dinheiro, apesar de estar em uso há bastante tempo, ainda é considerada uma nova modalidade de crime. E quadrilha é um conceito que vem mudando com a rapidez da tecnologia. Antes, era um bando que se reunia em esconderijos para planejar roubos e assassinatos e, depois, dividir os "lucros". E hoje? Com internet, paraísos fiscais, associações entre bancos, empresas, pessoas e -como julga o STF- até partidos, o que vem a ser quadrilha?
A partir dessas dúvidas, ou lacunas, os ministros podem pender para um lado ou outro: seguir o relator Joaquim Barbosa, que considera clara e evidente a formação de quadrilha para desviar dinheiro público e comprar parlamentares e partidos no Congresso -o famoso mensalão-, ou o revisor, que não crê em nada disso, ou vê a coisa por, digamos, outro ângulo.
Com Joaquim, tendem a ir Ayres Britto, Celso, Gilmar, Fux. Com Lewandowski, Toffoli, Rosa e Cármen Lúcia. Se a tendência se confirmar, o destino -ou melhor, as penas- de José Dirceu e José Genoino podem estar nas mãos de Marco Aurélio. Uma roleta-russa.
Se der 6 a 4, condenação. Se for 5 a 5, é empate, repetindo o que ocorreu em "fatias" anteriores, com Paulo Rocha, João Magno, José Borba, Jacinto Lamas, Valdemar Costa Neto e o ex-ministro Anderson Adauto.
Nesse caso, não há voto de Minerva do presidente Ayres Britto, porque julgamento é julgamento, Supremo é Supremo (não BBB) e há um princípio basilar e universal da Justiça: na dúvida, pró-réu. Se a mais alta corte não tem certeza e não chega a uma conclusão, como condenar alguém?
Eliane Cantanhêde - FSP
BRASÍLIA - A lei não é clara quanto a lavagem de dinheiro e a formação de quadrilha, tanto que o Supremo Tribunal Federal parece bastante dividido. As duas apostas para a votação desta semana sobre quadrilha (e sobre José Dirceu como chefão) são de 6 pela condenação e 4 pela absolvição ou... empate.
Lavagem de dinheiro, apesar de estar em uso há bastante tempo, ainda é considerada uma nova modalidade de crime. E quadrilha é um conceito que vem mudando com a rapidez da tecnologia. Antes, era um bando que se reunia em esconderijos para planejar roubos e assassinatos e, depois, dividir os "lucros". E hoje? Com internet, paraísos fiscais, associações entre bancos, empresas, pessoas e -como julga o STF- até partidos, o que vem a ser quadrilha?
A partir dessas dúvidas, ou lacunas, os ministros podem pender para um lado ou outro: seguir o relator Joaquim Barbosa, que considera clara e evidente a formação de quadrilha para desviar dinheiro público e comprar parlamentares e partidos no Congresso -o famoso mensalão-, ou o revisor, que não crê em nada disso, ou vê a coisa por, digamos, outro ângulo.
Com Joaquim, tendem a ir Ayres Britto, Celso, Gilmar, Fux. Com Lewandowski, Toffoli, Rosa e Cármen Lúcia. Se a tendência se confirmar, o destino -ou melhor, as penas- de José Dirceu e José Genoino podem estar nas mãos de Marco Aurélio. Uma roleta-russa.
Se der 6 a 4, condenação. Se for 5 a 5, é empate, repetindo o que ocorreu em "fatias" anteriores, com Paulo Rocha, João Magno, José Borba, Jacinto Lamas, Valdemar Costa Neto e o ex-ministro Anderson Adauto.
Nesse caso, não há voto de Minerva do presidente Ayres Britto, porque julgamento é julgamento, Supremo é Supremo (não BBB) e há um princípio basilar e universal da Justiça: na dúvida, pró-réu. Se a mais alta corte não tem certeza e não chega a uma conclusão, como condenar alguém?
DÓRICAS
Momento de decisão
DORA KRAMER - O Estado de S.Paulo
O ministro Celso de Mello não se abala com ataques aos procedimentos do
Supremo Tribunal Federal no julgamento do mensalão nem se deixa impressionar
pelos elogios. "Isso tudo é passageiro", ameniza.
Permanente mesmo - o mais importante na opinião dele - é o "alto poder pedagógico" do processo, cuja essência não está na distinção entre técnica e política, mas em seu caráter moral. "A peça fundamental em exame é a ética de governos."
Obviamente o ministro repudia a versão de que o STF estaria atuando como um "tribunal de exceção", distanciando-se do rigor legal para enveredar pelo terreno da perseguição a um partido: "Os conceitos emitidos não estão distanciados da realidade constitucional. Ao contrário. A fidelidade à Constituição é que nos permite demonstrar a transgressão".
O juízo definitivo, considera, será dado pela percepção do País a respeito do que vem sendo dito há quase três meses pelo Supremo. "Há um esforço do tribunal para que a coletividade saiba perfeitamente por que os réus são condenados ou absolvidos."
Daí a utilidade e a necessidade de os ministros sustentarem seus votos em argumentos doutrinários e também em princípios como o defendido por ele no dia 1.º de outubro na condenação de deputados por corrupção passiva: "Quem tem nas mãos o poder do Estado não pode exercer o poder em proveito próprio".
Celso de Mello acompanha todas as críticas, lê os sites mais desaforados, cita autores, reproduz trechos de memória. Descontado o desconforto com as que "beiram a irracionalidade" e as que "resvalam para a ofensa pessoal", celebra o "pluralismo de ideias" e aponta que aí reside a beleza da democracia.
"Ruim era o tempo em que injúrias a ministros do Supremo eram consideradas crimes de lesa-pátria", diz, exibindo como prova o artigo da Lei de Segurança Nacional ainda em vigor, mas neste aspecto letra morta. "Ainda bem", comemora.
O decano, desde 1989 na Corte, prepara-se para dar por encerrada sua missão - "este é meu último outubro aqui" - antecipando uma aposentadoria que por idade ocorreria só em 2015, a conselho do médico por causa das sucessivas crises de hipertensão.
Não provocadas, mas agravadas pelo excesso de trabalho do processo em curso, "uma exaustiva maratona". O esgotamento físico, contudo, é, na visão do ministro, largamente compensado pela oportunidade de estabelecer novos paradigmas no trato de crimes cometidos a partir do controle do aparelho de Estado.
"Não estamos julgando simples delitos de corrupção, estamos diante de uma ação corruptora destrutiva do fundamento essencial da República, que é a separação dos Poderes e o equilíbrio entre eles."
A tentativa de subjugar o Legislativo às vontades do Executivo e ainda mediante a compra dessa submissão, na concepção de Celso de Mello, afronta a integridade do Estado de direito e põe em risco a garantia das liberdades.
Como? O decano explica: "Se um dos Poderes concentra toda a força e, mais grave, constrói essa hegemonia por meio de iniciativa criminosa, o que se tem é uma aguda distorção institucional decorrente da ilicitude e do modo imperial de governar".
A expectativa do ministro é que esse julgamento funcione também como um estímulo à restauração dos preceitos republicanos.
Torce para que a sociedade compreenda o panorama que emerge de todo esse debate e se esforce para defender seu direito de contar com "administradores íntegros, parlamentares probos e juízes incorruptíveis".
Para Celso de Mello a mensagem do STF está dada: "A absoluta intolerância do Poder Judiciário em face de atos de corrupção".
Sobre o maior ou menor alcance que isso terá daqui em diante o melhor juiz é "o povo brasileiro" que, na opinião do ministro, vive "um momento de decisão".
Permanente mesmo - o mais importante na opinião dele - é o "alto poder pedagógico" do processo, cuja essência não está na distinção entre técnica e política, mas em seu caráter moral. "A peça fundamental em exame é a ética de governos."
Obviamente o ministro repudia a versão de que o STF estaria atuando como um "tribunal de exceção", distanciando-se do rigor legal para enveredar pelo terreno da perseguição a um partido: "Os conceitos emitidos não estão distanciados da realidade constitucional. Ao contrário. A fidelidade à Constituição é que nos permite demonstrar a transgressão".
O juízo definitivo, considera, será dado pela percepção do País a respeito do que vem sendo dito há quase três meses pelo Supremo. "Há um esforço do tribunal para que a coletividade saiba perfeitamente por que os réus são condenados ou absolvidos."
Daí a utilidade e a necessidade de os ministros sustentarem seus votos em argumentos doutrinários e também em princípios como o defendido por ele no dia 1.º de outubro na condenação de deputados por corrupção passiva: "Quem tem nas mãos o poder do Estado não pode exercer o poder em proveito próprio".
Celso de Mello acompanha todas as críticas, lê os sites mais desaforados, cita autores, reproduz trechos de memória. Descontado o desconforto com as que "beiram a irracionalidade" e as que "resvalam para a ofensa pessoal", celebra o "pluralismo de ideias" e aponta que aí reside a beleza da democracia.
"Ruim era o tempo em que injúrias a ministros do Supremo eram consideradas crimes de lesa-pátria", diz, exibindo como prova o artigo da Lei de Segurança Nacional ainda em vigor, mas neste aspecto letra morta. "Ainda bem", comemora.
O decano, desde 1989 na Corte, prepara-se para dar por encerrada sua missão - "este é meu último outubro aqui" - antecipando uma aposentadoria que por idade ocorreria só em 2015, a conselho do médico por causa das sucessivas crises de hipertensão.
Não provocadas, mas agravadas pelo excesso de trabalho do processo em curso, "uma exaustiva maratona". O esgotamento físico, contudo, é, na visão do ministro, largamente compensado pela oportunidade de estabelecer novos paradigmas no trato de crimes cometidos a partir do controle do aparelho de Estado.
"Não estamos julgando simples delitos de corrupção, estamos diante de uma ação corruptora destrutiva do fundamento essencial da República, que é a separação dos Poderes e o equilíbrio entre eles."
A tentativa de subjugar o Legislativo às vontades do Executivo e ainda mediante a compra dessa submissão, na concepção de Celso de Mello, afronta a integridade do Estado de direito e põe em risco a garantia das liberdades.
Como? O decano explica: "Se um dos Poderes concentra toda a força e, mais grave, constrói essa hegemonia por meio de iniciativa criminosa, o que se tem é uma aguda distorção institucional decorrente da ilicitude e do modo imperial de governar".
A expectativa do ministro é que esse julgamento funcione também como um estímulo à restauração dos preceitos republicanos.
Torce para que a sociedade compreenda o panorama que emerge de todo esse debate e se esforce para defender seu direito de contar com "administradores íntegros, parlamentares probos e juízes incorruptíveis".
Para Celso de Mello a mensagem do STF está dada: "A absoluta intolerância do Poder Judiciário em face de atos de corrupção".
Sobre o maior ou menor alcance que isso terá daqui em diante o melhor juiz é "o povo brasileiro" que, na opinião do ministro, vive "um momento de decisão".
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