O Estado de S.Paulo - Editorial
Não menos importantes do que a maioria de votos já alcançada para condenar
nove políticos por corrupção passiva, dois fatos se sobressaíram na 29.ª jornada
do julgamento do mensalão no Supremo Tribunal Federal (STF), na quinta-feira. Um
foi a consolidação, ao que tudo indica irreversível, da tendência da Corte de
rejeitar a balela lançada em desespero de causa pelos cabeças do esquema e
endossada pelo ainda presidente Lula de que o PT usou "recursos não
contabilizados" - o afamado caixa 2 - para suprir os cofres de partidos da
coligação vitoriosa nas eleições de 2002 e atrair outros para a coalizão
governista. Tudo se limitaria a um malfeito eleitoral, como se faz
"sistematicamente" no País, no inesquecível dar de ombros de Lula. O outro fato
foi a absolvição da política.
Em votos e em apartes, quatro dos dez ministros presentes - incluindo o presidente do tribunal, Carlos Ayres Britto - manifestaram a certeza de que o mensalão consistiu, como desde sempre sustentou a acusação, em usar dinheiro público lavado para a compra de apoio parlamentar ao Planalto, mediante a migração coordenada de deputados para os partidos da base aliada e pelos seus votos favoráveis aos projetos oficiais. "Se o dinheiro é público", raciocinou Britto, "não há como falar em caixa 2." Está claro que o revisor do processo, Ricardo Lewandowski, fracassa a olhos vistos na tentativa de persuadir os seus pares de que a tese da Procuradoria-Geral da República, respaldada pelo relator da matéria no STF, Joaquim Barbosa, não passa de "mera inferência ou simples conjectura".
Os ministros que condenaram anteontem o delator do mensalão, Roberto Jefferson (que acaba de se licenciar da presidência do PTB), o deputado Valdemar Costa Neto, do PR, antigo PL, além de quatro ex-deputados, assessores e dirigentes dessas legendas, mais o PP e o PMDB, poderiam tê-lo feito sem entrar nas razões por que receberam boladas do valerioduto, a mando do tesoureiro petista Delúbio Soares. Afinal, a obtenção de vantagem indevida configura o crime de corrupção passiva, qualquer que seja o motivo da paga e o destino dado à propina. Mas o ministro Luiz Fux, por exemplo, fez questão de assinalar que "o receber de dinheiro ilícito não tem nenhuma semelhança com não escriturar as contas (de campanhas eleitorais)".
É altamente provável que a convicção da compra de apoio político também fundamente as posições dos ministros Celso de Mello, Marco Aurélio Mello e do próprio Britto, que só votarão neste capítulo do julgamento na segunda-feira (quando Dias Toffoli, de seu lado, concluir o seu veredicto). Com isso, ficará assente de uma vez por todas que o mensalão não foi um acerto espúrio entre partidos, mas a expressão de uma política deliberada do governo Lula - que só cessou quando interesses contrariados levaram o deputado Roberto Jefferson a denunciar o escândalo. O mensalão foi a solução tóxica para as instituições democráticas encontrada pelos homens do então presidente, com ou sem o seu concurso, para um problema real do sistema político brasileiro: a assimetria entre a votação do candidato vitorioso do Planalto e a dos candidatos de seu partido à Câmara dos Deputados, o que obriga o eleito a construir com outras siglas a maioria parlamentar de que não pode prescindir.
A abordagem dessa questão estrutural pela ministra Cármen Lúcia foi o momento marcante, acima mencionado, da sessão de anteontem no STF. Ao condenar todos os dez políticos acusados de corrupção passiva, ela reconheceu que "um governo que não tenha maioria parlamentar tende a não se sustentar". Nem por isso se pode ser indiferente aos meios adotados pelos governantes para obtê-la, argumentou, fazendo uma consistente defesa da política e uma apaixonada exortação aos jovens para que não se deixem levar pela descrença na democracia. Processos contra políticos corruptos devem estimular não a desesperança, mas o otimismo, observou. "Eu não gostaria", disse de coração aberto, "que, a dez dias da eleição, o jovem brasileiro desacreditasse da política por causa do erro de um ou de outro."
Era o que precisava ser afirmado no julgamento do mensalão.
Em votos e em apartes, quatro dos dez ministros presentes - incluindo o presidente do tribunal, Carlos Ayres Britto - manifestaram a certeza de que o mensalão consistiu, como desde sempre sustentou a acusação, em usar dinheiro público lavado para a compra de apoio parlamentar ao Planalto, mediante a migração coordenada de deputados para os partidos da base aliada e pelos seus votos favoráveis aos projetos oficiais. "Se o dinheiro é público", raciocinou Britto, "não há como falar em caixa 2." Está claro que o revisor do processo, Ricardo Lewandowski, fracassa a olhos vistos na tentativa de persuadir os seus pares de que a tese da Procuradoria-Geral da República, respaldada pelo relator da matéria no STF, Joaquim Barbosa, não passa de "mera inferência ou simples conjectura".
Os ministros que condenaram anteontem o delator do mensalão, Roberto Jefferson (que acaba de se licenciar da presidência do PTB), o deputado Valdemar Costa Neto, do PR, antigo PL, além de quatro ex-deputados, assessores e dirigentes dessas legendas, mais o PP e o PMDB, poderiam tê-lo feito sem entrar nas razões por que receberam boladas do valerioduto, a mando do tesoureiro petista Delúbio Soares. Afinal, a obtenção de vantagem indevida configura o crime de corrupção passiva, qualquer que seja o motivo da paga e o destino dado à propina. Mas o ministro Luiz Fux, por exemplo, fez questão de assinalar que "o receber de dinheiro ilícito não tem nenhuma semelhança com não escriturar as contas (de campanhas eleitorais)".
É altamente provável que a convicção da compra de apoio político também fundamente as posições dos ministros Celso de Mello, Marco Aurélio Mello e do próprio Britto, que só votarão neste capítulo do julgamento na segunda-feira (quando Dias Toffoli, de seu lado, concluir o seu veredicto). Com isso, ficará assente de uma vez por todas que o mensalão não foi um acerto espúrio entre partidos, mas a expressão de uma política deliberada do governo Lula - que só cessou quando interesses contrariados levaram o deputado Roberto Jefferson a denunciar o escândalo. O mensalão foi a solução tóxica para as instituições democráticas encontrada pelos homens do então presidente, com ou sem o seu concurso, para um problema real do sistema político brasileiro: a assimetria entre a votação do candidato vitorioso do Planalto e a dos candidatos de seu partido à Câmara dos Deputados, o que obriga o eleito a construir com outras siglas a maioria parlamentar de que não pode prescindir.
A abordagem dessa questão estrutural pela ministra Cármen Lúcia foi o momento marcante, acima mencionado, da sessão de anteontem no STF. Ao condenar todos os dez políticos acusados de corrupção passiva, ela reconheceu que "um governo que não tenha maioria parlamentar tende a não se sustentar". Nem por isso se pode ser indiferente aos meios adotados pelos governantes para obtê-la, argumentou, fazendo uma consistente defesa da política e uma apaixonada exortação aos jovens para que não se deixem levar pela descrença na democracia. Processos contra políticos corruptos devem estimular não a desesperança, mas o otimismo, observou. "Eu não gostaria", disse de coração aberto, "que, a dez dias da eleição, o jovem brasileiro desacreditasse da política por causa do erro de um ou de outro."
Era o que precisava ser afirmado no julgamento do mensalão.
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