segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Incertezas do futuro da Itália comprometem os caminhos da Europa
Bill Emmott -Prospect
Esse é um drama político, econômico e moral estranho, mas muito atraente. Estranho, porque os principais protagonistas não são os políticos convencionais: eles são um professor, um comediante cabeludo e um contador de piadas bilionário. Atraente porque o país é a Itália, a terceira maior economia da zona do euro e dona da terceira maior dívida pública do mundo. E é um drama porque a forma como a história se desenrolar irá determinar o destino do euro e, também, se o mundo seguirá cambaleando em direção à recuperação ou se cairá de vez na depressão econômica.
Quando essa história começou? Para a maioria das pessoas, foi em novembro do ano passado, quando um forte aumento nos custos para a tomada de empréstimos por parte da Itália - num processo atabalhoado de cortes no orçamento que durou quatro meses e nunca ocorreu realmente -, além da deserção dos aliados do governo no legislativo, levaram à renúncia do primeiro-ministro de Silvio Berlusconi -o playboy bilionário que dirigiu o governo da Itália durante oito dos últimos dez anos. O presidente da república, Giorgio Napolitano, nomeou para o lugar de Berlusconi um professor de renome internacional e ex-comissário europeu, Mario Monti, para reger o que os italianos chamam de "governo técnico", que é formado principalmente de colegas professores de Monti.
Fora da Itália, a ascensão repentina de Monti - a partir de seu antigo e tranquilo cargo como presidente de uma universidade privada de negócios em Milão - cheirou à manobra antidemocrática. Afinal de contas, Monti foi colocado às pressas no parlamento e ganhou o cargo de senador vitalício.
No entanto, poucos italianos consideraram essa situação problemática: a praça diante do palácio presidencial em Roma, o Quirinale, recebeu multidões que comemoraram a queda de Berlusconi. Um filme que mostra uma orquestra improvisada e um coral cantando a "Aleluia", de Handel, se tornou viral no YouTube.
Essa era uma imagem maravilhosamente apropriada: aleluias desejando uma boa viagem a um governo mergulhado em escândalos, que transformaram a Itália em motivo de chacota internacional. E aleluias para celebrar a chegada de um novo messias, Mario Monti, que veio para salvar a Itália de seus pecados.
Mas a história não começou em novembro passado. Ela começou há 20 anos, quando a Itália passou por uma crise financeira e política da qual ainda não se recuperou: à época, a lira se desvalorizou e teve que ser eliminada do então Mecanismo de Câmbio Europeu sob o peso - da mesma forma que agora - da dívida soberana do país, que totalizava 120% da produção nacional. E o antigo sistema político também foi eliminado da política sob o peso do "Mani Pulite", ou "Mãos Limpas", escândalo de corrupção que destruiu os dois partidos que governavam a Itália havia meio século: os democrata-cristãos e os socialistas.
Adivinhem qual foi a resposta que surgiu em 1992: um governo técnico - na verdade dois governos ou, de acordo com algumas definições políticas, três. Primeiro veio Giuliano Amato, um político de ar professoral. Em seguida, Carlo Azeglio Ciampi, presidente do Banco da Itália e, finalmente, Lamberto Dini, um ex-diplomata. Todos procuraram introduzir um rápido conjunto de reformas na esperança de colocar a Itália novamente no caminho certo.
É por isso que os italianos não consideram antidemocrática a administração de Monti. Eles viram esse tipo de governo antes e se sentem confortáveis em considerá-lo perfeitamente constitucional. Mas o que eles também sabem é que, há 20 anos, esse tipo de governo não funcionou. Desde então, a corrupção piorou e a dívida alcançou novamente o patamar de 120% da produção do país. Por isso, as perguntas que eles fazem agora são diferentes: por que esse tipo de governo funcionaria agora? E qual tipo de novos políticos e de política surgirão para preencher esse vácuo?
Essas também são as perguntas que Monti está se fazendo. Ele sabe que a Itália precisa de uma revolução, de uma transformação drástica nas esferas judicial, política e econômica e, mais do que isso, ele sabe que o país precisava dessas mudanças 20 anos atrás - mas elas não aconteceram. No entanto, ele também precisa ficar sabendo de outras três coisas: que o seu período no cargo de primeiro-ministro será de, no máximo, 16 meses antes da realização das próximas eleições, que devem ser ocorrer até abril de 2013, e que as revoluções realizadas em outros países, como aquela comandada pela ex-ministra britânica Margaret Thatcher e por outros governantes, demoraram, pelo menos, entre cinco e dez anos. Monti também precisa saber que as revoluções são geralmente lideradas por indivíduos carismáticos e durões e que, apesar de ele ser durão, ele certamente não é carismático - e que, após suas medidas de austeridade terem prejudicado sua popularidade, os políticos estão tramando para tomar seu lugar.
Entre os principais interessados no lugar de Monti estão dois políticos cujo estilo e cujas ideias são um anátema a esse professor cauteloso, pró-europeu e profundamente católico: Beppe Grillo e Berlusconi. Grillo, comediante que virou ativista político e exibe uma vasta cabeleira encaracolada e grisalha, é um showman cujo Movimento Cinco Estrelas, de oposição, está assustando os principais partidos políticos após vencer as eleições para prefeito e abocanhar uma preferência de 20% nas pesquisas de opinião nacionais. Mas, mais importante do ponto de vista de Monti é o fato de Grillo, além de desejar o fim de todos os partidos políticos estabelecidos, ter como política principal a saída da Itália do euro.
O mundo já sabe o suficiente sobre Berlusconi, o homem cuja saída do governo, forçada pelos mercados de bônus, permitiu que Monti "salvasse" o país. As pessoas também sabem que Berlusconi não é oficialmente um comediante, mas sim um bilionário da mídia cujas piadas e cujo estilo de vida burlesco levaram muitos a cometer o erro de subestimá-lo durante os 18 anos que passou na política. Alguns até foram enganados e levados a crer na declaração pós-renúncia do ex-primeiro ministro, segundo a qual ele planejava sair da linha de frente da política – e que, desde então, se mostrou como uma de suas piadas mais engraçadas.
Muito menos engraçada é a busca pela fórmula populista que poderia alçá-lo de volta ao seu papel de fazedor de líderes políticos no país. Pois é a Grillo e a Berlusconi a quem Monti se refere quando tem alertado os outros líderes da União Europeia a respeito dos perigos que um clima político antieuro e contra a Alemanha que pode estar se avolumando na Itália.
Grillo e Berlusconi jamais poderiam formar uma aliança. Mas o que eles têm em comum são dois pontos perigosos: um talento enorme para fazer campanhas políticas e um ceticismo em relação ao euro. Berlusconi, cujo partido Povo da Liberdade, de direita, deveria apoiar o governo Monti, só tem flertado com medidas de oposição ao euro. Até agora, os membros do Povo da Liberdade têm dito simplesmente que as conversações a respeito de um retorno à lira "não devem ser consideradas uma blasfêmia". Mas o principal jornal da família Berlusconi, o conservador Il Giornale, dedicou sua primeira página, no início de agosto, a um ataque à chanceler alemã, Angela Merkel, no qual descreveu a Alemanha como "O Quarto Reich".
Para Monti, essa agitação antieuro é um perigo e um trunfo ao mesmo tempo. É um perigo porque ele está tentando definir um novo rumo para a Itália, que combina austeridade fiscal e liberalização do mercado, que exige sacrifícios até mesmo em um momento em que a recessão que assola o país gera um aumento na taxa de desemprego (hoje próxima dos 11% da força de trabalho) e uma queda na renda familiar. A última coisa que Monti precisa é que esse trabalho tão delicado seja minado por discursos políticos estridentes e demagógicos.
No entanto, essa agitação também é um trunfo para as relações de Monti com a Alemanha e com outros países credores da zona do euro. Monti pode dizer a eles: se vocês não me apoiarem e não apoiarem as minhas virtuosas políticas fiscais, ajudando a reduzir os custos do meu governo com a tomada de empréstimos, vejam que forças políticas vocês podem ter no meu lugar. Observar partidos extremistas como o Syriza e o Golden Dawn ganharem popularidade em um pequeno país como a Grécia é ok. Mas imagine as consequências se a política italiana sair do controle: seria como se uma avalanche enorme atingisse o euro.
Esse é um equilíbrio difícil de atingir para um homem que nunca concorreu a um cargo eletivo (e que não pretende fazê-lo), que não é respaldado por nenhuma organização política e cujo tempo de mandato é muito limitado.
Ainda assim, as especulações a respeito de uma vida política para Monti são abundantes e vão muito além da eleição geral. O principal boato que tem circulado é que ele tentará substituir Napolitano quando o mandato do presidente terminar, em maio próximo. O ocupante desse cargo - que é em grande parte cerimonial, mas que detém certo poder - é eleito pelas duas câmaras do parlamento.
Os outros boatos giram entorno da probabilidade de Monti quebrar sua promessa de não permanecer no cargo de primeiro-ministro após as próximas eleições. Ele pode tentar fazer isso saindo formalmente como o principal candidato ao cargo à frente de uma coalizão de partidos ou aceitando um convite para fazê-lo depois das eleições - caso a coalizão vencedora assim solicitasse.
A maioria suspeita que, se uma oportunidade de ficar no cargo surgir, Monti a agarrará. A tarefa que ele tem que cumprir no momento é simplesmente difícil demais, e os riscos são muito elevados. A Itália pode ser eliminada do euro caso a política adotada por Monti se mostre pouco amistosa em relação à Alemanha e se os mercados concluírem que a economia do país tem poucas chances de ser reformada.
Monti, que serviu dois mandatos como comissário europeu (1995-2004) não vai ficar sentado esperando que isso aconteça. Mas ele está dolorosamente consciente de que seu governo técnico não pode, por falta de tempo, ser o verdadeiro instrumento de mudança que a Itália precisa. Ele tem que preparar o terreno para uma transformação que seria realizada num prazo muito mais longo.
Quando Monti assumiu o governo, após a série de escândalos nos quais Berlusconi se envolveu, a maioria dos observadores fez comentários sobre os contrastes de personalidade entre os dois homens: a Itália estava passando das mãos de um homem visivelmente entediado pelas questões econômicas para as mãos de alguém que tem dedicado sua vida a elas. O país estava passado do comando de um divorciado louco por organizar festas "bunga bunga" com garotas adolescentes para o controle de um tranquilo monógamo.
Agora, no entanto, são os contrastes políticos que mais importam. Berlusconi governou por meio de anúncios drásticos e de comícios públicos, apesar de realmente ser um primeiro-ministro que não fazia nada. Monti acredita que devagar se vai ao longe - e que esse ritmo pode trazer a vitória no final da corrida. Os líderes estrangeiros mais frequentemente visitados por Berlusconi eram o russo Vladimir Putin e Muamar Kadafi, da Líbia. O líder que Monti mais visita é o Papa Bento 16.
Não há dúvida de que isso reflete a fé católica de Monti. No entanto, essa postura visa gerar uma conclusão adicional: que o papel que Monti gostaria de desempenhar na Itália, no longo prazo, para assegurar a transformação política e econômica que ele deseja, é parecido com o do papa, ainda que de forma secular - ele agiria como um guia severo, mas tranquilo, nos bastidores - embora ocasionalmente pudesse aparecer na varanda.
Para fazer isso seria necessário ter resistência e tenacidade. Não há dúvida de que Monti tem a última qualidade. Quando ele era comissário europeu para políticas de concorrência, ele demonstrou ser muito tenaz ao enfrentar gigantes multinacionais como a Microsoft e a General Electric.
Mas Monti definitivamente não é nem carismático nem franco. Ele é um homem inteligente, com um senso de humor inusitado. Mas esse tipo de humor parece não ser muito eficiente para as comunicações com o público.
Além disso, como a maioria dos professores, ele parece ser um tanto insensível em relação à opinião pública. Quando um escândalo de manipulação de resultados de jogos de futebol foi descoberto no principal campeonato italiano, além de condenar com razão a má conduta por motivos morais, Monti sugeriu que o campeonato fosse suspenso por dois ou três anos. O político responsável por reduzir o pão dos cidadãos por meio de suas políticas fiscais austeras também estava propondo que o "circo" mais popular do país também tivesse suas apresentações suspensas. A declaração não caiu bem.
Quando se trata da política fiscal italiana, no entanto, Monti assumiu um controle rígido, cortando gastos, aumentando de impostos, reforçando a campanha contra a evasão de divisas e adiantando para 2014 a meta anterior do governo de Berlusconi de equilibrar o orçamento. Mas ele deve estar decepcionado com o fato de os mercados financeiros não terem se mostrado mais impressionados por seus esforços: embora a Itália seja o único país da zona euro que tem seguindo as regras do novo tratado fiscal do bloco - apesar de se encontrar em dificuldades e de ter um déficit anual de meros 2,7% do produto interno bruto -, o país ainda tem visto os rendimentos dos títulos de seu governo subirem constantemente rumo ao perigoso território que fica além dos 7%.
Um motivo para que isso esteja ocorrendo é a recessão do país: as mais recentes previsões de consenso apontam que a economia do país encolherá 2,1%. Outro motivo é a preocupação generalizada sobre a estabilidade da zona euro: se a saída da Grécia do bloco de países também causasse uma corrida aos títulos espanhóis, o contágio inevitavelmente se espalharia para a Itália e, por isso, os investidores estão precificando esse risco. O terceiro motivo é o discurso antieuro de Grillo, que Berlusconi está fomentando. Mas há uma quarta e mais importante razão: a ausência crônica de crescimento econômico na Itália. A menos que os mercados comecem a acreditar que essa situação pode mudar, a dívida soberana italiana de 120% do PIB, que totaliza € 2 trilhões (US$ 2,6 trilhões), sempre vai representar um risco.
A receita para a transformação do país baseia-se principalmente na economia e na aplicação das normas do Estado de direito. Mas só a política pode determinar se essa mudança realmente será preparada e colocada sobre mesa para ser discutida.
As reformas liberais começaram furtivamente, mas elas mal arranharam a superfície daquilo que precisa ser feito. Nenhum investidor internacional responsável emprestará dinheiro para a Itália com base em uma onda de liberalização ou de reformas estruturais - e essa onda ainda não aconteceu. Em vez disso, os investidores devem fazer suas apostas na política e na disputa por posições antes e logo após as próximas eleições gerais.
Nem Grillo nem Berlusconi oferecem qualquer esperança para a causa liberal de Monti. Mas, embora eles estejam monopolizando o centro das atenções desse drama político, eles não são os únicos jogadores.
Disparando críticas e correndo por fora dessa disputa está o jovem prefeito de Florença, Matteo Renzi, 37, que espera se tornar candidato ao cargo de primeiro-ministro do Partido Democrata, de esquerda. Há também um membro importante do próprio governo Monti, Corrado Passera, que todos esperam que entre rapidamente no jogo político tradicional, aproveitando-se de sua atual posição como ministro para o desenvolvimento econômico. E, rivalizando com Berlusconi na posição de novo fazedor de líderes, está Pier Ferdinando Casini, líder do pequeno partido UDC, herdeiro formal do antigo partido Democrata-Cristão.
Entre Renzi, Passera e Casini há um vislumbre de esperança para a formação uma coligação pós-eleitoral com a qual Monti se sentiria confortável e que o deixaria livre para administrar as questões presidenciais. Formar essa coalizão de sonho será uma tarefa difícil. Mas, à medida que o outono se desenrola, esse é o resultado para o qual todos os investidores, economistas ou simpatizantes do euro devem rezar. Esse resultado é o único caminho possível para que a visão Monti se concretize.
* Bill Emmott é ex-editor da revista The Economist e autor de ''Good Italy, Bad Italy".
Tradutor: Cláudia Gonçalves

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