sábado, 1 de fevereiro de 2014

Autoridades alugam salas do Palácio de Westminster para ajudar nas despesas

Kimiko de Freytas Tamura - NYT 
Andrew Winning/ReutersO Palácio de Westminster é mais conhecido pelo Big Ben e a vizinha Abadia de Westminster
A indulgência na comida e na bebida sempre foi um dos riscos da vida política para os membros do Parlamento britânico. Não mais. A abstenção parece ser a ordem do dia.
Mas se a nova sobriedade pode ser boa para a vida familiar, a cintura e a saúde geral dos legisladores, cortou as receitas que sustentam o Palácio de Westminster, do século 19, que abriga a Câmara dos Lordes e a Câmara dos Comuns, para não falar em numerosos bares e outros locais de reunião.
Isto provocou um esforço improvável para levantar fundos: as autoridades do Parlamento decidiram alugar algumas de suas magníficas instalações para manter o prédio em ordem.
No passado, depois de longas horas no Parlamento, uma bebida forte no palácio era considerada essencial, fosse comemorativa ou de consolação. Mas os políticos estão mais moderados hoje em dia, e com menos parlamentares ficando até tarde da noite as autoridades estão alugando 15 refeitórios e salas de chá pouco usados para empresas e organizações levantarem dinheiro.
"Mais deputados levam uma vida monástica neste momento", disse Paul Flynn, um veterano legislador do Partido Trabalhista e autor de um livro de autoajuda irônico para novos membros.
"Eles estão tão consumidos pela culpa e o escândalo que ficam neuróticos sobre comportar-se adequadamente, por isso tomam um copo de Coca à noite, leem um pouco os jornais vespertinos e depois vão para suas camas castas", disse ele em uma entrevista.
As autoridades da Câmara dos Comuns dizem que o palácio precisa de pelo menos US$ 65 milhões por ano só para manutenção, e já tem licença para abrigar casamentos.
Os deputados "não podem exigir mais eficiência do público em um momento de austeridade, se o próprio Parlamento é imune a buscar o mesmo", disse Thomas Docherty, outro deputado trabalhista, que faz parte da Comissão de Administração da Câmara dos Comuns. "Somos nós fazendo nossa pequena parte."
A comissão disse que recebeu um pequeno número de inscrições desde o começo da iniciativa, no final de dezembro. Nenhuma foi aprovada até agora, mas a demanda deverá aumentar. O preço das salas varia de US$ 1.650 a quase US$ 15 mil por um dia inteiro, ou de US$ 450 a US$ 7,5 mil por uma noite. Há a possibilidade de descontos para entidades beneficentes.
A Câmara dos Lordes, que não é eleita, não tem planos semelhantes. Mas a decisão de não sobrecarregar os contribuintes com a manutenção de locais históricos agora poderá se estender ao Palácio de Buckingham.
Em outubro passado, o palácio real, residência da rainha Elizabeth em Londres, foi alugado pelo executivo-chefe do banco JPMorgan Chase, Jamie Dimon, para um jantar capitaneado pelo duque de York para entreter os clientes do banco. Na terça-feira (28), quando foi revelado que o orçamento da casa real havia diminuído para cerca de US$ 2,5 milhões, 87 deputados pediram que a casa real abra o palácio para mais visitantes, para ajudar a reduzir os custos de manutenção.
O Palácio de Westminster, com suas torretas douradas e arcos neogóticos junto ao rio Tâmisa, é mais conhecido por sua famosa torre do relógio, o Big Ben, e a vizinha Abadia de Westminster. O palácio foi construído sobre os restos de um palácio medieval destruído por um incêndio em 1834.


Ele é listado pela Unesco como Patrimônio Mundial e há décadas cobra dos turistas por visitas guiadas. Empresas e executivos podem realizar eventos lá quando são patrocinados por membros do Parlamento, mas a nova iniciativa formaliza o processo, e as inscrições agora são aprovadas pela comissão, e não por legisladores individuais. A ideia é eliminar potenciais conflitos de interesse.
Entre as instalações que podem ser alugadas está a Sala Pugin, batizada em homenagem a August Pugin, um arquiteto do século 19 mais conhecido por reintroduzir o estilo gótico no Reino Unido. Ele desenhou a maioria dos espaços internos do palácio, até as maçanetas das portas.
Um lustre domina a sala, com um retrato de Pugin em uma parede. Champanhe é oferecida, assim como bolinhos feitos em casa e um rico bolo de frutas, dando-lhe "aquele ar ligeiramente dissoluto", disse o deputado trabalhista Flynn.
Grandes eventos são realizados na sala, mas ela também é adequada para encontros românticos, que são comuns no Parlamento, disse ele. Uma política, disse Flynn, ficou famosa por ter se convertido ao catolicismo depois de encontros com seu padre ali, regados por quantidades copiosas de vinho tinto.
A Sala de Jantar Churchill contém paisagens pintadas pelo estadista.
Depois há a Sala de Jantar dos Estranhos e a Sala de Jantar dos Membros, assim chamadas para separar os visitantes dos legisladores. Ambas têm o ar de um salão de castelo, decorado com talhas de madeira de animais, flores e frutas contra um papel de parede verde-musgo.
Os convidados podem se deliciar com champanhe House of Commons a US$ 65 a garrafa e um cardápio que apresenta pernil de cordeiro com canela grelhado em fogo baixo, supremo de pato Gressingham frito e rocambole Guinness com gengibre caramelado.
"Você pode se sentar ali e pensar: 'Bem, Winston Churchill costumava se sentar naquele canto, e Aneurin Bevan", que fundou o Serviço Nacional de Saúde, no outro, disse Flynn.
Ele lembrou que a primeira-ministra Margaret Thatcher chegou um dia e perguntou a um grupo de conservadores se podia jantar com eles.
"Quem discordaria?", disse ele. "Durante eras, essas grandes pessoas se sentaram aqui e desfrutaram."
Nem todo mundo aprecia as mudanças. O deputado trabalhista Kevin Brennan disse que os banqueiros e as instituições financeiras deveriam ser impedidos de alugar os locais.
"Conseguimos sobreviver como Parlamento por vários séculos sem nos alugarmos aos próprios interesses comerciais, em alguns casos, que causaram a austeridade", disse Brennan em um debate em novembro.
"Seria irônico, não é, se os banqueiros estivessem bebendo champanhe no Parlamento do povo para levantar dinheiro por causa dos prejuízos que causaram?", disse ele, e acrescentou: "Acredito que é uma linha que não devemos cruzar".
Peter York, um comentarista social, perguntou: "E agora, o JPMorgan Palácio de Westminster?"
O conceito é "muito parecido com lobby", ele disse em uma entrevista. "Se não acontece no Congresso em Washington, a capital global do capitalismo, não deveria acontecer aqui."
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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