sábado, 1 de fevereiro de 2014

Imigrantes sobreviventes do naufrágio acusam a Grécia
Adéa Guillot - Le Monde
Simela Pantzartzi/Epa/EfeFadi Mohamed (e), afegão sobrevivente de naufrágio na costa grega, e Ehsanula Safi falam durante coletiva de imprensa em Atenas, no último dia 25 de janeiro. Mohamed perdeu a mulher e três filhos no desastre 
Fadi Mohamed (e), afegão sobrevivente de naufrágio na costa grega, e Ehsanula Safi falam durante coletiva de imprensa em Atenas, no último dia 25 de janeiro. Mohamed perdeu a mulher e três filhos no desastre
Um grande sorriso ilumina o rosto do pequeno Youssef, de 15 meses de idade. Bem aquecido nos braços de sua mãe, ele ri e se diverte com as caretas de seu pai. Uma criança quase como outra qualquer. Youssef foi a única criança que sobreviveu ao terrível naufrágio ocorrido na noite de 19 de janeiro, nas proximidades da ilha grega de Farmakonisi, que custou a vida de onze imigrantes, principalmente mulheres e crianças.
Naquela noite, 24 afegãos e 3 sírios se amontoavam clandestinamente em um pequeno barco de pesca que partia do porto turco de Didim. "Paguei US$ 6 mil ao coiote para minha mulher, meu filho e eu", explica Khaiber Rahemi, 25, pai de Youssef. Duas horas de navegação mais tarde, eles foram parar em águas territoriais gregas. Europa. "Nosso motor pifou, mas logo vimos chegar na nossa direção um navio grego. Eu pensei: pronto, nossa longa jornada acabou".
Esse ex-motorista de táxi, que partiu há cinco meses de Cabul, conta sobre as semanas de caminhada pelas montanhas cobertas de neve do Paquistão, e depois os quatro meses em um hotel decrépito de Istambul enquanto aguardava o sinal verde do coiote. "A luz daquele barco grego era a esperança concretizada dessa vida nova, sem perigo nem violência, que minha mulher  e eu queríamos para nosso filho. Mas nada se passou como esperávamos".

Khaiber afirma que os policiais gregos prenderam uma corda no barco deles e começaram a rebocá-los na direção da Turquia. "Tenho certeza do que estou dizendo, pois eu conseguia ver as luzes", afirma Khaiber. As autoridades gregas, baseadas em transcrições de radar, negam essas acusações de que os teriam enviado de volta para as águas turcas. Essa operação seria ilegal, uma vez que a legislação europeia proíbe que se enviem refugiados e potenciais solicitantes de asilo à força para a fronteira.
No entanto, para as ONGs que trabalham com essa questão a expulsão é uma realidade na Grécia. Em julho de 2013, um relatório da Anistia Internacional denunciava tais práticas e lembrava que, desde agosto de 2012, pelo menos 136 refugiados perderam a vida enquanto tentavam chegar até a Grécia de barco a partir da Turquia. "A diferença aqui é que a tragédia ocorreu quando a embarcação de imigrantes já estava sob o controle da guarda-costeira grega e que há sobreviventes para contar", salienta Georges Tsarbopoulos, diretor do escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) em Atenas.
Fora o pequeno Youssef e sua mãe, Zoura, os outros quatorze sobreviventes são homens. "Com o barco grego nos puxando cada vez mais rápido em ziguezague, a água entrava por todos os lados no barco, então as mulheres e as crianças se refugiaram na pequena cabine. Eles acabaram ficando presos quando afundamos", explica Abdul Sabur Azizi, de 30 anos. "Nós, os homens, conseguimos subir a bordo do barco grego apesar de tentarem nos impedir. Um grego cortou a corda que ligava os dois barcos", alega Azizi.
A Marinha grega, por sua vez, afirma que os imigrantes fizeram o barco deles virar quando dois deles caíram na água e nega ter se recusado a admitir a bordo os clandestinos e de os terem maltratado. Mas, pressionado por ONGs, o tribunal marítimo do Pireu abriu uma investigação preliminar.
O caso assumiu um viés político quando o ministro grego da Marinha Mercantil, Miltiadis Varvitsiotis, irritado com as críticas do comissário para direitos humanos do Conselho Europeu, Nils Muiznieks, denunciando um "provável ato de expulsão coletiva que fracassou", afirmou que "Muiznieks e alguns outros querem criar um escândalo político na Grécia". O ministro garantiu que a guarda-costeira fez o melhor que pôde para salvar o maior número possível de pessoas, levando em conta as difíceis condições de navegação. "Ninguém quer escancarar as portas e conceder asilo a todos os imigrantes que aparecem neste país", ele acrescentou.
Segundo os números do Acnur, 39.759 imigrantes foram apreendidos quando tentavam entrar na Grécia em diferentes pontos do território em 2013. Em 2012, foram 73.976. Abrigados em Atenas, os dezesseis sobreviventes receberam um convite para deixar o território dentro de trinta dias. O Acnur está pedindo ao governo grego que lhes conceda um visto de permanência para que eles possam depôr no processo judicial.
Abdul Sabur Azizi se recusa a ir embora enquanto as autoridades não lhe devolverem o corpo de sua mulher de 28 anos, Elaha, e de seu filho de 10 anos, Bezad, que provavelmente ficaram presos nos destroços. "Eu tinha muito orgulho dele. Queria que ele tivesse uma vida longe das guerras de clãs que estão dizimando minha família", diz arrasado esse jovem, que fez questão de contar sua história, com o olhar assombrado. "Afinal, eu preferia ter morrido junto com eles. Veja como ela é bela, e como ele é sério", ele diz, mostrando na palma de sua mão duas minúsculas fotos plastificadas de sua mulher e de seu filho. "Foi tudo que me restou deles."

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