domingo, 30 de março de 2014

Em meio a expansão, Hong Kong paga o preço do próprio progresso
Bettina Wassener - NYT 
As ruas em torno da Centre Street, no bairro de Sai Ying Pun, em Hong Kong, são um microcosmo vibrante de pequenos negócios que tornam a cidade tão colorida.
Há lojas vendendo blocos grandes e molengas de tofu fresco, brotos de feijão e papaias. Há tendas minúsculas que vendem almôndegas de peixe, porco, "noodles" ou copiam livros para as crianças que frequentam a escola.
Há lojas de hardware, de roupas baratas e oficinas mecânicas barulhentas, cujos altares para o deus chinês da terra fornecem um contraponto colorido para o chão manchado de óleo no interior.
A maior parte dessa vida, entretanto, está em processo de desaparecer, à medida que um novo acréscimo arquitetônico à Centre Street - uma escada rolante ao ar livre que sobe a inclinação acentuada da rua sob um teto modernista - prejudica o ecossistema comercial do bairro.
Hong Kong é uma cidade muito montanhosa. Os arranha-céus que abrigam moradores e escritórios que transformaram a antiga colônia britânica num centro financeiro internacional estão espremidos entre o mar e os picos altos. Antigamente, os moradores ricos se faziam carregar em liteiras quando queriam viajar para os cantos mais altos da cidade.
Em 1888, um bonde começou a subir e descer a ladeira até o Pico Vitória.
Mais recentemente, os planejadores urbanos chegaram ao conceito de escadas rolantes ao ar livre para tornar os bairros acima do morro mais acessíveis, especialmente durante os meses quentes e úmidos.
Há pouco mais de duas décadas, uma escada-rolante que sobe o morro em cerca de 20 trechos e se tornou uma atração turística começou a operar numa área hoje conhecida como Soho.
A escada-rolante trouxe mais do que conveniência. Ela imediatamente se transformou num ímã para restaurantes, bares, butiques de estilo ocidental e para moradores ricos - e ajudou a revitalizar o bairro em torno.
"Logo que eles construíram a escada-rolante no Soho, houve muita oposição porque as pessoas não entendiam o que ela faria", disse Wayne Parfitt, um australiano que fundou um grupo de restaurantes que tem filiais em Soho e agora em Sai Ying Pun.
Mas, disse ele, a escada-rolante deu ao bairro uma injeção de energia. "Sim, você perde um pouco da personalidade, mas você também cria algo novo."
O que se perdeu foi boa parte do clima chinês antigo da área: muitas das barracas de comida ao ar livre e lojas de impressão que costumavam a prosperar aqui se foram, expulsas pelos aumentos nos aluguéis.
Há todos os indícios de que a escada-rolante da Centre Street, que foi concluída no final do ano passado - e uma nova estação de metrô que deve ser inaugurada em breve ainda este ano - terão um impacto similar sobre Sai Ying Pun.
Nos últimos meses, a High Street, que cruza a Centre Street, recebeu um elegante restaurante francês ao lado da nova escada-rolante, bem como meia dúzia de restaurantes e pizzarias italianos, dois restaurantes tailandeses, alguns restaurantes indianos, japoneses e ocidentais e uma loja de vinhos.
A Jaspas, que serve hambúrgueres e comida internacional e faz parte da companhia de restaurantes Mr. Parfitt's, abriu em fevereiro num local antes ocupado por uma loja que vendia roupas baratas.
Um restaurante chamado High Street Grill abriu em dezembro, substituindo um restaurante chinês tradicional. Uma dúzia de pontos comerciais estão vazios, com placas de aluguel ou no processo de serem transformadas em novas lojas e restaurantes.
"Basta passar algumas semanas e você vê um lugar novo abrindo", disse Zoe Au da Apex, uma imobiliária de High Street. "Tudo está mudando muito rápido."
Tudo isso atraiu pessoas mais ricas, incluindo expatriados, que mal punham os pés no bairro até um ano ou dois atrás mas agora curtem o ar boêmio da região.
Um efeito colateral doloroso, entretanto, são os aluguéis mais caros - um tema delicado em Hong Kong, que tem alguns dos aluguéis e preços de propriedades mais altos do mundo, e onde quase uma em cada cinco pessoas vive na pobreza, de acordo com um relatório do governo publicado no ano passado.
Muitos moradores e lojistas de Sai Ying Pu, em vez de comemorar o fato de o bairro estar na moda, estão preocupados com isso.
"Tudo ficou caro", disse Yeung Sun, coproprietário de uma loja que vende e repara pneus e baterias de carros. "Há muito mais restaurantes ocidentais aos quais só os estrangeiros vão. Eu nunca vou lá. São muito caros."
Dois restaurantes pequenos de noodles e um lugar que vende tigelas de congee, uma espécie de canja, por cerca de 16 dólares de Hong Kong, cerca de US$ 2, são os únicos restaurantes populares que restam na High Street.
Na frente da oficina de Yeung, um restaurante italiano recentemente substituiu uma oficina mecânica.
Pontos comerciais no térreo na região agora custam cerca de 55 ou 60 dólares de Hong Kong por metro quadrado por mês, de acordo com o corretor Au. Há dois anos, custavam de 30 a 35 dólares.
"A nova escada-rolante traz mais gente, mas não traz muito negócio", disse Lee In-yu, cuja pequena papelaria e lojas de brinquedos está repleta de canetas, bonecas e adesivos de astros pop de Hong Kong.
Em seus 20 anos na High Street, Lee e seu marido, Cheng Chi-ming, sobreviveram à chegada da internet e dos computadores: eles reduziram o negócio de cópias que costumava ser sua principal fonte de renda e acrescentaram capas de telefone e cabos às prateleiras quando os celulares decolaram.
Pode ser difícil sobreviver à revitalização de Sai Ying Pun.
Como muitos restaurantes baratos fecharam no verão assado, um número bem menor de estudantes das escolas próximas visita o lugar, disse Lee. "Eles costumavam vir para este bairro para almoçar, e compravam aqui antes de voltar para a aula. Isso não acontece mais."
Os estrangeiros que começaram a se mudar para a área frequentam sua pequena loja de tempos em tempos, mas não compram muita coisa.
A abertura de uma nova estação do metrô no final deste ano pode trazer mais gente, disse Lee. Mas com os alugueis aumentando rápido, ela tem pouca esperança de conseguir pagar as contas. "Nós provavelmente fecharemos em dois anos, se não este ano", disse.
Tradutor: Eloise De Vylder

Nenhum comentário: