domingo, 30 de março de 2014

O risco das ‘soluções criativas’
O Estado de S.Paulo
A imaginação da atual administração da capital paulista, pelo menos no que se refere ao setor de transporte, é sem dúvida fértil, mas em compensação não costuma ser muito feliz. Exemplo disso são as improvisadas faixas exclusivas de ônibus - e o estardalhaço feito em torno delas, que não é estranho dada a proximidade das eleições -, que se multiplicaram com impressionante rapidez. Por isso, a mais nova proposta de intervenção no trânsito - a criação em algumas vias de outra faixa, já chamada de "solidária" ou da carona - deve ser encarada com muita reserva.
Ela seria implantada em avenidas com no mínimo três faixas de rolamento e se destinaria a carros com ao menos dois passageiros, táxis com cliente, ônibus fretados e veículos de transporte escolar. Os ônibus que já usam vias exclusivas também poderiam utilizar essas faixas, mas apenas para manobras de ultrapassagem de outros ônibus. A ideia foi uma das propostas da Rede Nossa São Paulo para a melhoria do trânsito, apresentada pelo consultor de tráfego Horácio Augusto Figueira ao Conselho Municipal de Transportes.
O secretário municipal de Transportes, Jilmar Tatto, que participou do encontro, logo gostou da ideia e lembrou que "a determinação do prefeito Fernando Haddad é priorizar o transporte público", critério no qual ela se enquadraria. Mas teve o cuidado de ressalvar que a proposta é ainda embrionária e precisa ser bem estudada e discutida com a sociedade, para que se avaliem seus possíveis benefícios. "Ainda precisa de muito debate. E isso só seria tocado depois de uma série de medidas que estamos tomando, como obras pontuais, sinalização de vias, fiscalização dos táxis nos corredores de ônibus", disse ele.
A cautela, no entanto, não tem sido, infelizmente, a marca do comportamento do secretário. A implantação das faixas exclusivas de ônibus foi comandada por ele às pressas - 300 quilômetros em apenas um ano - e sem estudos sérios que comprovassem sua utilidade. Se esses estudos existem, os paulistanos ainda esperam para tomar conhecimento deles. Uma medida dessa dimensão, que tem importantes reflexos no sistema de trânsito da cidade, não deveria jamais ser adotada nessas condições.
Assinale-se, a respeito da improvisação que marcou essa medida, que as faixas exclusivas foram implantadas sem nenhum cuidado com seu piso. O piso dos corredores, que têm basicamente as mesmas funções, é reforçado para suportar a carga dos ônibus, tão pesada que ele ainda tem de ser refeito de tempos em tempos. Quanto tempo durará o piso das faixas, despreparado para essa função? É de todo conveniente para a cidade, portanto, que Tatto dessa vez se comporte de maneira diferente e mantenha a atitude cautelosa que prometeu.
Vão nesse sentido também as ponderações do urbanista e engenheiro de tráfego Flamínio Fichmann. Ele admite que a nova faixa "até pode ser positiva", mas tem dúvida sobre seu impacto no trânsito da cidade como um todo, porque o número de vias com três faixas ou mais de rolamento, como se exige para a criação da "faixa solidária", é restrito. A seu ver, antes de apelar para "soluções criativas", a Prefeitura deve fazer o que é básico, como aumentar o número de agentes da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) e melhorar o sistema de semáforos.
No momento em que se começa a discutir a adoção de outra medida que pode limitar ainda mais a circulação de carros - a possibilidade de carona tem limites -, é preciso insistir num outro ponto decisivo. Um terço dos deslocamentos da capital é feito por carro. O que fazer com os milhões de paulistanos que o utilizam diariamente? Enviá-los para o serviço de ônibus, que continua ruim, lento e lotado, ou para o sistema metroferroviário, que já opera no limite de sua capacidade?
Enquanto eles não melhorarem - principalmente o ônibus, que pode fazer isso a curto prazo - para servir de alternativa ao carro, será pura demagogia encher o peito para proclamar que o transporte coletivo deve ser prioritário, com o que todo mundo está de acordo.

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