terça-feira, 1 de abril de 2014

Putin faz uma pausa em suas apostas imprudentes
Stephen Sestanovich
A Rússia incitou paixões difíceis de controlar. Será que Putin decidiu que precisa de uma pausa?
As reuniões do presidente Obama com os líderes europeus, na semana passada, deixaram claro o quanto eles esperavam que a Rússia, tendo tomado a Crimeia, desistiria de qualquer desmembramento adicional da Ucrânia. O desejo deles pode ter sido atendido, independentemente de o telefonema do presidente Vladimir Putin para Obama, na sexta-feira, resultar ou não em algum fruto diplomático. Mas para assegurar a sobrevivência da Ucrânia, os Estados Unidos e a Europa precisam de uma estratégia mais ambiciosa. Para evitar uma nova Guerra Fria, nós temos que aprender as lições certas da antiga.
O melhor motivo para alguém pensar que o presidente Putin está de fato buscando uma pausa na ação é o fato de que sua política, até o momento, tem sido um improviso atrás do outro. Por semanas, ele pediu aos líderes ucranianos que reprimissem os manifestantes. Quando isso levou à queda do governo ucraniano e criou ainda mais desordem em Kiev, a meta original de Putin –atrair todo o país para sua órbita– parecia irremediavelmente fora de alcance.
Sua resposta por impulso –pegar a Crimeia, a parte da Ucrânia já sob controle de fato da Rússia– lhe proporcionou um rápido aumento de 10% na popularidade em casa (e lhe deu uma nova ferramenta, a histeria nacionalista, para controlar a dissidência). Ela também produziu o isolamento internacional mais extremo que Moscou sentiu desde que Leonid Brejnev invadiu o Afeganistão.
Putin precisava de uma pausa. Se ele renegar metas territoriais adicionais na Ucrânia, não obterá uma suspensão antecipada das sanções impostas pela Europa e pelos Estados Unidos, mas provavelmente evitaria novas. Tanta discussão foi dedicada ao risco de uma blitzkrieg russa no leste da Ucrânia que, quando ela não aconteceu, muitos autores de políticas ocidentais suspiraram de alívio. Putin pôde então trabalhar para esfriar a indignação europeia e americana e deixar nossos líderes discutindo uns com os outros sobre qual seria o próximo passo. Assim, ele –e nós– podemos pensar que o pior já passou.
Será? As ações russas foram tão chocantes que seu impacto certamente perdurará. Putin conquistou para si mesmo a reputação de destruidor das normas internacionais. Ele terá que conviver com isso por algum tempo. Mas o verdadeiro dano à diplomacia russa vai além da questão da confiança pessoal.
Ao minar o Estado ucraniano, Putin impossibilitou um fim à crise. Por mais de 20 anos, os líderes da Ucrânia, por mais corruptos e incompetentes que fossem, foram extremamente responsáveis com a questão da unidade nacional. Apesar da suspeita e ressentimento étnico, eles nunca contemplaram dividir o país. Essa era a terceira via da política ucraniana e poucos estavam dispostos a tocá-la. Secessão era tabu.
Agora, Putin colocou a questão da separação na agenda nacional. E ela não pode ser facilmente retirada. O nacionalismo divisor –e não uma invasão– é a verdadeira vulnerabilidade da Ucrânia. Mesmo sem um grande plano para desmembrar sua vizinha, Putin agitou temerariamente o sentimento patriótico e grupos em ambos os lados da fronteira. Essas forças têm vida própria. Moscou pode oferecer aos separatistas no leste da Ucrânia um apoio ativo ou mera retórica. De qualquer forma, a ameaça é permanente. Como na Crimeia, Putin pode transformar a "proteção para aqueles que falam russo" em uma agressão quase da noite para o dia.
Para limitar esse risco, os Estados Unidos e a Europa precisam tratar das muitas fraquezas da Ucrânia. O sucesso econômico é importante; garantias de empréstimo americanas, novo programa de estabilização de US$ 18 bilhões pelo FMI (Fundo Monetário Internacional) e a abertura do mercado da União Europeia ajudarão.
Mas o problema vai além de assuntos de comércio, moeda ou crescimento econômico. Vai além até mesmo das questões de corrupção e estado de direito. As instituições da Ucrânia não funcionam direito de modo geral, das forças armadas até a polícia e guarda de fronteira, dos governos locais aos partidos políticos. Quando os ressentimentos étnicos estavam sob controle, esse desempenho ruim não importava. Agora podem produzir uma nova crise.
As políticas americanas raramente demonstraram excelência na "construção de uma nação". Até mesmo os rigores do ingresso na União Europeia e a assistência do FMI, que exigem reforma e modernização, não oferecem uma solução certa. Na Europa e nos Estados Unidos, os orçamentos estão apertados e a atenção é curta. Mas, a menos que nossos autores de políticas entendam a amplitude do problema, eles algum dia acordarão e descobrirão a viabilidade da Ucrânia novamente em risco.
Ninguém quer reviver a Guerra Fria. Mas ela oferece lições para hoje. Nos anos 40, os autores da "contenção" viam a construção de uma nação como chave para o sucesso. Eles queriam conter o poder russo sem uma guerra e acreditavam que, por toda a Europa Ocidental, sociedades antes viáveis estavam tão profundamente divididas que poderiam não sobreviver. Os modelos políticos e econômicos desses países, como os da Ucrânia atualmente, estavam quebrados. Eles não permaneceriam unidos sem o que Dean Acheson chamou de "o poder e energia adicionados pela América".
O que tornou a "contenção" bem-sucedida não foi infligir dor à União Soviética. O coração da política americana foi reviver, estabilizar e integrar os países do nosso lado da linha. Sim, nós nos preocupamos com Stalin ter conseguido derrubar o governo em Praga. Mas nós nos preocupamos ainda mais com a possibilidade de ele fazer isso em Roma e Paris. A construção bem-sucedida de uma nação acabou dispersando esses temores. Com o tempo, o Leste Europeu teve sua chance de construir sociedades pluralistas bem-sucedidas, mas apenas porque anos antes a Europa Ocidental fez o mesmo.
Uma política que visse os paralelos entre os riscos dos anos 40 e os de hoje nunca aceitaria a anexação da Crimeia. Mas ela não tornaria sua reversão em sua meta mais urgente. Nosso verdadeiro desafio é afastar Putin da tentação de dividir um dos maiores países na Europa. Podem ser necessários anos, até mesmo décadas, de esforço, como ocorreu nos anos 40 em diante, para saber se nossa política foi bem-sucedida. A menos que isso aconteça, nós enfrentaremos uma crise mais perigosa do que a da Crimeia.
(Stephen Sestanovich, professor de diplomacia internacional na Universidade de Colúmbia, membro sênior do Conselho de Relações Exteriores e embaixador geral dos Estados Unidos na União Soviética de 1997 a 2001, é autor de "Maximalist: America in the World From Truman to Obama".)
Tradutor: George El Khouri Andolfato 

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