terça-feira, 25 de novembro de 2014

Iniciativa que iria reunir gays e muçulmanos em mesquita alemã é cancelada
Luis Doncel - El País
Thomas Peter/Reuters
Muçulmano ergue o corão durante protesto em Berlim: os islâmicos alemães estão sob pressão após vários cidadãos de origem turca irem lutar ao lado do Estado Islâmico Muçulmano ergue o corão durante protesto em Berlim: os islâmicos alemães estão sob pressão após vários cidadãos de origem turca irem lutar ao lado do Estado Islâmico
Poderia um grupo de muçulmanos se livrar dos preconceitos e receber gays e lésbicas como uma demonstração de respeito e tolerância? E os homossexuais gostariam de visitar uma mesquita para conhecer melhor não só o islã, mas também os jovens que professam a fé de Alá? Foram estas perguntas que quis responder Ander Çetin, representante da mesquita de Sehitlik, quando organizou um ato que deveria ter-se realizado nesta segunda-feira (24).
Depois de uma visita guiada pelo lugar de culto frequentado majoritariamente por cidadãos de origem turca, seria organizado um debate onde todos poderiam deixar de lado tabus e lugares-comuns para tentar entender-se. Mas afinal não será assim. Depois das críticas procedentes da Turquia e dos membros mais conservadores de sua comunidade, Çetin decidiu cancelar a iniciativa.
"Queríamos fazer algo para lutar contra a homofobia entre os muçulmanos e contra a islamofobia entre os gays. Mas houve um mal-entendido porque alguns acreditaram que nosso objetivo fosse legitimar a homossexualidade. Infelizmente, não pudemos convencer nossos superiores de que não se tratava disso. Afinal, pensamos que seria melhor manter o encontro, mas não na casa de Alá", explicou Çetin na última sexta-feira, justamente no momento em que Sehitlik, a maior mesquita de Berlim, fervia de fiéis. Depois da pregação, eles conversavam tranquilamente com um chá ou um kebab servido no parque junto do cemitério islâmico.
Encontros parecidos já haviam ocorrido antes. Mas nesta ocasião a publicidade que foi dada à iniciativa nos dias anteriores aumentou a pressão sobre seus promotores. "As autoridades religiosas turcas permitiram que anormais homossexuais passem pelas portas das mesquitas?", perguntava-se há alguns dias um jornal conservador da Turquia, país que, entre outros gastos, paga o salário do imame de Sehitlik.
Este é um momento difícil para a imagem dos muçulmanos na Alemanha. As notícias sobre os 550 cidadãos do país que viajaram à Síria ou ao Iraque para participar da jihad conduzida pelo Estado Islâmico estremecem o país. Ainda ontem o jornal "Welt am Sonntag" informou sobre a morte de 60 alemães que lutavam com a organização terrorista.
Consciente da crescente islamofobia que o rodeia, Çetin se propôs promover iniciativas para mostrar que a maioria dos muçulmanos não tem nada a ver com os radicais islâmicos. Por isso participou de um projeto para lutar contra o antissemitismo, no qual um rabino e um imame faziam visitas conjuntas a escolas onde havia um grande número de alunos muçulmanos.
Por isso surgiu a ideia de levar os coletivos gays à mesquita. "O islã considera pecado os atos homossexuais, assim como o sexo fora do casamento. Mas isso não quer dizer que não sejamos obrigados a respeitar todas as pessoas. Se alguém comete um pecado, é uma questão de sua consciência pessoal e de sua relação com Deus. Segundo o islã, somos todos candidatos ao paraíso", afirma Çetin em seu escritório.
Bernard Heider, responsável pela organização Leadership Berlin, corresponsável pela iniciativa, explica que no início considerou um erro cancelar o encontro na mesquita, mas que nos últimos dias mudou de opinião. "Pensei que depois dessa decisão os meios de comunicação adotariam a ideia de que a religião islâmica é machista e homofóbica. Mas agora creio que talvez seja melhor que esse tema não seja tratado de forma tão emocional e politizada. Posso imaginar que um encontro desse tipo tampouco seria possível em uma igreja católica da Espanha. Mas creio que constitui um sinal positivo o fato de que os responsáveis pela mesquita quisessem organizar o encontro", afirma Heider.
Os cidadãos de origem turca - sejam de nacionalidade alemã, turca ou ambas - superam 3 milhões e formam a comunidade de procedência estrangeira mais numerosa da Alemanha. Sua importância demográfica ficou clara durante as visitas que o então primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan fez a diversas cidades alemãs antes da campanha para dar o salto à presidência da República da Turquia.
O plano inicial de Çetin e da Leadership Berlin não poderá se realizar. O encontro terá lugar esta tarde em uma igreja evangélica. Lá poderão trocar seus pontos de vista jovens muçulmanos e membros de coletivos gays e lésbicos. "É um passo importante, mas ainda há muito caminho a percorrer", reconhece Çetin. "Talvez sejamos pioneiros. Mas estou convencido de que dentro de alguns anos será possível realizar um encontro com essas características em nossa mesquita", conclui.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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