terça-feira, 25 de novembro de 2014

Na Itália, não há mais culpado para as 3.000 vítimas do amianto
Philippe Ridet - Le Monde
Foi o fim de um julgamento, e talvez o começo de outro. O procurador-geral Raffaele Guariniello concluiu, na semana passada, um novo processo contra o industrial suíço Stephan Schmidheiny, ex-proprietário da empresa de amianto Eternit Suíça e ex-presidente da Eternit Itália. O procurador o acusa de "homicídio doloso" pela morte, desde 1989, de 256 pessoas que faleceram de asbestose (fibrose pulmonar) ou de mesotelioma (câncer da pleura) depois de entrarem em contato com partículas de amianto em Casale Monferrato, Cavagnolo, Rubiera e Bagnoli, locais onde a Eternit havia instalado suas fábricas. "Não vamos desistir", disse o procurador.
No entanto, foi uma bomba que caiu sobre ele e as famílias das vítimas do amianto. O Tribunal de Apelação encerrou um primeiro processo, que envolvia cerca de 3.000 pessoas, arruinando assim quase vinte anos de investigação e esperanças. Devido à sua importância, ao número de partes civis (quase 5.000), e à sua repercussão fora da Itália, esse julgamento que teve início em 2004 muitas vezes foi comparado com o Maxiprocesso contra a Máfia. Ele também deveria ser exemplar, constituindo um divisor de águas. Mas não foi o que aconteceu.
Condenado em 2012 a dezesseis anos de prisão por "desastre ambiental", uma pena posteriormente aumentada para dezoito anos e 89 milhões de euros em indenizações, Schmidheiny foi simplesmente absolvido. Um outro industrial, o barão Jean-Louis Marie Ghislain de Cartier de Marchienne, ex-executivo belga da filial italiana da empresa, também havia recebido uma pena pesada em primeira instância. Mas os processos contra ele se extinguiram depois que ele morreu em 2013, aos 91 anos.
Por não haver uma legislação específica, o advogado-geral da primeira câmara penal do Supremo Tribunal italiano, Francesco Mauro Iacoviello, considerou que os fatos incriminadores haviam prescrito em 1998, ou seja, doze anos após o fechamento das fábricas da Eternit na Itália. "Acontece de a lei e a justiça tomarem direções opostas, mas os magistrados não têm alternativa: eles precisam seguir a lei", ele declarou.
Diante da comoção suscitada por esse veredicto, o Tribunal explicou: "O objetivo do processo era exclusivamente demonstrar ou não a existência de um desastre ambiental, e não julgar as mortes e as patologias das quais o Tribunal não tratou."
Essas explicações técnicas baseadas na lei são difíceis de engolir.  Em Casale Monferrato, a cidade que mais sofreu com o amianto, as lojas permaneceram fechadas no dia seguinte ao veredito. A decisão do Tribunal de Apelação foi criticada por várias personalidades, entre elas o primeiro-ministro Matteo Renzi. "Nós vamos mudar o sistema dos julgamentos e as regras da prescrição", ele prometeu pelo rádio, acrescentando pelo Twitter: "A Justiça deve ser feita no momento oportuno. Não podemos ceder diante da prescrição."
Mil vezes mais finas que um fio de cabelo, havia partículas de amianto por toda parte: no ar, nas ruas das cidades por onde passavam os caminhões que transportavam esse material volátil, no uniforme dos operários, no pátio das escolas, nas quadras esportivas. A Eternit generosamente oferecia a seus empregados as peças de amianto com defeitos de fabricação, com as quais eles poderiam refazer uma calçada, ou montar um alpendre para o jardim. Muitas pessoas morreram dessa forma sem jamais terem colocado os pés em uma fábrica do grupo.

Estradas cobertas de poeira

No entanto, a periculosidade desse produto já era demonstrada nos anos 1940. Em 2012, Nicola Pondrano, um morador de Casale Monferrato, havia contado ao "Le Monde": "Atravessei a cidade uma noite, quando tinha 20 anos. Não me esqueço dos rastros deixados pelos pneus das bicicletas dos operários que iam para a fábrica nas estradas recobertas de poeira". Em 1974, quando ele foi contratado pela fábrica da Eternit, um colega lhe disse: "Você também veio morrer aqui?" Schmidheiny ressaltou que ele havia investido bilhões de liras, na época, para tornar seguras suas instalações. No entanto, muitos ex-operários contam que lhes era recomendado simplesmente que parassem de fumar e que cobrissem o rosto com um lenço quando as nuvens de pó ficassem densas demais.
Cinquenta pessoas morrem todo ano na Itália por terem entrado em contato com partículas de amianto vindas das antigas fábricas da Eternit. O pico deverá ser atingido em 2020. Segundo a Organização Mundial da Saúde, cerca de 125 milhões de pessoas no mundo são expostas ao amianto em seu local de trabalho e mais de 107 mil morrem a cada ano.
Stephan Schmidheiny, 67, nunca compareceu a nenhuma audiência de seu julgamento. Ele, que está na lista das 400 maiores fortunas do mundo, divide seu tempo entre a Suíça e a América Latina, suas coleções de arte e suas ações pelo meio ambiente. Ele se gaba de ter aconselhado Bill Clinton sobre essas questões.
Após o veredicto do Tribunal de Apelação em Roma na quarta-feira, Romana Blasotti, 85, voltou para sua casa em Casale Monferrato. Ela acompanhou todas as audiências sem falta. "Estou cansada", ela disse. "Cansada de sofrer e de ver as pessoas morrendo ao meu redor. E a decepção faz um mal que eu nunca teria imaginado". Além de sua filha e de seu marido, Romana Blasotti perdeu três outros membros de sua família para o amianto.

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