sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Um acordo nuclear com o Irã é uma miragem Parece uma fantasia pensar que podemos chegar a um acordo que satisfaça os dois lados. Isso soa impossível
 Rasheed Abou-Alsamh - O Globo
A prorrogação da discussão sobre um acordo nuclear do grupo P5+1 (China, França, EUA, Grã-Bretanha, Rússia mais a Alemanha) com o Irã esta semana, por mais sete meses, pode parecer um bom sinal. Mas, para muitos observadores céticos, esse tempo adicional depois de várias prévias prorrogações só serve para dar mais oportunidades para aqueles de linha-dura em ambos os campos, dos americanos e iranianos, afiarem as facas, sabotando as negociações.
Afinal de contas, todo mundo sabe que o regime iraniano quer obter armas nucleares de qualquer jeito, e os poderes ocidentais, principalmente os Estados Unidos, querem evitar isso a qualquer custo. Sendo assim, parece uma fantasia utópica pensar que podemos chegar a um acordo que satisfaça os dois lados. Isso parece impossível, e o presidente americano, Barack Obama, como sempre fazendo o papel de bom moço, deixou-se aberto a críticas, no Congresso americano, de que ia aceitar um acordo nuclear menos que aceitável para se sair bem na fita.
Esquecemo-nos que não são o ministro iraniano de Relações Estrangeiras, Mohammad Javad Zarif, o principal negociador do Irã, e nem o presidente iraniano, Hassan Rouhani, apesar de sempre estarem sorrindo para as câmeras, que decidem a política nuclear do país. Isso fica nas mãos do Supremo Líder Espiritual, aiatolá Ali Khamenei, que sempre manteve uma linha-dura contra o Ocidente em geral, e os Estados Unidos em particular. “A habilidade de Rouhani de negociar um acordo nuclear está sendo impedida pela inflexibilidade do Khamenei”, disse Suzanne Maloney, uma especialista sobre o Irã, para o site da “Foreign Policy”. A “Foreign Policy” nota que no verão passado Khamenei fez demandas maximalistas sobre a capacidade de enriquecimento nuclear desejada pelo Irã. O líder disse que o Irã queria a capacidade de enriquecer 190 mil unidades de trabalho separadas (ou SWU em sua sigla em inglês), enquanto o Ocidente só queria deixar os iranianos com 10 mil SWU.
O problema maior para um acordo com os iranianos vai ser o novo Congresso americano, que será empossado no dia 3 de janeiro. Depois das eleições este mês — em que os republicanos tomaram o controle do Senado americano e ampliaram sua maioria na Câmara dos Deputados —, Obama vai enfrentar duras críticas dos republicanos a qualquer acordo com os iranianos. Há meses já, muitos republicanos, e até alguns democratas, têm clamado por mais sanções econômicas contra o Irã, algo que a administração Obama tem rejeitado, alegando que isso ia espantar os iranianos e acabar com qualquer chance de ter um acordo. Como o acadêmico americano Jeffrey Lewis, especialista em desarmamento, nota em artigo para a “Foreign Policy”, os republicanos já têm um projeto de lei que impôs mais sanções ao Irã e que quase foi à votação no Senado este ano. Mas só não foi adiante porque o líder da maioria, Harry Reid, recusou-se a deixá-lo ser enviado para discussão. Lewis diz que a proposta tinha 60 votos a favor, e que no novo Senado em janeiro vai ter 64, incluindo 16 democratas. Ele nota que só falta mais um voto para ser uma maioria à prova de veto presidencial.
E, se tudo isso não bastasse para fazer a vida de Obama um inferno, há a constante ameaça israelense de lançar um ataque contra instalações nucleares iranianas em uma ação preventiva, para proteger-se de um regime que sempre fala em destruir Israel.
Os sauditas também veem as negociações nucleares com o Irã com muita suspeita, temerosos de que Obama possa entregar demais para os iranianos na sua aflição de deixar um legado de paz dos seus dois mandatos como presidente.
Eu duvido que o Irã vá ceder em pontos-chave para o P5+1, que seriam: limitar drasticamente o número de centrífugas que eles possuem, mandar o combustível nuclear usado para ser processado fora do país e autorizar a inspeção internacional de todas as suas instalações nucleares a cada seis meses. Essas medidas seriam as mínimas necessárias para assegurar ao mundo que os iranianos não estão armazenando bastante combustível nuclear para fabricar bombas.
O Irã já se mostrou bem maleável em termos de absorver os baques econômicos das sanções, que já lhe custaram mais de US$ 100 bilhões em renda de vendas de petróleo perdidas até agora. De acordo com Aaron David Miller, um ex-oficial do Departamento de Estado americano, o Irã continua vendendo petróleo para a China e outros países asiáticos, exportando 525 mil barris de óleo ultraleve por dia nos últimos meses, o que está lhe rendendo cerca de US$ 6 bilhões ao ano. O Irã também assinou um acordo com a Rússia no valor de US$ 20 bilhões, de troca de petróleo por mercadorias.
Miller diz que os líderes religiosos iranianos querem guardar a capacidade de ter armamentos nucleares e, ao mesmo tempo, livrar-se o quanto podem das sanções. Eles veem a capacidade de fabricar armas nucleares como um trunfo contra aqueles que querem derrubar o regime, e para difundir sua imagem na região como um poder regional. Isso é exatamente o que os EUA, os israelenses e os sauditas não querem. E é por isso que acho muito difícil, se não quase impossível, que um acordo nuclear seja alcançado com o Irã.
Os aiatolás em Teerã querem o poder xiita a qualquer custo, e, com os americanos contra isso, é algo que pode terminar numa guerra pavorosa.

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