quarta-feira, 1 de julho de 2015

Estamos vivendo na anti-Europa
Dirk Kurbjuweit - Der Spiegel
Yannis Behrakis/Reuters
O máximo permitido para saques: 60 euros
O máximo permitido para saques: 60 euros
A crise grega destruiu um velho sonho do futuro da Europa. A única possibilidade de levar a EU a evoluir no sentido que nos foi prometido é uma solução radical -- ou a saída da Grécia, ou um caro corte na dívida.
Cansado. Todo mundo está tão cansado -- os políticos, as pessoas, os meios de comunicação, as instituições, a democracia. A Europa está cansada, exausta, abatida. Mais uma maratona de negociações? Quantas já tivemos? Mais uma vez os olhos cansados do esforço excessivo daqueles envolvidos nas negociações. Mais um adiamento ou um acordo que não convence ninguém -- e de fato é apenas o começo da próxima crise. Esta é a forma como as coisas vêm prosseguindo há anos. Já basta.
Nós não queremos falar em grandeza, em heróis políticos ou em ações de longo alcance. Isso é difícil em um sistema complexo como a Europa. Queremos falar do mínimo: a política requer alguns sucessos para se legitimar. Ela tem que solucionar problemas, especialmente os realmente difíceis, que exigem um grande esforço. Mas isso não está acontecendo. No caso da Grécia, só o que nós temos visto são falsas soluções, ou nem isso.
Há sempre uma pausa para respirar, que então é seguida da próxima maratona de reuniões e da próxima votação de urgência no Parlamento alemão. O esgotamento vai continuar a crescer, assim como o cansaço que vai catapultar os próximos populistas ao poder –que tornarão a resolução dos problemas ainda mais difícil. É um ciclo vicioso.

Estado de crise permanente

A exaustão, contudo, é apenas um dos custos deste estado permanente de crise. A verdade é que, nos últimos anos, perdemos a Europa. Já não é a Europa prometida pela geração de fundadores e desenvolvedores -- pessoas como Robert Schuman, Konrad Adenauer, Helmut Kohl e François Mitterrand. É quase o oposto. O que estamos vivendo hoje é uma anti-Europa.
Muito tem contribuído para este estado de coisas –inclusive a crise do euro. Mas nada foi tão prejudicial quanto a batalha prolongada pela Grécia.
A Europa prometeu um crescimento conjunto para todos. Em vez disso, temos uma concorrência pela prosperidade. Muitos alemães não querem ter que se sacrificar pela Grécia, ao passo que muitos gregos esperam que os alemães façam uma contribuição para garantir que os gregos não precisem abrir mão de coisas muito duras.
A Europa prometeu um fim ao pensamento nacionalista e até o fim do Estado-nação em algum momento no futuro. Na verdade, o continente está passando por uma renacionalização. Poucos continuam a acreditar no bem maior, e cada país têm os olhos fixos em seus próprios interesses.
A Europa prometeu uma reconciliação com sua história. Mas em vez disso, a história tornou-se uma arma, com a Grécia exigindo que a Alemanha pague indenizações da Segunda Guerra Mundial. Enquanto isso, imagens da chanceler alemã, Angela Merkel, usando um bigode de Hitler tornaram-se comuns em protestos contra a austeridade em toda a Europa.

A Alemanha ultrapassou seus parceiros

A Europa prometeu igualdade política. A intenção era que a França e a Alemanha liderassem o continente, levando em conta as preocupações dos Estados-membros menores. Mas, na crise, a Alemanha ultrapassou seus parceiros e tornou-se a potência dominante da União Europeia.
A Europa prometeu uma Europa das pessoas. Em vez disso, as instituições mais distantes dos eleitores são as que exercem o maior poder -o Banco Central Europeu, o Fundo Monetário Internacional e o executivo. Por outro lado, os parlamentos, que têm a maior legitimidade democrática, estão sendo forçados a acelerar a aprovação de decisões tomadas em Bruxelas.
A Europa prometeu a paz eterna. Felizmente, ninguém está pegando em armas. Mas o clima não é pacífico. Alguns meios de comunicação fazem reportagens extraordinariamente agressivas, e voltamos a ter um ambiente chauvinista.
A promessa também era que a União Europeia teria um papel forte no mundo -como poder político e econômico e como modelo da fusão pacífica de um continente depois de duas guerras mundiais. Em vez disso, a Europa tornou-se uma das crianças problemáticas do mundo -na verdade, até motivo de chacota. Não é possível mencionar qualquer tipo de influência significativa.
Em uma única frase: a Europa não está apenas cansada -também é uma decepção. Assim, sofremos a perda de uma espécie bastante simpática: a do europeu. Nos anos 70 e 80, muitas pessoas na Alemanha se sentiam mais europeias do que alemãs. Você não ouve mais as pessoas dizerem isso, o que é triste.

É hora das alternativas

As coisas não podem ficar do jeito que estão. A ideia admirável de um continente unificado não pode ser destruída pela crise grega. E há, de fato, alternativas a esta política de exaustão, apesar de implicarem em riscos. Ainda assim, elas seriam melhores do que o que está acontecendo agora.
Uma delas é a Grexit, na qual a Grécia deixaria a zona do euro e tentaria se virar com a sua própria moeda. A segunda seria um corte de cabelo da dívida, ou seja, a Grécia já não seria obrigada a pagar de volta uma parte da sua dívida. Ambas as alternativas provocariam grandes tremores, mas também ofereceriam a oportunidade de um novo começo e do fim da crise.
Aqueles que ainda se consideram europeus em seus corações serão a favor da segunda alternativa, com controles mais rígidos em troca de ajuda generosa e, em última análise, políticas orçamentais obrigatórias para todos. Isso tem um preço, mas também traz a possibilidade de que, algum dia, ainda tenhamos a Europa que nos foi prometida.Impasse entre Grécia e credores afeta população
30.jun.2015 - Manifestantes gregos favoráveis à permanência do país na zona do euro se reúnem em frente à sede do Parlamento em Atenas nesta terça-feira (30), em uma resposta aos protestos da véspera, que pediam que o povo dissesse "não" à ajuda financeira internacional. As forças conservadoras no país defendem que rejeitar os termos dos credores no referendo de domingo (5) vai ameaçar a permanência da Grécia na zona do euro e colocar em xeque o pagamento de aposentadorias e benefícios sociais - Jean-Paul Pelissier/Reuters
Tradutor: Deborah Weinberg 

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