segunda-feira, 8 de maio de 2017

Cada qual no seu Bornal
Gaudêncio Torquato - Blog do Ricardo Noblat
A decisão do STF de mandar soltar José Dirceu, ex-todo poderoso manda-chuva do PT, traça uma linha divisória no sistema de prisões temporárias de longo prazo, tão bem acolhido pela primeira instância do Judiciário, sob o guarda-chuva protetor do Ministério Público.
A 2ª turma do Supremo impôs limites ao tempo dessas prisões, mesmo diante do parecer do relator, ministro Edson Fachin, a elas favorável. A decisão ganha intensa repercussão no universo dos operadores do Direito em um  momento de polarização entre posições, envolvendo principalmente as visões contrárias de advogados e o insistente posicionamento favorável de procuradores e do juiz Sérgio Moro, este comandando os casos mais contundentes da Operação Lava Jato.
A situação deve ser analisada à luz de vários e complexos fatores. Ressalte-se, de início, o tom extremamente emotivo com que uns e outros tratam do caso.
Um grupo enxerga na decisão de nossa mais alta Corte um golpe frontal contra a Operação Lava Jato, enquanto os advogados festejam o ato como gesto de que a Justiça volta ao seu prumo, depois da primeira instância dar guarida a “exageros e aberrações”, como alguns chegam a designar as alongadas prisões temporárias.
A emoção, portanto, é o primeiro aspecto a emergir no turbilhão expressivo que inunda o território da maior investigação sobre corrupção da história brasileira. E a emoção acaba encurtando a lógica das partes. Urge tornar a linguagem jurídica mais conceitual e menos pessoal.
É fato que as prisões temporárias se fazem necessárias para apuração  acurada de denúncias e servir de escudo contra eventuais ações de implicados no sentido de destruir provas e obstruir, caso estivessem soltos, as veredas da Justiça.
Mas é igualmente fato que as detenções não podem ultrapassar determinado limite de tempo, sob a hipótese de que os detidos não foram ainda julgados e a longa permanência em prisão, sem condenação, pode ser considerada como evidência de injustiça. Portanto, na querela aberta tem faltado bom senso. Os verbos e adjetivos raivosos lançados de um lado contra o outro precisam se despir do manto emocional.
Não é o caso de marcar com feição politiqueira atitude de ministros que concederam a liberdade ao ex-ministro José Dirceu, sendo uma impropriedade distinguir neles a pecha de “traidores da justiça”, ou, de outra forma, jogar sobre o colo da “meninada” do Ministério Público atributos como “procuradores ingênuos, oportunistas, golpistas, despreparados, desprovidos de caráter”, entre outros.
O fato de magistrados registrarem, em seu passado, um pedaço de história que os liga a protagonistas da política – partidos ou lideranças – não os desabilita ao cumprimento das altas funções para as quais foram escolhidos. Nem mesmo quando tais figurantes assumem papel de vulto nos gigantescos processos em curso, como é o caso da Operação Lava Jato.
É oportuno lembrar que a escolha de juízes para a mais alta Corte da maior democracia do planeta, a norte-americana, se investe de certo teor político, eis que os perfis costumam ser encaminhados e patrocinados, via de regra,  pelos dois maiores partidos, o republicano e o democrata.
Mesmo assim, quando há suspeita sobre o voto de determinado ministro, pela ótica de que estará julgando “um amigo, um ex-parceiro de trabalho”, ele poderá se considerar impedido de participar do julgamento daquele caso, como tem acontecido em algumas cortes, principalmente no âmbito do Superior Tribunal de Justiça.
A par de questões de natureza ética, que certamente integram o escopo moral dos quadros mais elevados de nossas Cortes, emerge com força a cobertura midiática, feita por grandes veículos da imprensa e pelas mídias sociais.
Há, como se pode aduzir, um superpoderoso juiz a julgar os julgadores: a Opinião Pública. Esta se forma a partir do amálgama das opiniões individuais, constituindo um gigantesco estuário em que deságuam as águas oriundas dos canais e filtros que guardam juízos de valor de classes sociais, grupamentos, setores e movimentos. Juízes que fugirem às regras que balizam sua profissão são jogados no palco midiático, onde ganham apupos, vaias, na esteira de um repertório negativo que marca  sua identidade e mancha a imagem.
Não terão salvação quando jogados na fogueira acesa pela opinião pública. Só conseguirão limpeza parcial de seus corpos depois de uma temporada no inferno até aportarem no limbo, que, nesse caso, significa o esquecimento dos fatos por parte da sociedade.
Já a “meninada” do MP não pode se refestelar diante de  eventuais bombardeios da mídia sobre o arquipélago de políticos e magistrados. É imperioso reconhecer que o espelho de Narciso ilustra paredes de salas de um grupo de procuradores.
Não há como deixar de reconhecer que alguns perfis apreciam os adornos de espetáculos espalhafatosos. Preparam atos litúrgicos para falas aguardadas com expectativa, investem-se de “salvadores da Pátria”, assumindo a dicotomia: “ou nós ou o caos”.
Compreende-se o vigor com que fazem denúncias e investigações e é elogiável seu esforço para defender a sociedade contra máfias e teias de larápios que intentam surrupiar os cofres do Estado. O erro, quando há, está na dosagem exagerada. É inescapável a observação que aponta para a espetacularização de suas ações.
A política, como é sabido, é uma paisagem devastada. Urge recompor a roça política com novas árvores, adubo, remoção de entulhos.
Nessa tarefa, as funções do Judiciário, do Ministério Público e da Polícia Federal são imprescindíveis. Mas nada irá prosperar sem o envolvimento da própria classe política, que cumpre missão transcendental de representar a sociedade nas casas do Poder Legislativo e produzir normas para o bem- estar e a harmonia social. Infelizmente, esse instante do país é propício à discórdia, às agressões recíprocas entre membros dos Poderes de Estado.
Daí a necessidade de um pacto pela grandeza da Nação. Por este pacto,  cada Poder deve cumprir o que lhe condiz, sem um querer invadir o espaço do outro e com estrita obediência aos códigos e leis que formam o Estado de Direito. Cada qual com seu bornal.

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