Quem deve a Lula?
José Nêumanne
Por que parte da Polícia Federal, Janot, Fachin e Época não querem saber como o bamba do abate ganhou bilhões
Nélson
Rodrigues, o Sófocles do subúrbio carioca, enchia a boca para dizer que
“toda unanimidade é burra”. Poucas unanimidades sobreviveram à guerra
das torcidas organizadas da rapina pública desde que Nélson saiu de
fininho da vida para virar gênio da dramaturgia na paz do Senhor. Mas
ainda há verdades tão óbvias que seduzem as multidões a ponto de
arrancarem um gemidinho de gol perdido das galeras ensandecidas nas
arquibancadas. Agora, por exemplo, o presidente Michel Temer, embarcado
para a Noruega e a Rússia para fingir que governa, é uma quase
unanimidade nacional. Poucos, muito poucos brasileiros, ainda apostam um
centavo nele. E o fazem no melhor da boa-fé. Acreditam que ruim com
ele, muito pior sem ele. Nunca ninguém vai tirar a prova dos nove nessa
questão de última aposta contra a crise, porque a diaba continuará de
qualquer jeito e quem não puder muito não se salvará nela.
Alguns
velhos cínicos, como o autor destas notas, acha que a grande maioria
deve até ter uma antipatia congênita, pois o macróbio de Tietê não
desperta apreço nem simpatia de ninguém com seu estilo mesoclítico e sua
mentalidade neolítica.
Meu
amigo Mauro Guimarães, caipira de Bebedouro, costumava dizer que nunca é
de bom alvitre desprezar a pré-racionalidade do povo. Acredito nessa
máxima e faço fé de que mais do que a antipatia congênita, a voz
estridente e os apostos em sequência enervante em nada influem no
desgosto popular quanto ao primeiro mandatário. O povo apenas não se
esquece, como este autor e mais alguns, de que Sua Excelência é apenas
um acólito do esquema que, ao juntar PT, PMDB, outros partidecos e a
oposição graúda do PSDB, paga com propina para não ir até o fundo das
coisas, sob a égide de Luiz Inácio Lula da Silva, não deixando moeda
sobre moeda nos cofres de Viúva.
Outra
quase unanimidade, apadrinhado por Lula e recebido em segredo por Temer
no Palácio do Jaburu, que o povo mantém para ele morar com a mulher e o
filhinho temporão, é o bamba do abate de bois Joesley Batista. Poucos,
muito poucos brasileiros, apenas o suficiente para não entrar na
definição de burrice do autor de O Boca de Ouro, comprariam uma
bicicleta usada do moço de Anápolis, embora consumam muitos produtos que
suas empresas fabricam e vendem em supermercados – da coalhada da Vigor
à costela da Friboi. É essa equação que Mauro chamava de
“pré-racionalidade”. Não convém desconhecê-la abusivamente.
Atualmente
essas duas referências nacionais da quase unanimidade contra disputam
no ringue do MMA da política o cinturão do desagrado amplo, geral e
irrestrito. Tudo indica que, por mais que lutem, ambos nunca escaparão
do empate, assim como um lance de dados jamais abolirá o acaso, de
acordo com o preceito mallarmaico. Todo brasileiro com mais de cinco
anos, se não sabia, desconfiava de que o Batistinha é bandido de marca.
Mas nunca foi um bandido NOSSO, que merecesse o perdão marxista do
historiador britânico Eric Hobsbawn, como o célebre Robin Wood e o menos
conhecido Ned Kelly. Joesley está mais para aqueles bandoleiros
medíocres catalogados por Jorge Luís Borges em seu clássico dos
clássicos da realidade tornada ficção História Universal da Infâmia.
Joesley
é um bandidinho DELES – Lula, Dilma, Temer e Aecinho. Está sempre
disposto a dar uma esmola pedida de bilhões, desde que ganhe mais
bilhões em negócios da China patrocinados pelo desatento contribuinte
traído. Michel Temer, seu recente desafeto, sabia disso. Tanto sabia que
achou um bom redator para resumir a história de sucesso do bamba do
abate que virou o papa da propina numa nota oficial que seus assessores
prepararam para desmascarar o Billy the Kid do pequi.
Faço questão de reproduzir o texto, porque é exemplar em bile e síntese. “Em 2005, o Grupo JBS obteve seu primeiro financiamento no BNDES. Dois anos depois, alcançou um faturamento de R$ 4 bilhões. Em 2016, o faturamento das empresas da família Batista chegou a R$ 183 bilhões. Relação construída com governos do passado, muito antes que o presidente Michel Temer chegasse ao Palácio do Planalto. Toda essa história de ‘sucesso’ é preservada nos depoimentos e nas entrevistas do senhor Joesley Batista.” No primeiro parágrafo descreveu-se o malfeito, como diria a Doidinha Dilma, de quem Temer foi desprezado vice. No segundo, foram lembrados os artífices, quais sejam, “os reais parceiros de sua trajetória de pilhagens, os verdadeiros contatos de seu submundo, as conversas realmente comprometedoras com os sicários que o acompanhavam, os grandes tentáculos da organização criminosa que ele ajudou a forjar ficam em segundo plano, estrategicamente protegidos”.
Faço questão de reproduzir o texto, porque é exemplar em bile e síntese. “Em 2005, o Grupo JBS obteve seu primeiro financiamento no BNDES. Dois anos depois, alcançou um faturamento de R$ 4 bilhões. Em 2016, o faturamento das empresas da família Batista chegou a R$ 183 bilhões. Relação construída com governos do passado, muito antes que o presidente Michel Temer chegasse ao Palácio do Planalto. Toda essa história de ‘sucesso’ é preservada nos depoimentos e nas entrevistas do senhor Joesley Batista.” No primeiro parágrafo descreveu-se o malfeito, como diria a Doidinha Dilma, de quem Temer foi desprezado vice. No segundo, foram lembrados os artífices, quais sejam, “os reais parceiros de sua trajetória de pilhagens, os verdadeiros contatos de seu submundo, as conversas realmente comprometedoras com os sicários que o acompanhavam, os grandes tentáculos da organização criminosa que ele ajudou a forjar ficam em segundo plano, estrategicamente protegidos”.
É
desnecessário perguntar que falha de memória impediu que o chefe do
governo abrisse os porões do palácio para recebê-lo, ouvi-lo e até, de
certa forma sutil, como é seu hábito, estimulá-lo. Mas importante é
deixar registrado que ambos conheciam bem um ao outro e suas origens
para dividirem aquela conversa “nada republicana”. Como Joesley repetiu,
imitando com seu idioleto próximo do português o que falava Márcio
Thomaz Bastos, professor de Lula em republicanismo.
O
que nos interessa saber aqui é algo mais relevante e mais urgente: por
que os agentes federais, os procuradores públicos de Brasília e o
seriíssimo ministro Fachin não tiveram a curiosidade de perguntar como
foi possível obrar aquele milagre citado no primeiro parágrafo da nota
de Temer? O editor-chefe da revista Época, Diego Escosteguy, que chefia
uma briosa equipe de repórteres investigadores e entrevistou o corsário
dos abatedouros, foi um pouquinho, bem pouquinho, além. Até perguntou.
Mas se contentou com vagas respostas. Sim, quem deu o dinheiro foi o
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Não diga!
Mas não, o doutor Luciano Coutinho nunca levou um mísero tostãozinho de
recompensa, vulgo propina, por isso. E Lula, chefão do professor? Com
esse aí Joesley teve duas conversinhas, mas elas foram bem republicanas.
Terá sido sobre futebol, sexo ou cachaça? Não é mesmo fabuloso?
Então,
é o caso de esclarecer algumas coisinhas. Primeiro, a Polícia Federal
não é um monólito de republicanismo, como a definia o citado ex-ministro
da Justiça do padim Lula. Não: a PF é uma areia radiativa que contamina
adversários dos senhores de suas diversas facções: os petistas de Paulo
Lacerda, os tucanos de Marcelo Itagiba, as viúvas de Tuma e por aí
afora. Isso não é necessariamente mau. É até bom, pode crer, caro
leitor. É dessa fragmentação que emerge o conhecimento que temos dos
podres poderes nacionais, levantados por operações como a Castelo da
Areia, dissolvida por Bastos no Superior Tribunal de Justiça (STJ), e a
Lava Jato, que continua, impávido colosso, a assombrar políticos de
todos os partidos que só não a enxugaram ainda por causa da idolatria
que o povo lhe devota.
Quanto
aos procuradores-gerais da República, é útil lembrar que Roberto Gurgel
poupou o chefão do Partido dos Trabalhadores (PT), que o ungiu no alto
cargo, nos libelos acusatórios do celebérrimo mensalão. E Rodrigo Janot
teve cobrada sua ingratidão em telefonema desse mesmo Lula a Jaques
Wagner. Terá chegado agora a hora da gratidão, quando seus subordinados
não levaram em conta o dinheiro público que enriqueceu os irmãos
Batista, tornando-os os maiores produtores de proteína animal do mundo?
Pode ser que sim, pode ser que não. Novos fatos o dirão...
O
prêmio máximo obtido pelos bilionários da JBS recebeu ainda o
beneplácito homologatório do relator da Lava Jato no STF, ministro Luiz
Edson Fachin. Este empreendeu longa e árdua batalha para ser aprovado
pelo Senado para o lugar que Dilma lhe reservou no Supremo. Teve a seu
lado o braço amigo de Ricardo Saud, um dos delatores premiados dos
bambas do abate. E acólitos caros e solícitos pagos pelo Erário e
emprestados por obra e graça de madama, cuja campanha apoiou às claras.
Pode
ser que seja tudo mera coincidência. Mas quanta coincidência há em logo
Lula ser credor de todos eles de uma forma ou de outra, não é?
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