segunda-feira, 19 de junho de 2017

Quem deve a Lula?
José Nêumanne
Por que parte da Polícia Federal, Janot, Fachin e Época não querem saber como o bamba do abate ganhou bilhões
Nélson Rodrigues, o Sófocles do subúrbio carioca, enchia a boca para dizer que “toda unanimidade é burra”. Poucas unanimidades sobreviveram à guerra das torcidas organizadas da rapina pública desde que Nélson saiu de fininho da vida para virar gênio da dramaturgia na paz do Senhor. Mas ainda há verdades tão óbvias que seduzem as multidões a ponto de arrancarem um gemidinho de gol perdido das galeras ensandecidas nas arquibancadas. Agora, por exemplo, o presidente Michel Temer, embarcado para a Noruega e a Rússia para fingir que governa, é uma quase unanimidade nacional. Poucos, muito poucos brasileiros, ainda apostam um centavo nele. E o fazem no melhor da boa-fé. Acreditam que ruim com ele, muito pior sem ele. Nunca ninguém vai tirar a prova dos nove nessa questão de última aposta contra a crise, porque a diaba continuará de qualquer jeito e quem não puder muito não se salvará nela.
Alguns velhos cínicos, como o autor destas notas, acha que a grande maioria deve até ter uma antipatia congênita, pois o macróbio de Tietê não desperta apreço nem simpatia de ninguém com seu estilo mesoclítico e sua mentalidade neolítica.
Meu amigo Mauro Guimarães, caipira de Bebedouro, costumava dizer que nunca é de bom alvitre desprezar a pré-racionalidade do povo. Acredito nessa máxima e faço fé de que mais do que a antipatia congênita, a voz estridente e os apostos em sequência enervante em nada influem no desgosto popular quanto ao primeiro mandatário. O povo apenas não se esquece, como este autor e mais alguns, de que Sua Excelência é apenas um acólito do esquema que, ao juntar PT, PMDB, outros partidecos e a oposição graúda do PSDB, paga com propina para não ir até o fundo das coisas, sob a égide de Luiz Inácio Lula da Silva, não deixando moeda sobre moeda nos cofres de Viúva.
Outra quase unanimidade, apadrinhado por Lula e recebido em segredo por Temer no Palácio do Jaburu, que o povo mantém para ele morar com a mulher e o filhinho temporão, é o bamba do abate de bois Joesley Batista. Poucos, muito poucos brasileiros, apenas o suficiente para não entrar na definição de burrice do autor de O Boca de Ouro, comprariam uma bicicleta usada do moço de Anápolis, embora consumam muitos produtos que suas empresas fabricam e vendem em supermercados – da coalhada da Vigor à costela da Friboi. É essa equação que Mauro chamava de “pré-racionalidade”. Não convém desconhecê-la abusivamente.
Atualmente essas duas referências nacionais da quase unanimidade contra disputam no ringue do MMA da política o cinturão do desagrado amplo, geral e irrestrito. Tudo indica que, por mais que lutem, ambos nunca escaparão do empate, assim como um lance de dados jamais abolirá o acaso, de acordo com o preceito mallarmaico. Todo brasileiro com mais de cinco anos, se não sabia, desconfiava de que o Batistinha é bandido de marca. Mas nunca foi um bandido NOSSO, que merecesse o perdão marxista do historiador britânico Eric Hobsbawn, como o célebre Robin Wood e o menos conhecido Ned Kelly. Joesley está mais para aqueles bandoleiros medíocres catalogados por Jorge Luís Borges em seu clássico dos clássicos da realidade tornada ficção História Universal da Infâmia.
Joesley é um bandidinho DELES – Lula, Dilma, Temer e Aecinho. Está sempre disposto a dar uma esmola pedida de bilhões, desde que ganhe mais bilhões em negócios da China patrocinados pelo desatento contribuinte traído. Michel Temer, seu recente desafeto, sabia disso. Tanto sabia que achou um bom redator para resumir a história de sucesso do bamba do abate que virou o papa da propina numa nota oficial que seus assessores prepararam para desmascarar o Billy the Kid do pequi.
Faço questão de reproduzir o texto, porque é exemplar em bile e síntese. “Em 2005, o Grupo JBS obteve seu primeiro financiamento no BNDES. Dois anos depois, alcançou um faturamento de R$ 4 bilhões. Em 2016, o faturamento das empresas da família Batista chegou a R$ 183 bilhões. Relação construída com governos do passado, muito antes que o presidente Michel Temer chegasse ao Palácio do Planalto. Toda essa história de ‘sucesso’ é preservada nos depoimentos e nas entrevistas do senhor Joesley Batista.” No primeiro parágrafo descreveu-se o malfeito, como diria a Doidinha Dilma, de quem Temer foi desprezado vice. No segundo, foram lembrados os artífices, quais sejam, “os reais parceiros de sua trajetória de pilhagens, os verdadeiros contatos de seu submundo, as conversas realmente comprometedoras com os sicários que o acompanhavam, os grandes tentáculos da organização criminosa que ele ajudou a forjar ficam em segundo plano, estrategicamente protegidos”.
É desnecessário perguntar que falha de memória impediu que o chefe do governo abrisse os porões do palácio para recebê-lo, ouvi-lo e até, de certa forma sutil, como é seu hábito, estimulá-lo. Mas importante é deixar registrado que ambos conheciam bem um ao outro e suas origens para dividirem aquela conversa “nada republicana”. Como Joesley repetiu, imitando com seu idioleto próximo do português o que falava Márcio Thomaz Bastos, professor de Lula em republicanismo.
O que nos interessa saber aqui é algo mais relevante e mais urgente: por que os agentes federais, os procuradores públicos de Brasília e o seriíssimo ministro Fachin não tiveram a curiosidade de perguntar como foi possível obrar aquele milagre citado no primeiro parágrafo da nota de Temer? O editor-chefe da revista Época, Diego Escosteguy, que chefia uma briosa equipe de repórteres investigadores e entrevistou o corsário dos abatedouros, foi um pouquinho, bem pouquinho, além. Até perguntou. Mas se contentou com vagas respostas. Sim, quem deu o dinheiro foi o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Não diga! Mas não, o doutor Luciano Coutinho nunca levou um mísero tostãozinho de recompensa, vulgo propina, por isso. E Lula, chefão do professor? Com esse aí Joesley teve duas conversinhas, mas elas foram bem republicanas. Terá sido sobre futebol, sexo ou cachaça? Não é mesmo fabuloso?
Então, é o caso de esclarecer algumas coisinhas. Primeiro, a Polícia Federal não é um monólito de republicanismo, como a definia o citado ex-ministro da Justiça do padim Lula. Não: a PF é uma areia radiativa que contamina adversários dos senhores de suas diversas facções: os petistas de Paulo Lacerda, os tucanos de Marcelo Itagiba, as viúvas de Tuma e por aí afora. Isso não é necessariamente mau. É até bom, pode crer, caro leitor. É dessa fragmentação que emerge o conhecimento que temos dos podres poderes nacionais, levantados por operações como a Castelo da Areia, dissolvida por Bastos no Superior Tribunal de Justiça (STJ), e a Lava Jato, que continua, impávido colosso, a assombrar políticos de todos os partidos que só não a enxugaram ainda por causa da idolatria que o povo lhe devota.
Quanto aos procuradores-gerais da República, é útil lembrar que Roberto Gurgel poupou o chefão do Partido dos Trabalhadores (PT), que o ungiu no alto cargo, nos libelos acusatórios do celebérrimo mensalão. E Rodrigo Janot teve cobrada sua ingratidão em telefonema desse mesmo Lula a Jaques Wagner. Terá chegado agora a hora da gratidão, quando seus subordinados não levaram em conta o dinheiro público que enriqueceu os irmãos Batista, tornando-os os maiores produtores de proteína animal do mundo? Pode ser que sim, pode ser que não. Novos fatos o dirão...
O prêmio máximo obtido pelos bilionários da JBS recebeu ainda o beneplácito homologatório do relator da Lava Jato no STF, ministro Luiz Edson Fachin. Este empreendeu longa e árdua batalha para ser aprovado pelo Senado para o lugar que Dilma lhe reservou no Supremo. Teve a seu lado o braço amigo de Ricardo Saud, um dos delatores premiados dos bambas do abate. E acólitos caros e solícitos pagos pelo Erário e  emprestados por obra e graça de madama, cuja campanha apoiou às claras.
Pode ser que seja tudo mera coincidência. Mas quanta coincidência há em logo Lula ser credor de todos eles de uma forma ou de outra, não é?



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