domingo, 2 de julho de 2017

Notas sobre o capitalismo de Estado
O Brasil, que buscou consolidar o modelo em diferentes momentos históricos, jamais porém o implementou com tanto afinco como nos anos Lula-Dilma
Ouvi há alguns dias de um banqueiro britânico – que já trabalhara tanto no Brasil como na China – que o malogro econômico brasileiro e o êxito chinês tinham a mesma razão: a forte presença do Estado na economia.
A propósito, o principal ponto de discussão do Fórum Econômico de Davos há cinco anos era o capitalismo de Estado. E a tradicional revista The Economist trazia à época o tema numa de suas icônicas capas.
Naquele instante, as variantes de capitalismo de Estado aplicadas nos Brics pareciam produzir muito mais sucessos do que a dupla EUA-Europa, ainda abalada pelas crises dos subprimes e das dívidas soberanas.
O fato é que tanto a própria noção de capitalismo como a ideia de capitalismo de Estado representam conceitos demasiado amplos. Comportam realidades tão diferentes como China ou Cingapura, Brasil ou Rússia.
Cabe ressaltar que diferentes países implementam sua interpretação de capitalismo de Estado sobre as bases de ordens políticas diversas e diferentes abordagens sobre a relação custo-benefício de integrar-se à economia global.
É possível, assim, vislumbrar dois submodelos majoritários de aplicação de ferramentas Estado-capitalistas, sobretudo em termos de estratégia econômica. Os dois países que ofereceram os elementos mais facilmente identificáveis em tempos recentes são justamente o Brasil e a China.
O Brasil, que buscou consolidar o modelo em diferentes momentos históricos, jamais porém o implementou com tanto afinco como nos anos Lula-Dilma. E o fez num contexto de pujante sociedade civil, imprensa vigilante e livre, pleno direito à crítica e sufrágio universal. O capitalismo de Estado brasileiro que disso resultou foi consumista, orientado para dentro e curto-prazista.
Na China, o capitalismo de Estado se deu sobre estruturas de imobilismo político e (forçada) coesão. O projeto nacional chinês de poder, prosperidade e prestígio é mais importante do que a livre movimentação e expressão política dos atores sociais. Disso resultaram ênfase em poupança e investimentos, economia voltada para fora e perspectiva de longo prazo.
O capitalismo de Estado chinês foi marcado – por certo tempo – pela administração artificial do câmbio e da remuneração do fator trabalho, acesso favorecido aos principais mercados compradores do mundo, grande capacidade de acúmulo de poupança e investimento nas mãos do Estado, parcerias público-privadas voltadas à infraestrutura e logística de comércio exterior, e uma combativa diplomacia empresarial.
O capitalismo de Estado no Brasil desenhado no período Lula-Dilma foi erigido sobre protecionismo comercial, fortalecimento das megacorporações de economia mista que atuam em commodities agrícolas e minerais, política industrial defensiva e, por último, remuneração do capital financeiro em níveis bem superiores às taxas praticadas ao redor do mundo ─ de modo a compensar os esquálidos níveis de poupança e investimento internos, ambos inferiores a 20% do PIB.
Tanto o modelo chinês como o brasileiro conferiram caráter sacrossanto à noção de conteúdo local. No caso chinês, muito se especulou quanto ao conteúdo local como imperativo para manter-se empregada – a baixos níveis de remuneração – a imensa população de jovens que a cada ano chega ao mercado de trabalho.
Contudo, esse que foi o principal estereótipo da competitividade chinesa – mão de obra abundante a baixo custo – já está caduco. Economias como Índia, Paquistão, Vietnã ou mesmo países africanos já oferecem mais atrativos neste particular do que a China.
O que marca a ênfase que o capitalismo de Estado na China contemporânea atribui ao conteúdo local se manifesta na robusta capacidade de realizar compras governamentais ou celebrar contratos internacionais exigindo, como contrapartida do parceiro estrangeiro, a instalação de unidades produtivas em território chinês.
Neste sentido, aparentemente é grande a coincidência com o modelo brasileiro de busca de conteúdo local, que concentra o poder do Estado, suas autarquias e das grandes empresas de economia mista e em favor da atração de investimentos estrangeiros diretos.
No entanto, o capitalismo de Estado no Brasil e sua filosofia “local-conteudista” promoveram tão somente substituição de importações. Na China, tais ferramentas foram instrumentalizadas à promoção de exportações.
A vertente chinesa promoveu internacionalização e competitividade e, no limite, acabou por auxiliar na emergência do país como principal nação-comerciante. Em contraste, o modelo brasileiro tão somente serviu para isolar o país do mundo, reforçando suas feições de atrasada autarquia.

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