domingo, 2 de julho de 2017

Um dia de trabalho para manter Temer

Poucas vezes um troca-troca da política esteve tão claro, envolvendo uma mercadoria perfeitamente quantificável. A ideia é tomar um dia de trabalho dos brasileiros para custear votos de deputados capazes de segurar Michel Temer no Planalto.
Pelo projeto de reforma trabalhista, vai ao lixo o velho imposto sindical, instituído em 1937. Trata-se da tunga de um dia de salário dos trabalhadores formalizados, destinada a cevar a máquina da unicidade sindical na qual está incrustada uma casta de pelegos. A reforma aboliu o caráter de confisco dessa "contribuição". Se o cidadão quiser contribuir para o sindicato, passará a fazê-lo por livre vontade.
Graças a esse imposto há em Pindorama 11 mil sindicatos de empregados e patrões, todos aninhados às arcas da Viúva, de onde saem R$ 3,5 bilhões anuais.
Precisando de votos para se safar da deposição, o governo de Michel Temer namora a ideia de anestesiar o fim desse imposto, baixando uma medida provisória que adie sua extinção. Negocia escondido com as centrais sindicais. Seriam uns 30 votos.
Nessa manobra, a bancada do PSDB fica escalada para um triste papel. Os tucanos defendem a reforma trabalhista em nome da modernidade e dos diplomas universitários de seus mestres-banqueiros.
Primeiro, eles defenderam limitações na farra das isenções tributárias para entidades que se dizem filantrópicas. Saíram de fininho. Chegaram a flertar com a ideia de mexer na caixa preta do Sistema S, cuja mordida custa algo como cinco impostos sindicais. Medraram, porque ali mora o sindicalismo patronal. Querem levar o Brasil para o século 21 sem tirar o pé do cofre da primeira metade do 20.
Mais uma oportunidade para se recordar os versos do poeta Cacaso:
"Ficou moderno o Brasil
Ficou moderno o milagre
A água já não vira vinho
Vira direto vinagre."
Perigo: a Fiesp e a CNI apoiam o governo
O presidente Temer ganhou o apoio de dois marqueses do sindicalismo empresarial. Mau sinal.
Paulo Skaf, presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, foi claro: "Não cabe à Fiesp falar sobre renúncia de presidente".
Em março de 2016, o doutor foi para a rua e disse que as manifestações acelerariam a deposição de Dilma Rousseff. A Fiesp mantinha diante de sua sede um imenso pato amarelo simbolizando os bocós que pagariam por eventuais aumentos de impostos. (O assunto foi trazido de volta na semana passada pelo ministro Henrique Meirelles.)
Em 2014, Skaf foi candidato do PMDB e de Temer ao governo de São Paulo. A bondosa Odebrecht passou-lhe R$ 6 milhões, num pacote negociado pelo então vice-presidente.
Robson Andrade, da Confederação Nacional da Indústria, foi categórico como um dirigente bolchevique: "Todo o empresariado prefere continuar com o presidente Michel Temer. Hoje a posição é essa: é melhor seguir e fazer a transição no país. Chega de turbulência".
Quando ele dirigia a Federação da Indústrias de Minas Gerais, a entidade mimou o petista Fernando Pimentel, ex-prefeito de Belo Horizonte, com R$ 1,5 milhão em contratos de consultorias antiturbulências. (Essa tarifa excedia os valores cobrados pela empresa de Henry Kissinger nos Estados Unidos.) Pimentel é o atual governador de Minas Gerais.
Tanto a Fiesp de Skaf como a CNI de Andrade são entidades milionárias, mas essa riqueza não vem do encanto dos empresários que dizem representar. Elas estão amarradas aos cofres do Sistema S, que morde entre 0,2% e 2,5% das folhas de pagamento das empresas e só no ano passado arrecadou R$ 16 bilhões.
Além de Joesley, Aécio pediu doação a pelo menos dois filantropos

BOLSA AÉCIO
Joesley Batista não foi o único endinheirado a quem Aécio Neves pediu R$ 2 milhões para custear suas despesas com advogados. O grão-tucano pediu a doação a pelo menos dois outros filantropos.
DODGE E BRASÍLIA
Raquel Dodge chega à Procuradoria-Geral da República com duas marcas na biografia. Uma decorreu de sua atividade profissional. Dodge tem mestrado em direito pela Harvard Law School. Pela escola passaram Barack e Michelle Obama, cinco dos nove juízes da atual Suprema Corte e o inesquecível Antonin Scalia.
A outra marca veio da conduta alheia. Na noite anterior à indicação da doutora, o presidente da República (denunciado pela PGR por corrupção) jantou na casa do ministro Gilmar Mendes (o procurador-geral pediu seu impedimento em processos relacionados ao empresário Eike Batista) acompanhado pelos ministros Moreira Franco e Eliseu Padilha (ambos respondendo a inquérito aberto pelo Supremo Tribunal Federal).
A RODA DE MILLER
A ministra Cármen Lúcia manteve a validade do acordo de colaboração que o procurador Rodrigo Janot fechou com os irmãos Joesley e Wesley Batista.
Apesar disso, dificilmente ela terá digerido a porta giratória que levou o procurador Marcelo Miller a migrar para o escritório Trench, Rossi e Watanabe, que negociava o acordo de leniência da JBS.
O doutor Janot defendeu o voo de Miller, mas quer afastar o ministro Gilmar Mendes dos processos que envolvem o empresário Eike Batista, porque a mulher do ministro é sócia do escritório que o defende na área cível.
DODGE E HARVARD
Em maio de 2006, o Estado de São Paulo foi aterrorizado pelo Primeiro Comando da Capital. Ele organizou revoltas em 83 prisões, atacou 274 delegacias, escolas e ônibus, vangloriando-se de ter matado 39 policiais. Em resposta, a polícia matou cem pessoas em apenas cinco dias.
Meses depois, o professor James Cavallaro, um veterano batalhador dos direitos humanos da faculdade de Direito de Harvard e a procuradora brasileira Raquel Dodge, que buscava seu mestrado na escola, começaram a coordenar uma pesquisa para contar o que aconteceu. Juntaram pesquisadores americanos e brasileiros, entrevistaram dezenas de pessoas e, em maio de 2011, divulgaram o estudo "São Paulo sob Achaque: Corrupção, Crime Organizado e Violência Institucional em maio de 2006".
No melhor estilo de uma grande universidade, a pesquisa revirou toda a história daqueles dias de terror. Raquel Dodge foi uma das três redatoras do texto final e uma das quatro coordenadoras do projeto. Felizmente, o relatório de 245 páginas está na rede.
Vale transcrever um trecho:
"Os crimes de maio revelaram um Estado que:
- Falhou ao permitir uma corrupção que fortaleceu uma facção criminosa;
- Falhou ao gerir seu sistema prisional realizando acordos com facções criminosas;
- Falhou ao não proteger seus agentes públicos;
- Falhou ao optar por um revide como resposta;
- Falhou ao acobertar os Crimes de Maio ou investigá-los de forma corporativista e
- Falhou ao apostar novamente na expansão do sistema prisional como solução."
Michel Temer foi secretário de Segurança de SP de 1984 a 1986 e voltou ao cargo em 1992 e 1993.

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