Impeachment não é golpismo
Dilma
erra ao classificar como “golpistas” aqueles que pedem sua saída, desde
que ela ocorra dentro dos legítimos marcos institucionais
GAZETA DO POVO - PR
A
queda de Fernando Collor de Mello, sacramentada pelo Congresso Nacional e
sob a mais estrita legalidade constitucional em 1992, é até hoje
lembrada como uma referência da pujança que a nossa democracia alcançou
após duas sofridas décadas de domínio ditatorial. Naquela época, o
Partido dos Trabalhadores esteve na linha de frente dos protestos pelo
impeachment, ao lado de outras legendas políticas e entidades como a
União Nacional dos Estudantes, a Ordem dos Advogados do Brasil e a
Associação Brasileira de Imprensa. Mereceram aplausos e passaram à
história os que viram em Collor de Mello ações ou omissões
caracterizadas como crime de responsabilidade.
Nos anos
seguintes, durante os dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso, o PT
igualmente liderou manifestações cujo mote era “Fora FHC e o FMI”, em
referência ao Fundo Monetário Internacional. Um direito legítimo, desde
que exercido pelas vias institucionais, daqueles que viam também na
gestão tucana indícios que poderiam levar à saída de FHC do Planalto,
embora a mobilização não criado ambiente político propício a que se
chegasse ao impeachment, como aconteceu com Collor.
A história se
repete agora; à medida que o escândalo das propinas da Petrobras vai
ficando mais e mais cabeludo, vários grupos, não necessariamente
vinculados a partidos políticos, têm percorrido ruas de várias capitais
brasileiras com o refrão “Fora Dilma” – um novo protesto está marcado
para este sábado. A reação do PT e da própria presidente a essas
manifestações, no entanto, deixa evidente uma incoerência em relação à
visão que o partido tinha das mobilizações que protagonizou no passado.
“Golpista”
é o adjetivo mais usado nesses casos – e o PT não está falando apenas
dos verdadeiros golpistas, aqueles (felizmente, uma minoria) que pedem
um golpe militar que deponha Dilma: o termo, na boca da presidente e de
outros membros do PT, engloba qualquer um que vá às ruas pelo
impeachment. Na opinião da presidente, seriam golpistas os que, seja nas
tribunas do Congresso Nacional ou nas passeatas, acreditam que a
corrupção instalada nos estamentos governamentais seria motivo
suficiente para desalojá-la do Palácio do Planalto. Ainda na semana
passada, reunida em Fortaleza com o diretório nacional do PT, Dilma
discursou: “Esses golpistas que hoje têm essa característica, eles não
nos perdoam por estar tanto tempo fora do poder”. Em seguida, tentou
relativizar a visão autoritária presente na raiz da classificação que dá
aos oposicionistas: “Temos de tratar isso com tranquilidade e
serenidade, não podemos cair em nenhuma provocação e não faremos
radicalismo gratuito, pois temos a responsabilidade de governar”.
O
impeachment é um instrumento legal e legítimo nas melhores democracias e
se aplica aos governantes que cometam crimes de responsabilidade – isto
é, que, no exercício do poder, adotem condutas que atentem contra a
Constituição e, entre outros motivos, atentem também contra a probidade
administrativa. Assim, não poderá ser visto como golpe se for proposto o
impeachment da presidente se ficar provado que ela sabia, se beneficiou
ou nada fez para conter a corrupção no seio do governo.
Se em
1992 e nos anos FHC as manifestações populares eram legítimas, por que
não considerar igualmente legítimos os movimentos que pedem o “Fora
Dilma”? Sem entrar no mérito da luta, que já comentamos em ocasiões
anteriores, não há razão para condenar sua manifestação, feita até agora
de forma pacífica e conduzida sob a proteção de cláusulas pétreas da
Constituição que garantem a livre expressão do pensamento, o que
desautoriza a presidente a considerar como golpistas os que pedem “Fora
Dilma” diante do escândalo da Petrobras. Ao demonizar a oposição,
institucional ou popular, como golpista, a presidente usa palavras e
atitudes que a aproximam do autoritarismo e parece desconhecer a
legitimidade que a Constituição confere a seus adversários.
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