domingo, 7 de outubro de 2012

Divisão de grandes instituições causa disputa na reforma bancária da União Europeia
Stefan Kaiser - Der Spiegel
Até recentemente, os pedidos para dividir à força os bancos europeus eram descartados como uma idéia radical de esquerda. Agora, até mesmo um painel de especialistas da UE (União Europeia) está recomendando dividir os perigosos gigantes financeiros. Mas o lobby bancário, que enfrentaria grandes aumentos de custos como resultado, tem o poder de diluir essas ideias.
Os principais bancos da Europa nunca estiveram em tamanho perigo. Mesmo quando eles lançaram economias inteiras no caos e tiveram de ser socorridos com bilhões dos contribuintes, sua estrutura central nunca foi questionada.
Agora, no entanto, um grupo de conselheiros da Comissão Europeia pediu que os bancos perigosos sejam divididos. Eles querem que as operações de captação de depósitos, conhecidas como banco de varejo, sejam separadas das contas arriscadas de negociação de valores mobiliários e derivativos e outras atividades de investimento. Essa é a mensagem central do relatório apresentado na terça-feira (2) pelo grupo liderado pelo presidente do Banco da Finlândia Erkki Liikanen.
“Devemos abandonar esse sistema em que os lucros são privados e as perdas são públicas e pesam sobre os contribuintes”, disse Liikanen na apresentação do relatório. A idéia é que, se as atividades de alto risco de os bancos forem organizacionalmente separadas do resto do negócio, será mais fácil deixar essas partes irem à falência – sem fazer com que todo o sistema financeiro entre em colapso, como quase aconteceu com a falência do Lehman Brothers em 2008.
Ninguém sabe se o plano vai funcionar na prática. Mas ele oferece melhores chances do que o sistema atual, em que a interligação entre bancos de varejo e as negociações de alto risco forçou os governos a intervir para salvar grandes bancos. Um colapso do banco causado por perdas de bancos de investimento, atingiria automaticamente os empréstimos e prejudicaria a economia real.
Nem todos os bancos têm motivos para se preocupar. O relatório que Liikanen escreveu em conjunto com especialistas, entre eles o ex-membro do conselho do Deutsche Bank Hugo Bänziger prevê a divisão dos bancos apenas se as negociações de risco se tornarem “parte significativa” do seu negócio.
Numa primeira fase, poderia se estabelecer uma separação onde a parte de títulos bancários para negociação própria chegue entre 15% e 25% das suas participações no total de títulos. De outra forma, um limite máximo de € 100 bilhões (US$ 129 bilhões) poderia ser definido para o valor dos títulos detidos para negociações de conta própria.
“Os bancos menores seriam considerados para serem totalmente excluídos da exigência de separação”, diz o relatório. Negócios feitos em nome dos clientes tampouco precisariam ser separados.
Mas o Deutsche Bank, o maior banco da Alemanha, certamente seria atingido pelas mudanças com base nas recomendações. De acordo com seu relatório anual mais recente, ele detém 240 milhões de euros em títulos para negociação por conta própria. Isso não inclui o comércio de derivativos.
Segundo as propostas de Liikanen, os bancos como o Deutsche teriam que ser dividido em duas partes. Cada um teria de se refinanciar independentemente e cada uma teria que satisfazer os requisitos regulatórios regulamentares em termos de capital e liquidez. No entanto, o banco teria permissão para manter ambas as unidades sob o teto de uma única companhia holding. Assim, o Deutsche Bank permaneceria intacto enquanto entidade.
Em termos internacionais, as propostas não são inovadoras. O Reino Unido já decidiu separar as operações de banco de varejo do banco das do banco de investimento. Nos Estados Unidos, a chamada regra Volcker proíbe os bancos comerciais de engajar-se em negociação por conta própria .
Também na Alemanha, há crescentes dúvidas sobre o poder do sector financeiro. Muitos líderes da indústria, tais como o chefe do grupo químicos especiais Evonik, Klaus Engel, expressaram preocupação com os negócios especulativos dos bancos, e com o tamanho que eles assumiram.
E mesmo um bancário lendário como o ex-chefe do Citigroup Sandy Weill recentemente pediu a separação do banco de investimentos dos negócios com clientes privados e corporativos.
Alemanha apoia ideia de divisão dos bancos
O Partido Social Democrata, de centro-esquerda, tirou vantagem do assunto. Em julho, o líder do SPD, Sigmar Gabriel, lançou um ataque virulento contra os bancos, dizendo que deveriam ser divididos porque eles estavam tornando os países reféns e ditando a política dos governos. Em seguida, Peer Steinbrück, nomeado como desafiante do partido para a chanceler Angela Merkel na próxima eleição geral prevista para final de 2013, apresentou o seu próprio conjunto detalhado de propostas para a reforma do sistema bancário na semana passada. Suas sugestões foram em grande parte as mesmas que aquelas feitas pelo grupo de Liikanen na terça-feira.
Os partidos conservadores que governam a Alemanha também estão gostando da idéia. Na terça-feira, Markus Feber, líder do grupo parlamentar da União Social Cristã da Baviera no Parlamento Europeu, disse que deveria haver uma “grande separação” entre os bancos de investimento e negócio clássico de clientes.
“Os pequenos clientes devem ser protegidos no futuro das conseqüências das apostas bancárias e negócios de alto risco”, disse ele.
O relatório de Liikanen também pode incitar o Ministério das Finanças alemão à ação. O ministro das Finanças Wolfgang Schäuble estava esperando as recomendações dos peritos da UE.
Mesmo Partido Democrático Livre, empresarial e a favor do laissez-feira, parceiro minoritário da coalizão de centro direita de Merkel, manifestou-se a favor das recomendações. O Ministério da Economia, chefiado pelo líder do FDP, Philipp Rösler, respondeu na semana passada aos planos de Steinbrück dizendo que já tinha vindo trabalhando em idéias semelhantes.
Bancos atacam propostas
Os bancos já estão avançando nas barricadas em protesto contra as propostas. "Na opinião do sector bancário alemão, uma separação organizacional de todas as atividades comerciais pelos bancos diminuiria as possibilidades de que o risco interno se espalhe”, disseram as associações bancárias alemãs, num comunicado na terça-feira.
Isso significa que a parte mais arriscada dos bancos já não poderia mais ser garantida pelos depósitos de clientes na parte mais estável de suas operações.
A separação poderia de fato ser muito cara para os bancos grandes, porque suas divisões de investimento não poderiam mais contar com resgates públicos, e, portanto, teriam que pagar taxas de juros muito mais altos para o crédito dos investidores. Muitas operações bancárias não seriam mais lucrativas.
É incerto se as reformas Liikanen serão implementadas. O processo legislativo nos EUA e no Reino Unido mostrou como o poderoso lobby bancário é adepto de diluir propostas difíceis.
É por isso que Michel Barnier, comissário europeu responsável pela regulação, soou cauteloso na terça-feira, dizendo que o relatório irá "alimentar as reflexões sobre a necessidade de novas medidas”. Todas as partes precisam ser ouvidas antes, ele acrescentou. A primeira que ele mencionou foi o setor bancário.
Tradutor: Eloise De Vylder
   

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