sexta-feira, 21 de março de 2014

A carga tributária brasileira seria de praticamente 50% sem a sonegação
Rodrigo Constantino - VEJA
Leão
Uma reportagem do Valor mostrou que o Brasil já “perdeu” mais de R$ 106 bilhões com sonegação de impostos este ano (quem perdeu, na verdade, foi o governo, o que não é a mesma coisa). Claro que calcular aquilo que não é oficial não é tarefa simples, e o número pode ser bastante impreciso. Mas mesmo assim chama a atenção a magnitude. Diz o jornal:
Em quase 100 dias o Brasil já perdeu mais de R$ 106 bilhões com a sonegação de impostos, segundo dados da campanha “Quanto custa o Brasil pra você?”, realizada pelo Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz). Em 2013, o chamado Sonegômetro, um placar que calcula a sonegação de tributos no país, fechou o ano marcando uma perda de R$ 415 bilhões para os cofres públicos.
Amanhã, o Sonegômetro será instalado na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, para mostrar quanto o Brasil deixou de arrecadar desde o dia 1º de janeiro. Segundo o presidente do Sinprofaz, Heráclio Camargo, as pessoas precisam entender que todo mundo perde com a sonegação fiscal.
“Estamos sempre falando sobre a alta carga tributária, mas também precisamos discutir o efetivo combate à sonegação e um sistema de cobrança mais justo para com os que ganham menos”, afirmou.
O que Heráclito Camargo talvez não tenha se dado conta ainda é que justamente a elevada carga tributária estimula a sonegação. Claro, a impunidade e a certeza de que os impostos acabam desviados, em grande parte, para corrupção ou fins eleitoreiros e demagógicos também contribui, e muito.
Mas quanto maior for a mordida do Leão, maior será a tentação de sonegar, pois ninguém é abnegado a ponto de labutar metade do ano só para colaborar com o “bem comum” (ainda que fosse o caso). Elementar, meu caro Watson.
Não obstante, o presidente da Sinprofaz ignora isso e parece acreditar que quanto mais recursos o governo arrecadar, melhor para o país. Segundo ele, o problema do governo deve ser falta de verba, e não o péssimo uso dela:
De acordo com estimativas do Sinprofaz, a carga tributária no país encerrou 2013 representando 36,85% do PIB. Em 2012, esse valor correspondia a 35,85% do PIB.
“O Sonegômetro foi a forma que encontramos para mobilizar e esclarecer a sociedade sobre os impactos da sonegação fiscal no Brasil. O dinheiro que poderia ser investido na saúde ou na educação está indo pelo “ralo” porque a administração pública faz vista grossa para os grandes devedores e, com isso, sacrifica cada vez mais os pobres e a classe média”, ressaltou Camargo.
Ou seja, nosso estado já é um Leviatã faminto que abocanha 37% do PIB em impostos, e mesmo assim oferece péssimos serviços. Mas Heráclito acha que esse dinheiro, que hoje vai para o “ralo” (mentira, é usado pela iniciativa privada), seria investido na saúde ou na educação.
Pergunta: por que os atuais 37% do PIB, uma das maiores cargas tributárias do mundo, não bastam para uma boa saúde ou educação? O que acontece? Falta verba quando nosso governo cede mais de um bilhão em subsídios para Cuba fazer um porto? Ou quando torra bilhões em arenas esportivas? Ou quando gasta bilhões com ministérios inúteis? Ou joga fora outros bilhões com ONGs engajadas?
A reportagem passa a impressão de que a sonegação é coisa de gente muito rica, mas isso não é verdade. Vários profissionais liberais, como médicos, deixam de emitir recibo para não recolher tanto imposto. Nada disso é louvável pela ótica liberal, defensora do império das leis. Mas se não levarmos em conta as raízes do problema, atacaremos apenas sintomas, ou agravaremos o quadro.
Somente o governo federal arrecadou em 2013 mais de R$ 1 trilhão! É pouco? Não basta? Tem sido bem utilizado? Seria melhor para o país arrecadar ainda mais? O fato é que o custo da legalidade em nosso país é muitas vezes proibitivo, como todos aqueles que contratam mão de obra informal sabem (e são muitos). Se todas as leis absurdas fossem aplicadas amanhã no país, o Brasil quebrava! Vamos enfrentar a origem do problema?
Vejam só: se esses R$ 415 bilhões supostamente sonegados fossem inteiramente arrecadados, estaríamos falando de uma carga tributária não mais de 37% do PIB, mas de 46% do PIB! Isso tudo, nunca é demais lembrar, a fundo praticamente perdido, pois a classe média precisa pagar segurança privada nos condomínios, escola particular para os filhos, plano de saúde da empresa, etc.
Será que a grande solução para o Brasil é mesmo asfixiar ainda mais o cidadão e lhe tomar metade de tudo que ele ganha, para manter um estado inchado, corrupto e incompetente? Não podemos fugir do debate. É evidente que ninguém deveria celebrar tanta sonegação, apesar de reconhecer que há uma diferença moral entre preservar das garras do estado guloso aquilo que é seu de forma legítima, e desviar os recursos do próprio estado, arrecadado de terceiros, para si próprio.
Mas tampouco podemos ser levianos, oportunistas e insensíveis a ponto de pregar que o problema está na sonegação em si, e não na elevada carga tributária já arrecadada e na terrível contrapartida de tantos impostos. Nesse contexto, dá quase para compreender aqueles que defendem a desobediência civil por meio da sonegação de impostos. Só que eu ainda prefiro usar isso para expor o absurdo de nosso modelo tributário e lutar, dentro das leis, por mudanças e reformas liberais. Chega de tanto imposto!

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