Daniel R. Levinson e Erika T. Broadhurst - NYT
As pessoas vão aos hospitais para melhorar. Nós todos sabemos que o atendimento médico envolve riscos, mas o que os pacientes não esperam é que médicos, enfermeiros e outros funcionários encarregados de cuidarem deles podem lhes fazer mal deliberadamente. Como demonstra um importante caso recente, isso é exatamente o que pode acontecer sem controles mais rígidos.
David Kwiatkowski era um auxiliar médico e um viciado
em medicamentos prescritos que trabalhou em mais de uma dúzia de
hospitais em oito Estados. Ele roubava o analgésico fentanil que os
profissionais preparavam para os pacientes que aguardavam por
cateterismos cardíacos. Kwiatkowski pegava a seringa cheia de fentanil,
injetava a droga no próprio braço, enchia a seringa usada com soro
fisiológico e a devolvia. Não era apenas soro fisiológico o que
Kwiatkowski adicionava à seringa: ele tinha hepatite C, um vírus
potencialmente fatal.
Ao longo de uma década, ele deixou um rastro de 45 casos inexplicados de hepatite C, incluindo duas mortes, antes de ser finalmente preso em New Hampshire. Em dezembro, ele foi sentenciado a 39 anos de prisão. As vítimas sobreviventes de Kwiatkowski também vivem com as consequências de seu crime: David Porter (por acaso um aposentado de nosso escritório em Boston) teve uma perna amputada. Alden Sanborn sofreu uma falência hepática.
Na condição de inspetor geral do Departamento de Saúde e Serviços Humanos e de agente especial que investigou o caso Kwiatkowski, nós acreditamos que este caso, e outros como ele, mostram que nossos hospitais não estão protegendo os pacientes de adulteração dos medicamentos.
Kwiatkowski escondia seu histórico de trabalho. Mas regulações e
procedimentos que diferem de um Estado para outro, até mesmo de uma
instituição para outra, permitiram que ele continuasse destruindo vidas.
Nós temos conhecimento de apenas dois casos em que as autoridades foram
chamadas por suspeita de que Kwiatkowski estava roubando drogas. Em
ambas as ocasiões, ele deixou o Estado antes que qualquer ação fosse
tomada. A maioria dos hospitais não chama a polícia. Eles também não
comunicaram o caso dele às agências e instituições para impedir que
fosse contratado de novo.
Esse caso não é único. Em Denver, uma ex-técnica cirúrgica, Kristen Diane Parker, foi sentenciada a 30 anos de prisão em 2010, após fazer o mesmo que Kwiatkowski: injetar o fentanil em si mesma e encher a seringa usada com soro fisiológico ou água. Ela infectou mais de uma dúzia de pacientes com hepatite C. Na Flórida, Steven Beumel foi sentenciado a 30 anos de prisão em 2012 por ações semelhantes que infectaram pelo menos cinco pessoas com hepatite C. Uma vítima passou por transplante de fígado e depois morreu.
Os hospitais podem fazer mais para proteger os pacientes. Uma segurança reforçada, como a vigilância das áreas onde os medicamentos são armazenados, uma cadeia mais rígida de acesso às drogas e um maior rastreamento das substâncias controladas são áreas óbvias de aprimoramento.
Mas devíamos ir além: nós acreditamos que os hospitais deveriam realizar exames antidrogas aleatórios em todos os funcionários com acesso às drogas. Os exames deveriam ser abrangentes o suficiente para detecção de fentanil e outras drogas normalmente usadas e que devem ser constantemente atualizados para acompanhar o padrão de abusos.
Isso está longe de ser uma sugestão radical. Segundo a lei federal, muitos trabalhadores em transporte e outras áreas sensíveis já estão sujeitos a exames antidrogas aleatórios. Eles incluem pilotos, motoristas de ônibus escolares, comissários de bordo, maquinistas, operadores de metrô, capitães de navio e equipes de resposta de emergência de oleodutos e gasodutos.
Outro passo é exigir que os centros médicos chamem as autoridades caso suspeitem que um funcionário de saúde esteja roubando drogas. "Isso é um crime federal", disse John P. Kacavas, o promotor federal que processou Kwiatkowski em New Hampshire. "Os provedores de saúde estão mal equipados para investigar esses casos."
Nós também devemos tratar o vício como a doença crônica que é, e fornecer ajuda aos funcionários de saúde viciados. Isso poderia impedir alguns de infringir a lei para alimentar seu vício. Um modelo eficaz é conhecido como programa de saúde dos médicos. Eles trabalham para as agências estaduais e com elas na recomendação de tratamento e no monitoramento da recuperação, ao mesmo tempo que ajudam os médicos a evitarem penas criminais e profissionais. Um estudo de 2008 envolvendo 802 médicos com histórico de abuso de substância, que foram monitorados por cinco anos, mostrou que 65% permaneceram sem usar álcool ou drogas.
Mas funcionários de saúde viciados não precisam ser médicos para
colocar os pacientes em risco. Todos os funcionários de saúde com acesso
às drogas, incluindo médicos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem,
técnicos de radiologia e assistentes cirúrgicos, deveriam passar por
exames antidrogas obrigatórios.
Lucy Starry, uma das vítimas de Kwiatkowski, sofreu posteriormente um edema severo. Ela morreu neste mês, e seu atestado de óbito lista hepatite C como um fator que contribuiu. Kathleen Murray, a filha dela, é enfermeira há mais de 30 anos. "Para mim, o verdadeiro crime é que por anos ele nunca foi processado", ela disse. "Isso mancha minha profissão. Ele nunca deveria ter chegado tão longe." Melhores protocolos para medicamentos prescritos nos hospitais poderiam assegurar que casos como esse nunca mais se repitam.
(Daniel R. Levinson é inspetor-geral e Erika T. Broadhurst é agente especial do Departamento de Saúde e Serviços Humanos.)
Tradutor: George El Khouri Andolfato
Ao longo de uma década, ele deixou um rastro de 45 casos inexplicados de hepatite C, incluindo duas mortes, antes de ser finalmente preso em New Hampshire. Em dezembro, ele foi sentenciado a 39 anos de prisão. As vítimas sobreviventes de Kwiatkowski também vivem com as consequências de seu crime: David Porter (por acaso um aposentado de nosso escritório em Boston) teve uma perna amputada. Alden Sanborn sofreu uma falência hepática.
Na condição de inspetor geral do Departamento de Saúde e Serviços Humanos e de agente especial que investigou o caso Kwiatkowski, nós acreditamos que este caso, e outros como ele, mostram que nossos hospitais não estão protegendo os pacientes de adulteração dos medicamentos.
Esse caso não é único. Em Denver, uma ex-técnica cirúrgica, Kristen Diane Parker, foi sentenciada a 30 anos de prisão em 2010, após fazer o mesmo que Kwiatkowski: injetar o fentanil em si mesma e encher a seringa usada com soro fisiológico ou água. Ela infectou mais de uma dúzia de pacientes com hepatite C. Na Flórida, Steven Beumel foi sentenciado a 30 anos de prisão em 2012 por ações semelhantes que infectaram pelo menos cinco pessoas com hepatite C. Uma vítima passou por transplante de fígado e depois morreu.
Os hospitais podem fazer mais para proteger os pacientes. Uma segurança reforçada, como a vigilância das áreas onde os medicamentos são armazenados, uma cadeia mais rígida de acesso às drogas e um maior rastreamento das substâncias controladas são áreas óbvias de aprimoramento.
Mas devíamos ir além: nós acreditamos que os hospitais deveriam realizar exames antidrogas aleatórios em todos os funcionários com acesso às drogas. Os exames deveriam ser abrangentes o suficiente para detecção de fentanil e outras drogas normalmente usadas e que devem ser constantemente atualizados para acompanhar o padrão de abusos.
Isso está longe de ser uma sugestão radical. Segundo a lei federal, muitos trabalhadores em transporte e outras áreas sensíveis já estão sujeitos a exames antidrogas aleatórios. Eles incluem pilotos, motoristas de ônibus escolares, comissários de bordo, maquinistas, operadores de metrô, capitães de navio e equipes de resposta de emergência de oleodutos e gasodutos.
Outro passo é exigir que os centros médicos chamem as autoridades caso suspeitem que um funcionário de saúde esteja roubando drogas. "Isso é um crime federal", disse John P. Kacavas, o promotor federal que processou Kwiatkowski em New Hampshire. "Os provedores de saúde estão mal equipados para investigar esses casos."
Nós também devemos tratar o vício como a doença crônica que é, e fornecer ajuda aos funcionários de saúde viciados. Isso poderia impedir alguns de infringir a lei para alimentar seu vício. Um modelo eficaz é conhecido como programa de saúde dos médicos. Eles trabalham para as agências estaduais e com elas na recomendação de tratamento e no monitoramento da recuperação, ao mesmo tempo que ajudam os médicos a evitarem penas criminais e profissionais. Um estudo de 2008 envolvendo 802 médicos com histórico de abuso de substância, que foram monitorados por cinco anos, mostrou que 65% permaneceram sem usar álcool ou drogas.
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Lucy Starry, uma das vítimas de Kwiatkowski, sofreu posteriormente um edema severo. Ela morreu neste mês, e seu atestado de óbito lista hepatite C como um fator que contribuiu. Kathleen Murray, a filha dela, é enfermeira há mais de 30 anos. "Para mim, o verdadeiro crime é que por anos ele nunca foi processado", ela disse. "Isso mancha minha profissão. Ele nunca deveria ter chegado tão longe." Melhores protocolos para medicamentos prescritos nos hospitais poderiam assegurar que casos como esse nunca mais se repitam.
(Daniel R. Levinson é inspetor-geral e Erika T. Broadhurst é agente especial do Departamento de Saúde e Serviços Humanos.)
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