sábado, 31 de maio de 2014



Aspirante a ditador, ex-general com cidadania americana ressurge na Líbia
Ethan Chorin - NYT
Chen Xiangyang/Xinhua
18.mai.2014 - Soldados líbios montam guarda perto de uma estrada em Trípoli após distúrbios na capital do país 18.mai.2014 - Soldados líbios montam guarda perto de uma estrada em Trípoli após distúrbios na capital do país
Esqueça a obsessão interminável de buscar um culpado pelo ataque de 2012 contra o complexo diplomático norte-americano em Benghazi (Líbia). Os Estados Unidos têm outro grande problema nas mãos neste momento na Líbia. Khalifa Hifter, um ex-general líbio que agora é cidadão norte-americano, está armando o que pode vir a ser um golpe de fato, com consequências amplas para a Líbia e os Estados Unidos.
O general Hifter foi um dos oficiais líbios que lutou na desastrosa guerra do coronel Muammar Gaddafi com o Chade nos anos 80. Mas, depois disso, ele escapou para os Estados Unidos. Enquanto pesquisava um livro sobre as origens da Revolução Líbia de 2011, descobri muitos indícios de um longo relacionamento entre o general Hifter, os Estados Unidos e a Frente Nacional para Salvação da Líbia, o principal grupo exilado em oposição ao coronel Gaddafi na época.
Entre estes indícios, declarações de que a CIA recrutou o general Hifter para ajudar a preparar atividades militares contra o ditador. O general Hifter se estabeleceu em Virgínia e, segundo descobri, ele foi encarregado de treinar líbios de mentalidade semelhante como futuros insurgentes. Mas esses preparativos nunca deram frutos; em vez disso, no final dos anos 90, os Estados Unidos passaram a buscar uma reconciliação com o coronel Gaddafi.
Quando a rebelião local de 2011 eclodiu e a Otan interveio, o general Hifter retornou à Líbia esperando comandar as forças rebeldes, mas perdeu para Abdul Fattah Younes, ex-ministro de interior de Gaddafi. Younes depois foi assassinado e as suspeitas recaíram sobre a milícia islamita que emergia em Benghazi na época.
Este mês, o general Hifter ressurgiu como líder de um ataque, apoiado por jatos de guerra e artilharia, contra acampamentos islamitas em Benghazi; simultaneamente, seus partidários terminaram uma sessão do Parlamento na capital da Líbia, Trípoli. Ele alega ter planejado esta manobra através de uma articulação entre militares nas principais cidades da Líbia -- um cenário reminiscente das preparações de Gaddafi para seu próprio golpe em 1969.
O general Hifter chama seu programa de Operação Karama – que em árabe significa "dignidade". Em entrevistas, ele se retrata como um patriota feroz com o "dever cívico" de libertar os líbios da Irmandade Muçulmana. Ele fala em "limpar" a Líbia dos islamitas, especialmente em Benghazi, onde ele os culpa pelos assassinatos e sequestros diários.
Ele não declarou um objetivo final, mas disse que não recusará um papel de liderança -- se o povo assim desejar. Ele descarta acordos com os islamitas, que, segundo ele, só respondem à força.
Nos últimos dias, o general Hifter ganhou apoio de unidades chave do exército e da força aérea da Líbia, milícias importantes e membros antigos das forças de segurança regionais, bem como o apoio indireto de alguns líderes da revolução de 2011.
Mas o governo dos Estados Unidos não expressou um julgamento. Ele parece estar evitando endossar ou rejeitar o general Hifter, limitando-se a expressar preocupação com uma situação que chama de "extremamente fluida" e juntando-se a um pedido internacional para que todas as partes evitem atos violentos. O secretário de Estado John Kerry pediu a um diplomata sênior, David Satterfield, para ir à Líbia como enviado, mas não indicou uma conexão direta com a ação do general Hifter.
Em um comunicado à imprensa na quinta-feira, o porta-voz do Departamento de Estado Jen Psaki se esquivou de discutir o general Hifter, mas enfatizou o apoio norte-americano ao povo da Líbia, ao processo democrático do país, e à resposta do Parlamento à "situação" atual, que naquele momento havia anunciado uma data para as eleições parlamentares – 25 de junho. No domingo, o primeiro-ministro Ahmed Maiteeq ganhou um voto de confiança enquanto o Parlamento desafiou o general Hifter, que questionou a legitimidade da legislatura.
Se a jogada de Hifter tiver sucesso, será que chegará a haver uma eleição? Por causa do passado dele, muitos líbios já pensam que os Estados Unidos o estão apoiando. Este é um problema, uma vez que esta crença fornece ao general certa autoridade que ele pode não ter. E ao não se pronunciar, os Estados Unidos apenas alimentam as suspeitas de que ele faz parte de um programa norte-americano.
Enquanto isso, a ressurreição do general Hifter adquiriu uma qualidade redentora. Em Washington, alguns especialistas e autoridades do Departamento de Estado expressaram sua satisfação pelo fato de que alguém está perseguindo a Ansar al-Sharia, a milícia considerada culpada pelo ataque ao complexo diplomático dos EUA. E um número significativo de líbios esperam que o general Hifter possa reverter o poder da Irmandade Muçulmana no Parlamento, que eles consideram um sequestro da democracia.
Mas a redenção é um objetivo menos desejável do que proteger o experimento democrático da Líbia. Isso significa que os Estados Unidos devem deixar claro a natureza de sua relação com o general Hifter.
Ainda temos uma relação com ele? Simpatizamos com todas as intenções declaradas por ele, que incluem dissolver o Parlamento? Ou apenas com algumas – por exemplo, recuperar Benghazi dos extremistas? Que tipo de comportamento teremos em relação a ele tanto como um cidadão norte-americano portando armas no exterior quanto como um potencial líder da Líbia? Certamente, se ele destruir os ganhos democráticos, estará agindo contra a política declarada pelos Estados Unidos.
Mais de uma vez, os EUA tiveram problemas na Líbia por não assumir posições claras. Durante a reaproximação de 2003, dissemos ao coronel Gaddafi que tínhamos condições para nos reconciliar com ele. E depois não demos continuidade ao esforço. O fato de que o General Hifter está agora caçando islamitas, em vez dos leais a Gaddafi, é uma consequência direta do fracasso do Ocidente em 2011 em planejar a segurança e reconstrução da Líbia depois da retirada do coronel Gaddafi. Um bom planejamento, antes de mais nada, poderia ter evitado que Benghazi caísse nas mãos erradas.
Em uma entrevista no início da primavera de 2012, J. Christopher Stevens, que na época havia sido designado embaixador, falou-me sobre seus profundos temores em relação a este resultado. Ironicamente, Benghazi só caiu nas mãos de islamitas e elementos criminosos após o ataque de 11 de setembro de 2012, que matou o embaixador Stevens e três outros norte-americanos. Benghazi desde então se tornou a âncora em um arco de instabilidade que se estende até a África sub-saariana.
Mas nunca é tarde demais para aprender uma lição. Quaisquer que sejam suas falhas, o general Hifter tem alguns pontos bons. Com a indisposição dos EUA de agir militarmente, e o governo líbio comprometido por simpatizantes islamitas em seu interior, ele pode ser a única pessoa capaz e disposta a liderar uma luta bem sucedida contra os extremistas em Benghazi.
Para perseguir ambos os objetivos, os EUA precisam delinear onde acham que devem estar os limites à ação e às ambições do general Hifter, bem como as consequências se ele e seus apoiadores ultrapassarem esses limites. Ao mesmo tempo, os EUA devem apoiar o nascente governo líbio, como fizemos quando os separatistas de Benghazi desafiaram a autoridade central tentando vender petróleo ilegalmente em março.
Se conseguirem acertar este equilíbrio, os Estados Unidos ainda podem preservar uma democracia frágil, e domar um ditador – antes que ele se torne um.

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